O ATIVISMO JUDICIAL NA SÚMULA 719 DO STF

A tenuidade entre a motivação idônea e a “discricionariedade” do juiz de Direito.[1] 

    Flávia Laysa Araújo Léda[2]

                                                                                  Thaisa Teresa Bitencourt Rocha[3]                                                                                                        

Súmario: Introdução; 1. O Ativismo Judicial; 2. A súmula 719 do STF e o ativismo judicial; 3. A tenuidade entre a motivação idônea e a “discrcionaridade” do juiz de Direito; 4. Conclusão; Referência.

RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de analisar o ativismo judicial em face da súmula 719 do STF, mas para isso analisaremos primeiramente o que seria o ativismo judicial no sentido amplo, para em seguida verificarmos como esse ativismo reflete no nosso ordenamento jurídico. E, por conseguinte, analisaremos o uso do termo “motivação idônea” utilizada pelo legislador na súmula penal de numero 719 do STF de modo a demonstrar a divergência entre a decisão legítima e a decisão ativista assim como, afirmar a necessidade de cautela e limites na edição de normas.

PALAVRAS-CHAVE: Súmula 719 do STF. Ativismo Judicial. Motivação idônea

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar uma prática que atualmente esta se tornando freqüente no judiciário brasileiro que é o ativismo judicial, que seria o exercício exacerbado da função jurisdicional em detrimento das funções legislativas, administrativas e, por vezes, governamental.

 Deste modo, analisaremos a súmula 719 do Superior Tribunal Federal a fim de demonstrar os possíveis efeitos que o termo “motivação idônea” utilizado pelo legislador, poderá causar no ordenamento jurisdicional devido à interpretação singular que cada juiz de Direito poderá adquirir. Por conseguinte, verificaremos como o ativismo judicial se apresenta nos casos concretos, ressaltando como essa
‘subjetividade’ do juiz pode interferir na aplicação dos princípios constitucionais basilares da Constituição Federal.

1 O ATIVISMO JUDICIAL

Nos últimos anos, o Poder Judiciário tem exercido uma postura cada vez mais ativa ao tentar efetivar os preceitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, essa interferência do Judiciário brasileiro, especialmente do STF, tem sido alvo de grandes discussões, gerando tanto aplausos quanto criticas.

Esse fenômeno ficou conhecido como ativismo judicial, na medida em que o Poder Judiciário intervém nas competências que são precipuamente das funções legislativas, administrativas, e por vezes governamental. Ou seja, o Poder Judiciário que antes tinha apenas a função de controlar a constitucionalidade, agora ele “passa a ter” uma posição ativa para fazer cumprir materialmente o que fora preceituado na Constituição Federal.[5]

É analisando essa atuação do Judiciário brasileiro que os que aplaudem essa conduta afirmam que essa posição proativa do STF é fundamental para assegurar o Estado Democrático de Direito, na medida em que este irá suprir o déficit dos demais poderes, um dos que tendem a apoiar o ativismo é o doutrinador Luís Roberto Barroso, que afirma que

O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso.[6]

Em contrapartida, os que criticam a atuação ativa do Poder Judiciário afirmam que essa conduta é uma afronta a democracia e ao princípio da tripartição dos poderes, justamente pelo fato dos juízes e tribunais irem além do que fora previsto, ultrapassando limites constitucionais. É por isso, que Lênio Streck um dos críticos desse ativismo judicial ressalta que essas decisões muitas vezes acabam sendo discricionária, subjetivas, singular de cada juiz, destacando que

os juízes (e a doutrina também é culpada), que agora deveriam aplicar a Constituição e fazer filtragem das leis ruins, quer dizer, aquelas inconstitucionais, passaram a achar que sabiam mais do que o constituinte. Saímos, assim, de uma estagnação para um ativismo, entendido como a substituição do Direito por juízos subjetivos do julgador. Além disso, caímos em uma espécie de pan-principiologismo, isto é, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um princípio.[7]

É diante desse panorama, que devemos ressaltar que quando o judiciário interferir nas competências que primeiramente são do legislativo e do executivo é imprescindível que o Poder Judiciário o faça com cautela, para que os direitos que deveriam ser tutelados não acabem sendo distorcidos ou até mesmo usurpados.

2  A SÚMULA 719 DO STF E O ATIVISMO JUDICIAL

 

A Súmula 719 editada Supremo Tribunal Federal refere-se à matéria penal e processual penal, possuindo a seguinte redação: “A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea”.

