O assalto que não aconteceu
Publicado em 17 de agosto de 2010 por Ângelo de souza
Ser assaltado, correr risco de vida, ser alvejado, quase morrer, são situações perigosas que todos estamos sujeitos a qualquer momento. O que diferencia uma situação de outra é o inusitado. E o inusitado aconteceu: um momento de risco de vida, constrastou-se com o engraçado, com cômico, o irônico.
Era maio em Porto Alegre, noites escuras e frias. Estávamos terminando a construção da casa. Eu trabalhava em dois empregos, durante o dia no comércio local e outro a noite, na maravilhosa escala 12×24 que os sindicatos "conseguiram" acabar, em uma instituição hospitalar. Algumas noites, não havia necessidade de "virar" a noite, então trabalhávamos até a meia-noite. E foi em uma destas noites encurtadas que comecei a fazer parte da estatística da polícia.
Eu tinha 22 anos, colorado e era comunista, acreditava na J. Cony. "È, essa mesma, que ganha "uma grana" naquele grupo hospitalar federal". Ainda lembro do seu discurso: ".. não tem cabimento órgãos públicos pagarem altos salários para quem não faz nada em prol dos cidadãos ?". Viva a mudança ! Ridículo. Mas isso é "estelionato" e não assalto, fica para uma outra oportunidade.
Havíamos mudado a poucos meses e a chegada em casa durante a madrugada e era um pouco preocupante. Até o momento nunca acontecera qualquer problema. Pelo contrário, reinava a mais perfeita calma. Naquela terça-feira não era diferente. Olhei a escala e lá estava minha metade-noite de folga. Acenei aos que ficavam e fui em direção ao ponto de ônibus.
?
Desci do humilhante (ônibus coletivo) e comecei a caminhar rapidamente como sempre fazia. Geralmente eu caminhava pelo meio da rua com passos largos e olhar fixo para frente. Meu pai dizia que o andar rápido e em linha reta "dá coragem" e intimida quem olha.
No meio da quadra pude observar que alguém me seguiu com o corpo. Fiz que não vi e continuei caminhando.
De repente:
? Espera aí "ligeirinho" quero falá contigo! E isso é hora de bater papo. PQP vou ser assaltado, pensei. Vou me fazer de louco. Continuei andando.
- De boa, tô aparelhado. Se tu não pará, eu te paro ! Bem, pode ser solidão. Vai ver o cara está perdido atrás do poste. Não, não eu sei o que vai acontecer. Parei. Me senti como boi de matadouro.
Tira a "jaca e deixa uma grana no bolso dela".
Meu Deus, eu sabia. Não vou dar assunto, sem intimidades. Dei um passo para trás e comecei a retirar a minha jaqueta. Aconteceu muito rápido. Eu quase não ouvi os disparos. Foram três. Meu Deus, estou morto! Não pode ser, eu estou em pé, cadê o cara ? Sumiu correndo.
Eu tô legal, vou me mandar também. Comecei a caminhar desesperado. Já sei estou sonhando. Estranho, o lado direito está mais pesado! Passei a mão pelo corpo, PQP, tô ferido! Parei. Comecei a suar. É melhor pedir socorro.
É. É bom não fazer esforço, pode dar derrame interno (acho que vi isso na tevê ou li em algum lugar). Cadê o celular ? (Puts, ainda não existia. Só o pessoal da "Enterprise" têm os StaTtac, lembram?)
Socorro ? Socorro ? Eu fui assaltado! Na realidade nem tinha sido assaltado, o maluco saiu correndo.
Moro logo aqui "em cima". Nada!
No prédio em frente, nem as luzes ascenderam. Nas casas, somente os cães (os verdadeiros!) queriam me ajudar ! Voltei a andar ? Uma quadra e meia e eu estaria em casa. Vamos lá. Cheguei. Apertei a campanhia.
"A porta da garagem está aberta, só precisa empurrar"
Maria levei um tiro. Liga "pros" velhos para me levarem ao pronto-socorro. (Eco-Salva? Nem pensar, ainda não existia e parece que continua não existindo. Ah, mas a SAMU já existia, era da brigada. Acharam que era do PT? Não é não! Falando sério, a única "invenção" do PT, é o Lula ! Mas isto é assunto para outro "assalto".
Meu Deus, tu está bem? Tá doendo ? Tá sangrando? Meu Deus, o telefone tá sem linha !
