Crônica

O BRADO RETUMBANTE

                                                       Edevaldo Leal

                                  Só ontem, na final entre Brasil e Espanha, pude, afinal, concluir: o Brasil não é apenas o país do carnaval e do futebol. A seleção brasileira em campo no Maracanã, o Brasil do estádio lotado contrastava com outro Brasil em marcha no entorno . E não era para menos, a conclusão não poderia ser outra.

                                 Lá dentro, a emoção dos 3 x 0 contra a Espanha  explodiu  em gritos de “o campeão  voltou “,  “ Brasil, Brasil “  e a já repetida afirmação cantada de outras copas: “ sou brasileeeiro,  sou brasileeeiro “.

                                  Lá dentro, o Brasil que está em fuga de si mesmo, perseguido por inúmeros problemas econômicos e sociais encontra, ainda que por um fugaz momento,  refúgio para suas mazelas e uma ilusão: os pés que fizeram aqueles “ gols” são extensões mágicas de cada pé que descansa suas dores  nas arquibancadas do Maracanã. Ou, quem sabe, naquela ofensiva contra uma Espanha até então invencível e intocável em seu estilo de jogar, no ataque que a derrotou, não esteja simbolizada  a vingança contra o tigre dente – de – sabre que  assalta a todos nós nas feiras, nos supermercados, nas lojas de departamentos , avança em nossos salários,  ignora os salteadores dos   cofres públicos e não nos protege da falência da educação, da saúde e da segurança?

                                  Já logo se vê, se recomenda e se aceita: a alienação do futebol faz bem à alma angustiada.

                                  Reforma política, inflação, redução da tarifa de ônibus, passe livre para estudantes, a privatização dos estádios, os 33 bilhões para financiar a copa, os 4 ( quatro ) meses por ano que os brasileiros trabalham unicamente para sustentar os gastos públicos e o pesado imposto (retido na fonte) sobre os salários  são feridas rapidamente anestesiadas a cada gol. Por mais que se queira, não se pode esconder esta verdade: nos estádios de futebol, todos os sofrimentos desaparecem.

                                  Lá fora, o contraste: outra torcida, a dos que querem um Brasil melhor, um Brasil politizado sensível ao clamor  social, um Brasil sem o pesadelo da insegurança nas ruas, um Brasil em que  segurança pública, saúde e educação não sejam apenas mais uma garantia constitucional inalcançável.

                                   Lá fora, no entorno do Maracanã, manifestantes gritam contra a privatização do estádio, pela reabertura do parque aquático e contra a sujeição humilhante do Brasil que, agachado, recebe sem gemer as estocadas da Fifa: aceitou, passivo, que o hino nacional fosse cantado somente em 68 segundos em todos os jogos da copa e, ainda sob esse domínio, executou a ordem indesejável: destruiu a pista de atletismo do Maracanã. E, ainda nessa posição passiva, cedeu à outra exigência: ninguém se aproxima dos estádios sem ingresso. Quem ousar ultrapassar a barreira de segurança de 700 metros pode ser preso ou, até mesmo, morto.

                                  O grito dos torcedores dentro do Maracanã se mistura ao  brado retumbante de um povo heroico, que protesta lá fora.

                                  No primeiro gol, os manifestantes avançam. Balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo os empurram para trás. O barulho das bombas e os gritos de protesto se confundem com o grito da torcida em comemoração ao gol de Neymar e ao de Fred. Até aqui ninguém há de negar: no Brasil submisso, reina a Fifa varonil.

                                                         1 de julho de 2013