É analisando o texto desta súmula que podemos perceber que o STF foi relapso ao não conseguir assegurar de modo claro quando será possível impor uma pena mais severa, abrindo precedentes para que os magistrados ao aplicá-la se utilizem de elementos subjetivos e particulares, contrariando direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição Federal.

Portanto, a súmula penal em análise incorre inevitavelmente na postura ativista negativa do magistrado sobrevinda da vagueza e ambigüidade da letra utilizada pelo legislador o que demonstra a fundamental importância do respeito e observância ao Manual de Redação da Presidência da República que declara:  

A concisão é antes uma qualidade do que uma característica do texto oficial. Conciso é o texto que consegue transmitir um máximo de informações com um mínimo de palavras. Para que se redija com essa qualidade, é fundamental que se tenha, além de conhecimento do assunto sobre o qual se escreve, o necessário tempo para revisar o texto depois de pronto (...) [8]

            Não obstante, para que esta concisão redija o texto com qualidade deve estar aliada essencialmente a clareza, pois “a clareza deve ser a qualidade básica de todo texto oficial, conforme já sublinhado na introdução deste capítulo. Pode-se definir como claro aquele texto que possibilita imediata compreensão pelo leitor.” [9]

 

3 A TENUIDADE ENTRE A MOTIVAÇÃO IDÔNEA E A “DISCRICIONARIEDADE” DO JUIZ DE DIREITO

 

 Como analisamos, o teor da súmula 719 do Supremo Tribunal Federal trata da exigibilidade da ‘motivação idônea’ do juiz de Direito ao impor regime que haja cumprimento mais rigoroso, ou seja, nos casos em a pena a ser decretada seja superior a previsão ordinária do Código Penal vigente. Dessa forma, ao editar a referida súmula o STF proclamou a seguinte indexação: “EXIGIBILIDADE, MOTIVAÇÃO IDÔNEA, JUIZ, IMPOSIÇÃO, REGIME, CUMPRIMENTO MAIS RIGOROSO, INOBSERVÂNCIA, PENA IMPOSTA.” [10]

Assim sendo, observamos ser de extrema relevância uma análise acerca do que exatamente foi vislumbrado pela Corte Suprema ao demandar à conduta do juiz uma motivação idônea. Precipuamente, vale ressaltar o que observa eficazmente o doutrinador e hermeneuta Lênio Streck:

Enunciados escondem o aparecer da singularidade dos casos. Quanto mais genérico for o enunciado, portanto, maiores serão as dificuldades de manter o vínculo da súmula com os casos anteriores, o que condiciona sua correta interpretação. Como a formação de significados de significantes depende de uma série de circunstâncias, a expressão adequada dos fundamentos dos precedentes no enunciado das súmulas pode ajudar ou não esse processo.[11]

            Portanto, o enunciado da súmula em questão se demonstra abruptamente amplo, uma vez que o termo ‘motivação idônea’ utilizado não incide, nem tão pouco define os preceitos e premissas fundamentais a serem respeitadas neste julgamento que resultará em cumprimento de regime mais rigoroso. Falta grave, tendo em vista os riscos em que está posta a liberdade, a individualização da pena, e, por conseguinte, a presunção de inocência que são princípios, devendo ser considerados como declara Celso Antonio Bandeira de Mello “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico...” [12]

            Em contrapartida, há em decorrência do devido processo legal o princípio do livre convencimento do juiz, o qual prevê “o juiz livre para decidir a lide conforme sua convicção, devendo-se vincular somente à lei e as provas colacionadas aos autos durante a instrução processual.” [13] Nesse contexto se faz oportuna a coerente e afortunada análise da renomada autora Ada Pelegrini Grinover:

Tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. (...) O juiz não é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quod non est in actis non est in mundo), mas a sua apreciação não depende de critérios legais determinados a priori. O juiz só decide com base nos elementos existentes no processo, mas o avalia segundo critérios críticos e racionais.[14]

Destarte, como característico da atividade jurisdicional o magistrado ao emitir a sua decisão deve fundamentá-la, e com base no principio do livre convencimento motivado, a sentença decisória nesse sentido, nada mais será do que a emissão de um juízo racional advindo de um ser humano, sendo este uma constituição complexa de convicções críticas, históricas e inegavelmente pessoais.

Portanto, é evidente, que ao se tratar do sistema processual penal e os princípios sensíveis os quais estão em questão, há de ser requerida uma maior cautela no que diz respeito à edição e promulgação de regramentos legais, tendo em vista a inexatidão da ciência do Direito e a subjetividade as quais podem emergir a partir de previsões extremamente amplas, inexatas, vagas e ambíguas podendo resultar em inconstitucionalidades irreversíveis.

