O ATIVISMO JUDICIAL EM MATÉRIA PENAL A LUZ DO PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO RÉU NAS DECISÕES E SÚMULAS DO STF: MAZELA JURÍDICA OU RESPOSTA AO LEGISLATIVO PERANTE ANSEIOS SOCIAIS?

 

Chiara Carolline Aurelio Gomes**

Fábio Ferro Fontes

 

Sumário: Introdução; 1 Princípio da prevalência do interesse do réu, e demais princípios constitucionais interligados como o princípio da pressunção de inocência; 2 Ativismo judicial nas decisões e súmulas do STF; Conclusão;  Referências.

 

Introdução

Ao deixar um pouco de lado o tecnismo puro, abriu-se espaço para uma postura mais proativa do magistrado, focando-se na interpretação da lei e relativizando, de certa forma, a inércia jurisdicional, já que o magistrado deixa de ser neutro e passa a atuar de acordo com os anseios da sociedade, tendo como escopo os princípios e garantias constitucionais. Em suma, o ativismo judicial retrata uma intromissão do Judiciário na função legislativa quando o juiz “cria” uma nova norma, usurpando a tarefa do legislador, em análise, desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal.

No que tange às críticas sobre a validade e legitimadade para a execução de tal função ativa/pró ativa, argumenta-se que tal agir extrapolaria a função constitucional e institucional do judiciário posto que tal possuiria ao não legitimidade para atuar em muitas áreas e atividades que vem atuando, desvirtuando, de certo modo, sua função puramente de tribunal constitucional.

Porém, os críticos do ativismo jurídico não percebem que não há mais espaços para interpretações puramente positivistas, retiradas dos mandamentos constitucionais, principalmente no âmbito penal, notadamente nas de cunho processual penal, já que “os fundamentos do Direito Processual Penal são, simultaneamente, os alicerces constitucionais do Estado; a concreta regulamentação de singulares problemas processuais é conformada jurídico-constitucionalmente”.[1]

Com isso, é válido afirmar que o Supremo Tribunal Federal vem, em suas recentes decisões em questões de cunho processual penal, desempenhando sua função de guardião da Lei Maior de maneira diretamente interligada e compromissada com os direitos e garantias dos cidadãos, assegurando o respeito e cumprimento do princípio da dignidade humana, não extrapolando suas condutas, e sim aplicando no caso concreto os direitos assegurados pela Carta Magna que, por hora, são desprezados.

Via de regra, há quem diga que o ativismo judicial fere a tri-partição dos poderes, pois como sabemos, o papel legiferante é exclusivo ao Legislativo, e em casos excepcionais, ao Executivo. Entretanto, nunca ao Judiciário. No entendimento do Doutor em Direito Penal Luiz Flávio Gomes o populismo é outro risco que se corre ao ativismo jurídico do STF, já que o princípio da legalidade é afastado em nome de uma decisão mais “justa”.

Podemos também chamar o ativismo judicial, como outros doutrinadores já alertaram, de oligarquia da toga, visto que o judiciário e em especial a nossa Suprema Corte, tem o papel de afirmar ou rejeitar o que seria o direito. E essa função não sofre nenhum controle externo.

Outro ponto interessante a se observar é uma classificação doutrinária em relação ao ativismo judicial. Ainda nas lições de do renomado professor Doutor Luiz Flávio Gomes, há dois tipos de ativismo judicial, inovador é o ativismo judicial que cria uma norma, que cria um direito. Revelador é o ativismo que reconhece um direito em uma norma obscura ou em um princípio jurídico.

Pois bem, aqui trataremos acerca do ativismo judicial revelador, visto que é o que apenas reconhece o direito, no caso, o do réu, em face do princípio da prevalência do interesse do réu. Para que isto ocorra é necessária uma breve explanação sobre o que vem a ser o principio da prevalência do interesse do réu.

