O BRASIL QUE SAI DAS URNAS

E OS DESAFIOS DO PSOL.

 Por: Jeorge Luiz Cardozo*

 Os resultados das eleições 2010 inauguram uma nova fase da disputa política no país, lançando novos e gigantescos desafios para a construção do PSOL e a luta pelo socialismo no Brasil. Neste novo quadro, enfrentaremos um governo apoiado por uma grande coalizão partidária, liderada pelo PT e o PMDB e presença de forças políticas da direita tradicional, com maioria no senado, na câmara dos deputados e nos governos estaduais. Coalizão esta, que tem aplicado políticas econômicas e sociais que reproduzem os interesse do grande capital e a ordem conservadora. E uma direita cada vez mais truculenta e conservadora, que se alimenta de preconceitos e falsos moralismos, capitaneada pelo PSDB e o DEM e com força em governos estaduais e municipais importantes que reúnem mais da metade do eleitorado nacional.

Além disso, as eleições foram disputadas num cenário de consolidação da hegemonia política burguesa em nosso país, para a qual o governo Lula, o PT e importantes organizações populares concorreram ativamente ao legitimarem políticas econômicas burguesas, discursos políticos e práticas conservadoras, e as ações coercitivas do estado de caráter antipopular. Destarte, ocorreram num cenário de muitas dificuldades para os movimentos sociais, de um processo, ainda inconcluso, do Conclat para uma necessária unidade do movimento sindical e popular combativo.  Além da fragmentação da Frente de Esquerda (com as candidaturas de Zé Maria, PSTU e Ivan Pinheiro, PCB).

A campanha presidencial do partido, encabeçada pelos companheiros Plínio Sampaio e Hamilton Assis foi um contraponto de esquerda e socialista às candidaturas do bloco dominante representada por Dilma (PT), Serra (PSDB) e Marina (PV). Plínio granjeou quase um milhão de votos e a legenda do PSOL para deputados federais um pouco mais, em um cenário em que o debate político de esquerda e socialista teve pouco espaço pela polarização conservadora entre os partidos da ordem (PT, PSDB e PV). O PSOL apresentou-se com um programa de esquerda de perspectiva socialista e conseguiu fortalecer-se como pólo de resistência à onda conservadora da política neoliberal. Congratulamos-nos, assim, com o companheiro Plínio de Arruda Sampaio pelo papel que cumpriu, para efetivamente melhor definir o perfil do PSOL diante dos trabalhadores e da sociedade brasileira, apesar das grandes dificuldades políticas e materiais. Destacamos também a participação do companheiro Hamilton Assis que, mesmo tendo sido indicado e assumindo o desafio da candidatura a vice-presidente quando os prazos legais já estavam se esgotando, cumpriu muito positivamente esta tarefa, seja levando as posições do PSOL no debate político mais geral, seja na reafirmação do papel histórico e da atualidade da Resistência, Indígena, Negra, Feminista e Popular.

Porém, esta vitória não significa que o PSOL esteja consolidado como alternativa partidária. Ainda enfrentamos muitos obstáculos a exemplo da baixa capilaridade social do partido, assim como a fragilidade de suas instâncias, mas avançamos na afirmação de um perfil mais partidário e melhoramos nossa imagem social, para o que a candidatura de Plínio/Hamilton foi fundamental.

Nisto e na ampliação de nossa bancada parlamentar, consiste nossa principal vitória neste processo eleitoral, contrastando claramente com o fraco desempenho dos demais partidos que compuseram a Frente de Esquerda conosco em 2006.