4 CONCLUSÃO

 

            Na análise da súmula penal n. 719 do Superior Tribunal Federal verificamos o conseqüente ativismo judicial negativo que fatalmente incorrerá o Juiz de Direito ao julgar matéria com repercussão no processo penal. Evidenciamos ainda, a tenuidade entre uma sentença decisória legítima (pouco provável de se ocorrer, no caso) e uma com base na conduta ativista advindas de uma mesma promulgação da Suprema Corte.  

            Vislumbramos inúmeras prováveis inconstitucionalidades que esta arbitrariedade sucedida da súmula em questão virá a ocasionar.

            Concluímos que deve haver limites rigorosos na edição de normas, pois estes limites serão essenciais para determinar uma legítima judicialização a qual não resulte em extrapolação das funções judiciária, legislativas, administrativas e até mesmo, por vezes governamentais.

            Destarte, em prol de um Estado Democrático de Direito, da efetiva aplicação dos princípios processuais e constitucionais, da tutela jurisdicional, do devido processo legal que alcance uma ordem jurídica justa é imprescindível cautela e a máxima observância nas emanações normativas do Superior Tribunal vigente as quais intervirão diretamente em todo o ordenamento jurídico brasileiro.

REFERÊNCIA

BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf>. Acesso em: 29 de outubro de 2011.

 

CARVALHO, Isabella Rodrigues Rocha de. A súmula vinculante em face ao princípio do livre convencimento do juiz. Disponível em < http://www.lfg.com.br.> Acesso em 01 nov. 2011.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17ª ed. Ver. Atual, Malheiros Editores. São Paulo, 2001.

MANUAL DE REDAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/manual/manual.htm> Acesso em: 01 novembro de 2011.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed. RT, São Paulo, 2002.

PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA: SÚMULAS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=719.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas>  Acesso em:  01 novembro de 2011.

 

STRECK, Lênio Luiz. Entrevista ao Conjur: Lênio Streck fala sobre o STF. Disponível em: < http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=87&Itemid=2>. Acesso em: 28 de outubro de 2011.

STRECK, Lênio Luiz. Súmulas, Vaguezas e Ambiguidades: Necessitamos de uma “Teoria Geral dos Precedentes”? Direitos Fundamentais e Justiça,  nº 5, 2008.

TASSINARI, Clarissa. Revisitando o problema do ativismo judicial: Contributos da experiência norte-americana. Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima4-Seleta%20Externa/anima4-Clarissa-Tassinari.pdf>. Acesso em: 28 de outubro de 2011.


[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Processual Penal I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

[2] Aluna de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: [email protected]

[3] Aluna de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco: [email protected]

[4] Professor Mestre, orientador.

[5] TASSINARI, Clarissa. Revisitando o problema do ativismo judicial: Contributos da experiência norte-americana. Disponível em: <http://www.anima-opet.com.br/pdf/anima4-Seleta%20Externa/anima4-Clarissa-Tassinari.pdf>. Acesso em: 28 de outubro de 2011.

[6] BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20090130-01.pdf>. Acesso em: 29 de outubro de 2011.

[7] STRECK, Lênio. Entrevista ao Conjur: Lênio Streck fala sobre o STF. Disponível em: < http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=87&Itemid=2>. Acesso em: 28 de outubro de 2011.

[8] MANUAL DE REDAÇÃO DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/manual/manual.htm> Acesso em: 01 novembro 2011.

[9] Ibid.

[10]PESQUISA DE JURISPRUDÊNCIA: SÚMULAS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=719.NUME. NAO S.FLSV.&base=baseSumulas> . Acesso em: 01 novembro 2011.

[11]STRECK, Lenio Luiz. Súmulas, Vaguezas e Ambiguidades: Necessitamos de uma “Teoria Geral dos Precedentes”? Direitos Fundamentais e Justiça,  nº 5, 2008.

[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de Direito Administrativo. Ed. RT, São Paulo, 2002, p. 807.

[13] CARVALHO, Isabella Rodrigues Rocha de. A súmula vinculante em face ao princípio do livre convencimento do juiz. Disponível em: < http://www.lfg.com.br.> Acesso em: 01 novembro de 2011.

[14]CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17ª ed. Ver. Atual, Malheiros Editores. São Paulo, 2001. p.67- 68.