É um principio constitucional implícito no processo penal, nas lições de Nucci, é um princípio que concerne intrinsecamente ao indivíduo, e está intimamente ligado com o princípio da presunção de inocência, visto que todos os indivíduos nascem livres e presumisse a inocência destes. O principio da prevalência do interesse do réu, consiste no “in dúbio pro reo”. Toda vez que o Estado-Juiz encontrar-se em situação que há dúvida razoável deverá decidir em favor do acusado.

 

  1. 1.                  Princípio da prevalência do interesse do réu, e demais princípios constitucionais interligados como o princípio da presunção de inocência.

 

1.1.Conceito geral

Antes de direcionarmos o foco para princípios propriamente ditos, faz-se necessário uma abordagem ampla sobre o que vem a ser principio, pois muito se fala de princípios, entretanto o conceito não é amplamente difundido. Nas palavras do professor Guilherme de Souza Nucci: “princípio jurídico quer dizer um postulado que se irradia por todo o sistema de normas, fornecendo um padrão de interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo, estabelecendo uma meta a seguir.”[2] [grifo nosso]. Destacamos a parte que define um princípio como uma meta pelo fato do caráter dúplice dos princípios, pois estes são tanto meios para alcançar determinado escopo jurídico, como fim, escopo jurídico propriamente dito.

Quando normas entram em conflito, temos a antinomia, que é resolvida com a prevalência de uma norma perante outra, que pode ser usado como critério a especialidade da norma, a revogação de uma norma perante outra. Quando princípios entram em conflito, a resolução passa a ser diferente, pois não podemos excluir um princípio do ordenamento jurídico, o que ocorre é que os conflitos se ponderam. Esta ponderação faz com que um princípio seja mais levado em consideração em detrimento de outro.

 

1.2.Princípio da prevalência do interesse do réu / princípio da presunção de inocência

Ambos os princípios deste tópico estão intimamente interligados, além de ambos serem princípios constitucionais concernentes ao indivíduo, há intrínseca relação entre estes.

Novamente, utilizando-se das palavras do professor Guilherme Nucci, este aduz:

“quando cuidados do princípio da presunção de inocência, não podemos olvidar o principio da prevalência do interesse do réu, que com o primeiro se interliga, afinal, justamente porque o estado natural do individuo é de inocência que o seu interesse está acima da dúvida; logo, in dúbio pro reo, ou seja, na dúvida, é melhor decidir em favor do acusado.”

Apesar da interligação entre os princípios um está expressamente previsto na Constituição Federal – princípio da presunção de inocência – e o outro – princípio da prevalência do interesse do réu – podemos deduzir a partir dos escopos constitucionais.

O conceito do princípio da presunção de inocência consiste que todas as pessoas são inocentes até que se provem o contrário, e que o ônus das provas hão de ser do Estado-acusação, visto que a defesa está desincumbida de provar sua inocência. O conceito do princípio da prevalência do interesse do réu consiste em âmbito material, se houver dúvida razoável do cometimento do delito, ou da autoria do delito deverá ser decidido em favor do réu, inocência do acusado. E em âmbito processual, este principio consiste na interpretação dos dispositivos penais e constitucionais em favor do acusado quando há duvida em relação ao alcance e sentido de determinada norma. Este último é o que nos interessa, pois trataremos a seguir das súmulas do STF que por ventura venham a beneficiar o réu em virtude desse princípio e o ativismo relevador.

2  O ativismo judicial nas decisões e súmulas do stf

 

O termo “ativismo judicial” foi mencionado pela primeira vez em 1947 pelo jornalista americano Arthur Schlesinger, em uma reportagem que versava sobre a Suprema Corte dos EUA. Para ele, ativismo judicial é quando o juiz sente-se no dever de interpretar a Carta Magna com escopo de garantir direitos. Contudo, é válido afirmar que o conceito de ativismo judicial vai muito além disso, não coincidindo exatamente com o que fora mencionado, pois se a Constituição prevê determinado direito e ao ser interpretada passa a ter sentido de que esse direito seja garantido, não é considerado ativismo judicial e sim judicialização que decorre do nosso modelo de Estado de Direito do qual expressa que o acesso ao judiciário deve ser contra qualquer tipo de lesão ou ameaça de direito. Já o ativismo judicial retrata uma intromissão do judiciário na função legislativa, isto é, quando o juiz faz uma nova norma, não contemplada nem na lei, nem na Carta Maior e nem em tratados, usurpando a atividade legal do legislador.

