Por Laércio Becker, de Curitiba-PR 

O clube

O Britânia Sport Club foi fundado por jovens funcionários da fábrica de vidros Solheid, em 30.11.1914, em Curitiba, fruto da fusão entre dois times do bairro Rebouças: o Leão FC e o Tigre FC (e “Tigre” seria seu apelido e mascote). Na primeira diretoria: presidente Francisco Zanicotti, secretário João Tesserolli, tesoureiro João Felipe Galli (tutti oriundi, apesar do nome britânico do clube, em homenagem à Brazil Railway).

Dois anos depois, já foi vice-campeão estadual. Em 1918 ganhou seu primeiro título estadual e só largou o troféu depois de obter, em 1923, um surpreendente hexacampeonato. A razão do sucesso pode ser o fato de que, ao contrário de outros times da capital, o Britânia não fazia restrições a jogadores negros. Mas também a regularidade: a base do time hexacampeão era formada pelos mesmos titulares do primeiro time montado pelo clube, em 1915. Em 1928, seu último título na 1ª divisão, ainda com alguns veteranos do hexa.

O problema foi a fundação, em 12.01.1930, do Clube Atlético Ferroviário. Isso porque até então o Britânia era ajudado pela estada de ferro, que contratava funcionários para jogarem no time. A partir de 1930, migraram para o Ferroviário: o patrocínio informal da empresa, os jogadores-funcionários da estrada de ferro, os negros e a torcida dos guarda-freios, graxeiros e eletricistas dos trens. Essa migração deu ao Ferroviário o apelido discriminatório de “Boca-negra” e limou as presas do “Tigre”.

Mesmo assim, o Britânia manteve um bom quadro social, em que despontavam as famílias Volpi, Zardo, Marinoni e Schiavon. Na sede social, bailes famosos. Em campo, porém, equipes que participavam apenas como figurantes do campeonato. Como bem sintetizou Ernani Buchmann, enquanto o futebol se profissionalizava, o Britânia afundava numa lenta e irresistível decadência.

Os estádios

Em 1933, o Britânia recebeu do Coritiba FC o Parque Graciosa, no bairro Juvevê, onde mandou seus jogos até 1940. O estádio era conhecido como “Cimento Armado”, não pelas arquibancadas, reformadas em 1927, mas pela dureza do seu gramado. A partir de 1941, passou a ser utilizado pelo Palestra Itália, para treinamentos, depois vieram os jogos da Suburbana, até ser loteado.

Curioso como os estádios próprios inaugurados pelo Britânia, ambos com o mesmo nome, Paula Soares, tiveram carreira curta. Antes de falarmos sobre eles, precisamos falar sobre quem foi Paula Soares.

Não são muitos os estádios com nome de mulher. De pronto, lembro pelo menos os seguintes: Estádio Maria Abadia, “Abadião”, em Ceilândia (DF); Estádio Maria Tereza Breda, em Olímpia (SP); e Estádio Onda Nunes, em Barbacena (MG), atualmente desativado. No futebol amador de Curitiba e Região Metropolitana há ainda o Estádio Leopoldina Dias de Faria, em Almirante Tamandaré, e o Estádio Maria Antonieta, em Pinhais.

Não é o caso, porém, do estádio do Britânia. Paula Soares não foi uma mulher, mas o Coronel Francisco de Paula Soares Netto, um médico do Exército Brasileiro que foi presidente da Federação Paranaense de Futebol (FPF) e do Britânia nas décadas de 30 e 40.

Na década de 40, Paula Soares fez contatos e reuniu fundos para a compra de um terreno na rua Carlos Dietzsch, bairro Portão, em região conhecida como “Fazendinha”, próxima à igreja, para construção do seu primeiro estádio próprio. Em retribuição aos esforços do grande benemérito, seu nome foi escolhido por unanimidade: Estádio Paula Soares. A inauguração foi em 15.08.1943, com uma grande festa que terminou... com uma derrota de 4x1 para o Avaí, de Florianópolis.

Pouco depois, o Britânia vendeu o estádio para uma fábrica de sacos de aniagem. Em compensação, recebeu da prefeitura permissão para erguer seu novo estádio em outra área. E assim começou a construir seu novo Estádio Paula Soares. Só que, poucos dias depois, o prefeito revogou a autorização, porque a área havia sido doada à prefeitura com a condição de nela fazer uma praça – que viria a ser a Praça Botelho de Souza.

