No inicio da minha carreira como promotor de justiça, na primeira comarca onde trabalhei recebi dois inquéritos policiais relatando crimes que não acontecem todos os dias. Em um deles o acusado era o marido e a vítima a esposa. O crime foi classificado pelo delegado como homicídio tentado. O acusado saiu de casa bem cedo em um dia de feriado. Foi para o local que mais frequentava nas horas vagas: O Barbosa. Bebeu umas doses de caninha, uma jurubeba leão do norte, um conhaque e um fernet. Comeu um pedaço de frango, uma linguiça, um torresmo e não foi em casa para almoçar. Lá pelas 19h00min o marido volta para o aconchego de seu lar. A esposa tinha preparado a janta e estava vendo a novela. O marido chega bêbado igual a uma porca de leitão. Não precisa nem dizer que o sujeito estava enjoado. A mulher já fai logo avisando que a janta estava no fogão e que era para o marido tomar um banho e ir dormir. Entretanto, as pretensões do marido eram outras. Meu bem! Eu não quero saber de janta nenhuma. Também não vou tomar banho agora. O que eu quero mesmo é uma rala e rola, entendeu? A esposa se altera e diz: Nem pensar. Você esta caindo de bêbado e hoje você não me encosta um dedo. Mulher! Sou o seu marido e tenho os meus direitos. Acho que você deve ter um amante para me refugar desse jeito. Nervosa a mulher retruca e diz que era melhor arranjar outro mesmo, pois tinha casado com um irresponsável que passava o dia todo bebendo pelas ruas. O pior é que o marido bêbado estava armado e sacou o revolver. A mulher estava sentada no sofá e não tinha como reagir. O homem bêbado aponta a arma em direção a genitália da esposa e fala: Se eu não posso usar esse negócio ai, também não quero que outro use, efetuando um disparo certeiro na vagina da mulher. Dou uma olhada no laudo e vejo que por mais susto que tenha levado a mulher, as lesões corporais foram leves. O projetil entrou do lado dos grandes lábios e se alojou no glúteo. Descartei a hipótese de denuncia-lo por tentativa de homicídio por que ele poderia ter efetuado outros disparos, mais assim não o fez. Também não me convenci de que ele quisesse matar a mulher, mas talvez inutilizar o seu órgão genital. Lesão leve? É pouco. Peço exame médico complementar para saber se a lesão deixou a mulher incapaz para as atividades habituais por mais de trinta dias. Se positivo, o crime seria de lesão corporal grave? As atividades habituais de que fala a lei são somente aquelas ligadas ao trabalho? No outro inquérito um homem havia feito uma cirurgia na região do pênis e um dos seus testículos tinha secado e o outro estava na iminência de secar também. O homem registrou queixa contra o cirurgião alegando erro médico. Atribuía ao seu doutor a culpa pela perda irreparável. Eu fiquei pensando. É! Se aquela mulher ficar com defeito na periquita, seria uma boa ela casar com esta vítima que esta com o pintinho morrendo. Vida que segue.