O BURRO

 

        Cansado da labuta do dia a dia, dos corre-corres da cidade, fiz minha mala e resolvi passar umas férias na fazenda de um amigo meu. Eu já conhecia aquela fazendinha e muitas pessoas que residiam ali. Eu queria descansar a mente um pouco.

          Quando cheguei lá, foi uma verdadeira festa. Eu tinha muitos amigos ali. Havia uma grande vila na fazenda, muitos porcos, cavalos, burros, bois, aves em geral. Toda a fazenda era cercada por montes e vales não muito acentuados.

          Depois do descanso da viagem fui com o seu Jaspe dar uma voltinha pela fazenda. Queria ver a lavoura e a criação.

          Embaixo de uma grande mangueira estavam arreando um burro. Um burro enorme, bem torneado, de cor marrom. Passei a gavar aquele burro. Pedro Paulo, que estava arreando o animal propôs que eu desse uma voltinha no animal, eu andaria mais rápido e cansaria menos. Eu não aceitei, mas houve muita insistência, inclusive do Jaspe, o proprietário da fazenda:

          - Burrinho manso, burro de mulher.

          Já que houve um consenso geral, resolvi montar. Foi a pior besteira que já fiz. Era um animal xucro, jamais fora montado. A peonada fez aquilo de propósito para ver como eu me saía. E o burro começou a pular e pula daqui, pula pra lá e eu em cima, me segurava em todos os lugares. E o burro sem parar. De repente começou a correr. Eu lá em cima gritando por São Pedro, Santo Antônio, São Serafim que tivesse dó de mim, pois ali seria o meu fim. Nenhum diabo de santo vinha me ajudar. E o burro peidava e eu lá em cima me danava. O burro suave e eu lá em cima derretia. E pulava o burro e me jogava pra cima e tentava sair de baixo. A minha bunda já não agüentava mais levar pancada. Ele desembestou-se a um pé de amoreira espinhuda bem fechado e baixo. Quando vi aquilo me assustei e pensei: você não é nenhuma besta, seu burro, pra passar direto naquela curva e entrar na moita de espinho. Claro que o burro não era besta, era um burro. Onde é que ele iria imaginar que teria de virar na curva? Passou direto e entrou no espinheiro.

          O burro, que era mais baixo, passou por baixo. Eu fiquei pregado no espinheiro a dois metros do chão. No meu lado da frente ficou todo estatelado de espinho. Apalpei o meu trazeiro. Graças a Deus aí não tinha nenhum espinho. Não tinha, porque meu sangue esfriou um pouco e eu caí do espinheiro. Foi a pior. As folhas da amoreira são só de espinhos e desta vez eu caí em cheio. Meu corpo ficou todo cheio de espinhos. Estava completamente espetado. Levantei-me devagar, cambaleando. Pelo menos estou vivo - pensei. Estava porque quando olho melhor a meu redor, vejo dois olhos fumegando fogo. Devagarinho fui saindo, me afastando de costas e exclamando: “calma, dona onça, não vou-lhe fazer mal. Eu me afastava, mas a onça veio chegando mais perto. Bem devagar e sem tirar os olhos, peguei a estrada, caí na carreira. Corre eu e corre a onça. Eu na frente e a onça atrás, pega não pega, começou a me dar umas unhadas no bumbum, tentando me segurar e eu pernas pra que te quero. Ninguém para me socorrer, nenhuma casa por perto. Assim que descemos a estrada eu vi uma casinha. Lá embaixo. Graças a Deus - pensei, desta vez estou salvo. Do jeito que eu ia na carreira, entrei na primeira janela que vi aberta. Já entrei pedindo socorro. Era uma  casa  de  uma velha de 50 anos. Quando entrei

já levei uma paulada nas costas:

          - Tarado, olha um tarado aqui - disse a velha.

          - Que tarado nada, dona. Tarada é a onça que vem aí atrás.

          Nem acabei de falar quando a onça pulou a janela. Pulei a janela do outro lado. Alcancei outras casas. Deixei a velha e a onça no interior da casa. Trouxeram-me para o hospital, estava mais morto que vivo.

          Até hoje não sei o que aconteceu: se a onça comeu a velha ou a velha comeu a onça. Não pretendo saber mais disso, de maneira alguma.