Assim, o PSOL conseguiu expandir sua expressão institucional com a eleição de dois senadores, três deputados federais e quatro estaduais. Por outro lado, apesar de não eleitos, devemos destacar os resultados eleitorais, a cargos majoritários e proporcionais, seja daqueles que tiveram uma votação relativamente melhor, seja também o papel de todas e todos que, mesmo com votações mais baixas, foram candidatos majoritários ou proporcionais e contribuíram em situações bem difíceis para levar as propostas do partido e construir a oposição programática de esquerda. A vitalidade do partido em um momento conjuntural extremamente adverso à nossa tática eleitoral, mostra que há um espaço a ser ocupado no espectro político brasileiro por uma alternativa de esquerda e socialista. No entanto, consideramos uma perda ao projeto de esquerda e socialista a não eleição de Heloísa Helena (AL) e não reeleição de Luciana Genro (RS) e Raul Marcelo (SP), assim como a não eleição de outros companheiros com bom potencial eleitoral.

O cenário pós-eleitoral não é fácil, e exigirá de nosso partido a maior unidade possível para que possamos continuar resistindo e avançando enquanto uma força política de esquerda em nível nacional.

No que pese esta correlação de forças extremamente desfavorável em relação ao governo e à oposição de direita, acreditamos que há um importante espaço para a construção de uma alternativa de esquerda neste próximo período. Isso porque o governo Dilma Rousseff não representará nenhuma mudança progressiva em relação ao que já conhecemos dos dois governos Lula, sendo o mais provável inclusive que este governo tenha uma margem de manobra menor do que o anterior. Nesta perspectiva a oposição de direita continuará enfrentando o mesmo dilema: ser oposição sem conseguir, ou poder, diferenciar-se no essencial da política do governo. De nossa parte, devemos reafirmar e dar ampla ação social e institucional à nossa política de oposição programática de esquerda ao novo governo.

Um dos fatores que irão pressionar para um desgaste mais rápido do novo governo, por exemplo, é a perspectiva de desaceleração da economia em função da continuidade da crise econômica internacional, agora transvertida de guerra cambial. O que, por sua vez, exigirá novos apertos fiscais, já anunciados pela equipe de transição, e que serão concretizados por meio de cortes dos gastos sociais (saúde, educação, reforma agrária, etc.), restrição de direitos previdenciários, arrocho salarial do funcionalismo federal, entre outras medidas. A maioria que o governo obteve no senado e no congresso servirá de base para a aprovação destas medidas, ao mesmo tempo em que buscará bloquear as iniciativas de agenda progressivas vinculadas aos movimentos sociais e já defendidas pelo nosso partido.

A crise social vivida no Rio de Janeiro desnuda, mais uma vez, as condições sociais de barbárie vividas nos principais centros urbanos do país. Uma crise que é tratada de maneira episódica pelos governos e instituições policiais, que “combatem” o foco aparente dos conflitos sem, no entanto, resolverem os problemas estruturais que os tornam recorrentes. Neste sentido, o que temos presenciado no Rio de Janeiro é uma demonstração cabal de incapacidade do capitalismo brasileiro em garantir condições dignas de vida a estas grandes massas urbanas, devido a sua dinâmica baseada na concentração de renda e na reprodução da desigualdade social. Os dados do Censo indicam, por exemplo, que nos últimos dez anos, o Brasil tornou-se um país ainda mais urbano, com 84% de sua população vivendo nas cidades, tendo a maior parte péssimas condições de moradia, saneamento básico, atendimento de saúde e educação. Tal dinâmica não será revertida pelo governo de Dilma Rousseff, tendo em vista os limites do atual modelo de desenvolvimento capitalista adotado no país: concentrador da renda, do poder político, econômico e financeiro, e insustentável do ponto de vista sócio-ambiental.