Aperta o gancho. Tá tudo bem, ao menos parece. Não está doendo, não. (Tudo balela as cenas do John Wayne e companhia!)
Agora deu! Ela disse que teu pai tá se sentindo mal. Ela vem dirigindo. Vou pegar os documentos?
? Em dez minutos Mamãe chegou. Adeus portão. A cena era indescretível. Mamãe, sem dentes, toda escabelada (mas como é uma emergência, vou poupar o sarcasmo).
Vamos lá, tu tá bem? Teu pai ficou.
Mãe tu tá sem óculos e tu não tem carteira (habilitação)! Tá louco, eu não vou com ela.
Bobagem, tu sabe que eu sei dirigir. Nao cheguei até aqui ! Deixa de frescura!
Não mãe, chama o seu Joca aí do lado. Por favor !!!
Nem em situação de risco de vida, tu deixa de ser chato. Tá bem. "Seu Joca, seu Joca!"
Mãe é melhor ir lá no portão dele.
Eu sei, eu sei.
...
Seu Joca nos socorreu prontamente, e em menos de meia-hora eu estava entrando no Pronto-Socorro. Claro, antes a caminhoneta variant dele não pegou: desce todo mundo, desentala o para-choque do fusca (como ela conseguiu fazer isso? Ficou preso entre a coluna e o portão). No caminho, começaram umas "fisgadas" cada vez mais fortes até eu perder os sentidos. Consta nos "autos" que a cena dentro do fusca foi "algo" ? Mas também, mãe é mãe !!!
Pelo que me contaram, mais tarde, após descobrir que eu não havia "sido atacado por um bando e levado cinco tiros", (Mamãe!!!) meu pai chegou. Eu somente fui vê-lo três dias depois. Aconteceu o "derrame interno".
Doze dias depois fui para casa. O projetil, ficou comigo, alojado atrás dos rins. Por não ser uma cirurgia de urgência, o INPS não cobria a retirada. Passaram-se os anos e eu resolvi ficar com ele.
?
Ainda moro na mesma casa. Nunca vi quem atirou nas redondezas. E o mais interessante: "jamais ouvimos qualquer comentário sobre aqueles tiros!" É como um sonho. Ninguém ouviu meus gritos, os tiros, ?
Minha mãe sempre que pode fala bem alto e bem claro: "meu filho quase foi morto a tiros aqui nessa rua e ninguém, sequer, acendou uma luz".
(?)
Era maio em Porto Alegre, noites escuras e frias. Estávamos terminando a construção da casa. Eu trabalhava em dois empregos, durante o dia no comércio local e outro a noite, na maravilhosa escala 12×24 que os sindicatos "conseguiram" acabar, em uma instituição hospitalar. Algumas noites, não havia necessidade de "virar" a noite, então trabalhávamos até a meia-noite. E foi em uma destas noites encurtadas que comecei a fazer parte da estatística da polícia.
Eu tinha 22 anos, colorado e era comunista, acreditava na J. Cony. "È, essa mesma, que ganha "uma grana" naquele grupo hospitalar federal". Ainda lembro do seu discurso: ".. não tem cabimento órgãos públicos pagarem altos salários para quem não faz nada em prol dos cidadãos ?". Viva a mudança ! Ridículo. Mas isso é "estelionato" e não assalto, fica para uma outra oportunidade.
Havíamos mudado a poucos meses e a chegada em casa durante a madrugada e era um pouco preocupante. Até o momento nunca acontecera qualquer problema. Pelo contrário, reinava a mais perfeita calma. Naquela terça-feira não era diferente. Olhei a escala e lá estava minha metade-noite de folga. Acenei aos que ficavam e fui em direção ao ponto de ônibus.
?
Desci do humilhante (ônibus coletivo) e comecei a caminhar rapidamente como sempre fazia. Geralmente eu caminhava pelo meio da rua com passos largos e olhar fixo para frente. Meu pai dizia que o andar rápido e em linha reta "dá coragem" e intimida quem olha.
No meio da quadra pude observar que alguém me seguiu com o corpo. Fiz que não vi e continuei caminhando.
De repente:
? Espera aí "ligeirinho" quero falá contigo! E isso é hora de bater papo. PQP vou ser assaltado, pensei. Vou me fazer de louco. Continuei andando.
- De boa, tô aparelhado. Se tu não pará, eu te paro ! Bem, pode ser solidão. Vai ver o cara está perdido atrás do poste. Não, não eu sei o que vai acontecer. Parei. Me senti como boi de matadouro.
