Um mês como qualquer outro. Neste dezembro de 2008, notícias policiais e estatísticas de violência não faltaram. O que mais chamou a atenção foi a divulgação de dados revelando que em 2007 houve cerca de 35 mil homicídios no Brasil, bem mais do que a soma da maioria dos conflitos armados em andamento ao redor do mundo. E também, não vou esquecer, a nova mania dos arrastões nos bairros mais ricos de Recife. Tudo isso prova o quê? Que “a violência alcançou níveis ‘insuportáveis’”? Que “a polícia não evoluiu o bastante”? Que “está evidente a falta de uma política pública eficiente de segurança”? Pode até ser isso tudo sim, mas esse crescimento da violência prova outro fato bem menos óbvio aos olhos e mentes das pessoas: a alienação perante a realidade óbvia e a “impotência” que as vítimas de violência afirmam sentir estão tomando ares de calamidade pública e ajudando imprescindivelmente a criminalidade a crescer. Essa é a verdadeira conclusão a que cheguei.

 

A verdade é que só podia dar nisso. As estatísticas cresceram, o país ficou mais violento em quase todos os seus recantos, porque ninguém estava disposto a reclamar. Ou simplesmente desistiu de tentar lutar sozinho e aderiu à massa calada. E as coisas continuam piorando. O caldeirão de ácido fervente, já transbordando, está queimando cada vez mais pessoas. Afinal, elas não cobram como deviam das autoridades para que a ameaça do ácido do caldeirão seja detida. Preferem pensar em algum aspecto bem fútil de sua rotina de alienação para tentar esquecer que há uma poça crescente de ácido avançando em seus pés, queimando suas pernas e ameaçando matá-las.

 

Vagamente dizem algo parecido com “tenho um desejo muito grande (sic) de que os políticos tomem vergonha na cara e a violência diminua” ou “espero que 200_ seja um ano com mais paz e blábláblá”. Mas como é que isso vai acontecer? Como é que vamos ter um país seguro? Como as pessoas ainda acreditam que isso vai acontecer do zero, que as coisas vão melhorar sem que lutem por nada, sem que precisem cobrar nada?

 

Como alguma coisa vai melhorar se as vítimas de crimes dizem que se sentem impotentes, sem força nenhuma para mudar nada? Desde quando determinada situação social muda com um povo sem potência, sem força, sem moral, sem a convicção de que unidos nunca podem ser vencidos? Lembro dos protestos contra a reforma do direito do primeiro emprego na França em 2006. Ninguém ali pensou “me sinto impotente diante desse governo”, muito pelo contrário. Do mesmo jeito que na época das Diretas-já ninguém daquelas massas manifestantes, mesmo ainda dentro do período cronológico da ditadura, pensou em impotência.

 

Contra um povo que, além de se calar e prestar conivência a tudo que sofre e se comportar como se nada de grave estivesse acontecendo, ainda acha que não tem poder para mudar nada, é totalmente esperado que a violência continue crescendo além dos níveis de conflito armado. Uma população que subestima seus problemas sociais não é só vítima deles, figura na verdade como parte do problema, já que não há um impulso para as autoridades trabalharem. O caldeirão de ácido que vem transbordando e ameaçando a todos só vai secar se o espírito de alienação e impotência for abolido da mentalidade da maioria. Quero ver alguém dizer “sofri um assalto hoje e agora, mais do que nunca, sinto que preciso ajudar a melhorar essa realidade para não ter que sofrer tudo de novo outras vezes mais” em vez de “fui assaltado(a) hoje, me sinto tão impotente com essa realidade cruel...”. Só assim é que um mês violento como este não vai ser mais algo tão comum.