No contexto latino-americano, as contradições também continuarão se acumulando. No próximo período ganhará ainda mais força a necessidade de que os processos políticos mais progressivos de nosso continente avancem sob pena de sofrerem graves retrocessos. Este é o caso da “revolução bolivariana”, que hoje enfrenta as limitações impostas pela última disputa eleitoralem que Cháveznão obteve dois terços do Congresso para a aprovação das medidas mais polêmicas como a nacionalização das empresas e, por isso, deverá se apoiar na mobilização popular para que o processo interno não estacione. No Equador, em que a tentativa de desestabilização do governo de Rafael Corrêa através da mobilização dos policiais recolocou o fantasma dos golpes de Estado e a necessidade de avanço das medidas econômicas e políticas antineoliberais. Ou na Bolívia, em que o protagonismo dos movimentos indígenas tem crescido no debate sobre alternativas de desenvolvimento e defesa da mãe terra, sendo necessário que este processo se estenda por todo o continente. O sucesso destas experiências progressivas estará diretamente relacionado com a capacidade destes governos e movimentos sociais em continuar avançando na adoção de medidas que aprofundem a independência política e econômica destes países. Sendo, portanto um processo ao qual o PSOL deve se vincular de forma mais orgânica, buscando ter iniciativas políticas e ações que fortaleçam nosso partido enquanto parte deste processo de resistência latino-americana.

O PSOL enfrentará esta nova conjuntura com um acúmulo importante de experiência na luta social e parlamentar, tendo consolidado bandeiras que hoje são as marcas de nosso partido junto a importantes setores da população, a exemplo da luta contra a corrupção, incluindo a luta pela aprovação da Lei da Ficha Limpa (em que pese as contradições dessa lei, pois a mesma vem sendo utilizada também na criminalização dos movimentos e lutadores sociais, como ocorreu nas últimas eleições com a condenação a priori e injusta dos candidatos a vice-governadorem São Pauloe o pré-candidato a governador de Minas Gerais – que teve que retirar sua candidatura - e outros militantes sociais no Brasil); a CPI da dívida pública e a luta por sua auditoria, articulada com a defesa de recursos para as políticas públicas sociais; a defesa do código florestal contra a reforma orquestrada pelos latifundiários; a luta contra a Reforma da Previdência e outras reformas  trabalhistas que vem sendo articuladas pelo novo governo e a defesa dos aposentados pelo fim do fator previdenciário; a luta pelo máximo de 40 horas semanais de trabalho, sem redução do salário, que foi importante eixo de nossa campanha presidencial; a luta pela reforma política, especialmente quanto ao financiamento público de campanha; a luta por uma reforma tributária progressiva e a taxação das grandes fortunas; entre outras lutas que nos referenciaram enquanto um partido sério e dos mais atuantes. Fato reconhecido pela imprensa e jornalistas, que no prêmio Congresso em Foco elegeram os três deputados federais do PSOL entre os cinco melhores do Congresso Nacional. A esta pauta devemos incorporar com força a luta em defesa dos direitos humanos enquanto um tema central de nossa agenda, além da defesa de uma reforma política tendo como eixo o financiamento público das campanhas eleitorais.

Este acúmulo e este perfil que consolidamos até aqui, e que constituiu hoje a base fundamental para futuros avanços do PSOL, deve ser acrescido de uma dinâmica partidária que seja capaz de unificar e fortalecer a atuação do partido diante das questões fundamentais da luta de classe e da luta social e cultural em geral, no próximo período. Para isso, precisamos promover um rico debate no interior do partido visando politizar cada vez mais nossa intervenção na luta social e institucional, tornando o III Congresso do PSOL, que será realizado em setembro de 2011, um momento de acúmulo programático e fortalecimento orgânico de nossa militância partidária. Junto ao processo de organização do III Congresso, devemos iniciar, no começo do ano que vem, uma campanha política de massas baseada em alguns eixos prioritários. Esta deverá ser articulada com uma campanha nacional de filiação no partido, buscando acolher os novos militantes que simpatizaram conosco no processo eleitoral, assim como melhorar nosso padrão organizativo. Esta campanha será coordenada pela executiva nacional, com materiais unificados para todo o país, incluindo um plano de formação que inclua materiais e eventos partidários unificados. Vamos juntos, por um PSOL cada vez mais forte, socialista, democrático e unitário.

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*Jeorge Luiz Cardozo é professor mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II e Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador.