DA MATTA, Roberto. O carnaval, ou o mundo como teatro e prazer. In: ______. O que faz o Brasil, Brasil? 8.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 65-78.

 

 RESUMO

 

Todas as sociedades humanas ritmam sua história entre a concretude da rotina e a fluidez das festas. Assim, o homem constrói sua cultura alternando memória e esquecimento, de fatos e personalidades, que são celebradas nas festas. No Brasil, a vida do povo é dialetizada entre rotina e “extra-ordinário”. Ai o trabalho indica sempre a rotina e seriedade da construção social, adversa a essa rotina é a “catástrofe”, ou a “reviravolta” que interrompe a regularidade social. Nesta senda, o carnaval é um evento catastrófico na rotina social brasileira, porém uma “reviravolta” planejada, onde a seriedade aceita em si o extravasamento da ludicidade popular, distribuindo o prazer sensual para todos, quando a prática sistemática de todos os excessos é legal. Fenômeno interessante do carnaval brasileiro é a inversão de papéis sociais, ou mesmo o estabelecimento da equidade. Assim, o carnaval se torna uma catastrófica inversão do mundo. Assim, a fantasia enquanto traje do carnaval, permite a exteriorização do sonho e  da imaginação na realidade, de modo aceitável pelos outros. O carnaval é evento de abertura ao diferente, à alteridade, ao não uniforme. O carnaval é competição na hierarquizada sociedade brasileira, onde acontece a possibilidade de uma efêmera mudança social, mediante a catarse lúdica.

 COMENTÁRIO

 Este ensaio de Da Matta, apresenta a sociedade brasileira como a sociedade da “mistura”, da rua, da casa e da fé; onde vigora os paradigmas parmenídico (casa) e herácleano (rua). Assim como a fé faz a ponte entre fluidez e permanência em nossa sociedade, também o faz o carnaval, porém com acanto no movimento lúdico, mesmo sendo uma “mistura popular” protegida por lei. O texto apresenta o carnaval como evento catártico de nosso povo que, no ordinário carrega em si velados preconceitos e certeira hierarquia social enquanto divisão de classes, de gêneros,  e demais papeis sociais. Assim, carnaval é “catástrofe”, um grande extravasamento em curto prazo da ludicidade e hedonismo de nosso povo que tem tais caracteres reprimidos na ordinariedade do trabalho e das leis, pautadas na desigualdade estabelecida hierarquicamente; um povo contraditório em sua morfologia, constituída de várias matrizes sociais e, oscilando entre rígidas divisões classistas e a pulsão para misturar-se.