Neste sentido, é preciso distinguir as duas formas de ativismo judicial, quais são: a) ativismo judicial inovador, no qual há a criação de uma norma ou direito pelo juiz; b) ativismo judicial revelador, que está sendo abordado neste artigo, onde a criação de norma pelo juiz é baseada a partir de valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa. Nesta última hipótese, o juiz inova o ordenamento jurídico, mas sem a intenção de criar nova norma e sim complementar o entendimento de um princípio, de uma regra lacunosa ou de algum valor constitucional.

A partir desse pressuposto, versaremos como exemplo sobre a súmula nº 716 editada pelo Supremo Tribunal Federal na sessão plenária do dia 24 de setembro de 2003, publicada DJ de 9/10/2003, p. 6; DJ de 10/10/2003, p. 7; DJ de 13/10/2003, p. 6., concedida a partir do ativismo judicial revelador e baseada no princípio da prevalência do interesse do réu, que tem o seguinte conteúdo: “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”
O STF “admite a concessão de certo benefício de execução penal, qual seja, a progressão de regime de cumprimento de pena menos severo, ao preso (provisoriamente), independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.” [3]
Podemos analisar a súmula supracitada e perceber que esta edição veio com a finalidade de beneficiar o réu – apesar de tratar sobre prisão provisória – através do ativismo, já supracitado, denominado revelador.
Podemos ainda extrair do caso, pois não é uma questão pacífica, que há duvidas em relação ao cumprimento da pena antes do transito em julgado, se há dúvidas, os ministros do STF deveriam julgar fundados no princípio da prevalência do interesse do réu, pois como vimos; havendo dúvida na aplicação de determinada norma, deveria o julgador decidir em favor do acusado.

CONCLUSÃO

 

Ante o exposto, concluímos que o ativismo judicial não é mazela político-juridico-social, pois apesar de muitas vezes nem percebermos, utilizamo-nos do ativismo para o simples fato de transpor uma regra lacunosa, um simples exercício hermenêutico utiliza-se do ativismo para fundamentar e sedimentar  o mais correto e justo entendimento jurídico.

Sem o ativismo jurídico estaríamos de volta à época do código de Napoleão, no qual, o Estado-Juiz seria somente a “boca da lei”, e como sabemos, através de séculos de evolução jurídica isso não é possível, pois a jurisprudência – em seu entendimento antigo, como ciência do direito – não é uma ciência denominada natural, e quiçá baseada em axiomas matemáticos. Por mais que a lei seja clara, sempre requererá exercício hermenêutico do magistrado.

Os princípios constitucionais, explícitos ou não na Constituição Federal são o escopo jurídico a serem alcançadas através do exercício hermenêutico, que por sua vez utiliza-se do ativismo judicial revelador para que ocorra os objetivos de justiça supracitados.

REFERÊNCIAS

 

MACHADO, Leonardo Marcondes.  O STF e a execução provisória da pena. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/25209

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª Ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2008.

REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª Ed.São Paulo. Saraiva, 2002

GOMES, Luiz Flávio. Jornal Carta Forense. O STF está assumindo um "ativismo judicial" sem precedentes? 2009



** Acadêmicos do 6° período de Direito no turno vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[1] FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Coimbra editora: Coimbra. 1974 (reimpressão,

2004).  p. 74. 

[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª Ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2008.

[3] MACHADO, Leonardo Marcondes.  O STF e a execução provisória da pena. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/25209