No campeonato de 1964, o “Tigre” conseguiu sua última façanha: um honroso 3º lugar no estadual. No ano seguinte, em 06.06.1965, com uma vitória de 3x2 sobre o Água Verde, pelo campeonato estadual, o Britânia inaugurou seu último estádio próprio: o Estádio Paula Soares, às margens da BR 116, no bairro Guabirotuba. O estádio oferecia aos jogadores vestiários modernos com uma grande novidade em relação aos demais: banheiras térmicas.

Atuando neste último estádio, em 1965, o Britânia foi rebaixado depois de perder um “triangular da morte”, disputado com outros dois clubes com os quais havia terminado empatado. Em 1966 disputou a 2ª divisão (zona sul). Para solucionar uma crise entre os clubes, ficou definido que o campeonato de 1968 teria 14 clubes, sendo que a 14ª vaga seria disputada num hexagonal, denominado “Torneio Esperança” (nome perfeito!), que foi vencido pelo Britânia – seu último título. Conquistada a vaga, terminou o estadual de 1968 na lanterna. Isso determinou seu rebaixamento para a segundona, que disputou em 1970 (zona sul), sem êxito.

Se o Estádio Paula Soares não deu muita sorte para o time principal, não se pode dizer o mesmo em relação às divisões inferiores do clube. Nesse período, o Britânia foi vice-campeão de aspirantes em 1965, bicampeão de juvenis em 1967-8 e vice de juvenis em 1969.

Em 17.03.1971, o Britânia participou de uma fusão com CA Ferroviário (também decadente) e Palestra Itália FC (fora do futebol profissional desde 1967, apesar do seu slogan ser “Nem que morra”...), para formação do Colorado EC. Dos campos dos três clubes, o Colorado preferiu utilizar o Estádio Durival Britto e Silva (Vila Capanema), do Ferroviário. As instalações acanhadas do Paula Soares não permitiram que fosse muito utilizado. No máximo para alguns treinamentos (poupando o gramado da Vila), ou para as Feiras do Comércio e Indústria do Paraná (Fecip).

Se no Colorado o Paula Soares estava relegado a segundo plano, após a fusão com o EC Pinheiros, para constituição do Paraná Clube, em 19.12.1989, a chance de reergê-lo chegou a zero. Isso porque o Paraná herdou, além dos estádios do Colorado (Durival Britto, Paula Soares e Palestra Itália, desativado), os seguintes estádios do Pinheiros: Erton Coelho de Queiroz (que o Paraná ainda utilizou em algumas partidas) e Orestes Thá (desativado). Como se faltassem estádios, o Paraná Clube ainda arrendou o Pinheirão, após o Atlético rescindir o contrato que tinha com a FPF, em 1994. Com tantas opções melhores nesse vasto patrimônio, o Paula Soares não tinha a mínima chance.

Lembro-me muito bem do estádio agonizante, durante esse período. Eu trabalhava no Aeroporto Afonso Pena e passava com regularidade por ali. As arquibancadas continuavam em pé. O telhado caía aos poucos. O mato tomava conta do entorno do campo. Mas o gramado mesmo continuava aparado. Com um pouco de sorte, se via até alguma atividade, como um treino de jogadores, um “rachão” ou algo assim. Mas em geral parecia um imóvel subaproveitado, a bem da verdade.

Quando do seu telhado só havia sobrado o esqueleto de concreto e o campo já tinha sido devidamente engolido pelo capim, as arquibancadas cinzentas do Paula Soares foram finalmente demolidas, em 1998, para construção de uma filial do hipermercado Big.

Atualmente, o Coronel Paula Soares ainda tem seu nome gravado no futebol curitibano. Não num estádio, mas no art. 127 do Estatuto do Paraná Clube, aprovado em 20.11.2003, como Patrono do Tricolor da Vila Capanema.

 

Fontes:

BARACHO, Maria Luiza Gonçalves. Paula Soares: ser e fazer. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2002. p. 92-6.

BUCHMANN, Ernani. Quando o futebol andava de trem. 2ª ed. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004. p. 63-71.

CARDOSO, Francisco Genaro. História do futebol paranaense. Curitiba: Grafipar, 1978. p. 21, 116, 120, 222, 229, 235-6, 425.

MACHADO, Heriberto Ivan; CHRESTENZEN, Levi Mulford. Futebol do Paraná: 100 anos de história. Curitiba: ed. dos autores, 2005. p. 17, 51, 122, 279, 289, 295, 302, 308, 318, 711, 745-6, 772-3.

OLIVEIRA, Carlos Roberto de. O negro no futebol paranaense: o caso do Coritiba Foot Ball Club (1909 1942). Curitiba: Imprensa Oficial, 2005.

SANTOS, Newton Ernesto Pacheco dos. Palco das emoções: uma pequena enciclopédia dos estádios. Curitiba: ed. do autor, 2005. p. 17-9.