Tira a "jaca e deixa uma grana no bolso dela".
Meu Deus, eu sabia. Não vou dar assunto, sem intimidades. Dei um passo para trás e comecei a retirar a minha jaqueta. Aconteceu muito rápido. Eu quase não ouvi os disparos. Foram três. Meu Deus, estou morto! Não pode ser, eu estou em pé, cadê o cara ? Sumiu correndo.
Eu tô legal, vou me mandar também. Comecei a caminhar desesperado. Já sei estou sonhando. Estranho, o lado direito está mais pesado! Passei a mão pelo corpo, PQP, tô ferido! Parei. Comecei a suar. É melhor pedir socorro.
É. É bom não fazer esforço, pode dar derrame interno (acho que vi isso na tevê ou li em algum lugar). Cadê o celular ? (Puts, ainda não existia. Só o pessoal da "Enterprise" têm os StaTtac, lembram?)
Socorro ? Socorro ? Eu fui assaltado! Na realidade nem tinha sido assaltado, o maluco saiu correndo.
Moro logo aqui "em cima". Nada!
No prédio em frente, nem as luzes ascenderam. Nas casas, somente os cães (os verdadeiros!) queriam me ajudar ! Voltei a andar ? Uma quadra e meia e eu estaria em casa. Vamos lá. Cheguei. Apertei a campanhia.
"A porta da garagem está aberta, só precisa empurrar"
Maria levei um tiro. Liga "pros" velhos para me levarem ao pronto-socorro. (Eco-Salva? Nem pensar, ainda não existia e parece que continua não existindo. Ah, mas a SAMU já existia, era da brigada. Acharam que era do PT? Não é não! Falando sério, a única "invenção" do PT, é o Lula ! Mas isto é assunto para outro "assalto".
Meu Deus, tu está bem? Tá doendo ? Tá sangrando? Meu Deus, o telefone tá sem linha !
Aperta o gancho. Tá tudo bem, ao menos parece. Não está doendo, não. (Tudo balela as cenas do John Wayne e companhia!)
Agora deu! Ela disse que teu pai tá se sentindo mal. Ela vem dirigindo. Vou pegar os documentos?
? Em dez minutos Mamãe chegou. Adeus portão. A cena era indescretível. Mamãe, sem dentes, toda escabelada (mas como é uma emergência, vou poupar o sarcasmo).
Vamos lá, tu tá bem? Teu pai ficou.
Mãe tu tá sem óculos e tu não tem carteira (habilitação)! Tá louco, eu não vou com ela.
Bobagem, tu sabe que eu sei dirigir. Nao cheguei até aqui ! Deixa de frescura!
Não mãe, chama o seu Joca aí do lado. Por favor !!!
Nem em situação de risco de vida, tu deixa de ser chato. Tá bem. "Seu Joca, seu Joca!"
Mãe é melhor ir lá no portão dele.
Eu sei, eu sei.
...
Seu Joca nos socorreu prontamente, e em menos de meia-hora eu estava entrando no Pronto-Socorro. Claro, antes a caminhoneta variant dele não pegou: desce todo mundo, desentala o para-choque do fusca (como ela conseguiu fazer isso? Ficou preso entre a coluna e o portão). No caminho, começaram umas "fisgadas" cada vez mais fortes até eu perder os sentidos. Consta nos "autos" que a cena dentro do fusca foi "algo" ? Mas também, mãe é mãe !!!
Pelo que me contaram, mais tarde, após descobrir que eu não havia "sido atacado por um bando e levado cinco tiros", (Mamãe!!!) meu pai chegou. Eu somente fui vê-lo três dias depois. Aconteceu o "derrame interno".
Doze dias depois fui para casa. O projetil, ficou comigo, alojado atrás dos rins. Por não ser uma cirurgia de urgência, o INPS não cobria a retirada. Passaram-se os anos e eu resolvi ficar com ele.
?
Ainda moro na mesma casa. Nunca vi quem atirou nas redondezas. E o mais interessante: "jamais ouvimos qualquer comentário sobre aqueles tiros!" É como um sonho. Ninguém ouviu meus gritos, os tiros, ?
Minha mãe sempre que pode fala bem alto e bem claro: "meu filho quase foi morto a tiros aqui nessa rua e ninguém, sequer, acendou uma luz".
(?)