O ARTIGO 224, a DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO FRENTE AO PRICÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇAÕ DE INOCÊNCIA E A CAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL DO MENOR.

O presente artigo tem como escopo analisar, diante do art. 224, a do CP Brasileiro, o flagrante desrespeito para com o princípio constitucional da presunção de inocência, diretriz máxima do sistema garantista, bem como, a autodeterminação sexual do menor.

O que aqui se intenta é apontar o quanto ainda estamos presos e sufocados a um sistema penal tão preconceituoso e injusto, neste caso na concepção mais explícita da palavra; temos um CP concebido em 1940, o qual não evoluiu sequer quanto à faixa etária determinada para este artigo em comento, o que temos de concreto é uma padronização de condutas como se todos os sujeitos submetidos a este diploma legal fossem igualmente culpados ou pior que isto, julgados e condenados de modo linear.

O objetivo desdobrado do que fora supracitado, enfim, é trazer à baila as violações apontadas, na esperança de acrescentar ao sistema garantista mais um modo de encaixar o Direito, tomando por base a atualidade e os registros acadêmicos sobre este tema que hora é apresentado.

Trazendo uma hipótese à problematização apresentada, qual seja, de que modo privilegiar a persecução penal, diante do art. 224, a do CP Brasileiro sem que para tal não sejam afrontados o princípio da presunção de inocência e a autodeterminação sexual do menor? Tem-se a revogação total da alínea como necessária, posto que só assim o Direito chegará a evoluir juntamente com a sociedade e também com os direitos e interesses do menor, sem falar na dignidade da pessoa humana, que é sem dúvida o farol de toda a ótica garantista, defendida neste estudo. 

Para tanto, lança-se mão, do conceito do princípio da presunção de inocência, embasado em doutrinadores e estudiosos do assunto, os quais demonstram o quão relevante é o foco garantista para a aplicação do Direito Penal hoje.

Vale uma reflexão sobre dois ângulos de visão existentes, no âmbito jurídico, que circundam a presunção de violência, alvo do tema desta monografia, são eles, os patamares da presunção relativa, mais amena e possível de argumentação menos incoerente, e presunção absoluta, por sua vez mais agressiva e sem qualquer condição de flexibilização; também vale tangenciar-se o princípio da proporcionalidade como orientador do caminho jurídico, bem como há o interesse de discernir, de modo legalista mais não fechado, sobre o instituto da responsabilidade objetiva, responsável direta pela presunção absoluta, lado mais catastrófico da moeda.

Existe relevância à questão psicológica da autodeterminação do menor, com uma abordagem que transcende à semântica, na medida em que se alinha a estudos sérios e de teor comprovado. Sendo assim levanta-se, a consciência do indivíduo tido como sujeito passivo na relação que se configura como realização efetiva do tipo penal, isto de acordo ao tempo, em sentido estrito, associado ao contexto social, também se voltando ao espectro pedagógico, o qual coaduna com a evolução social como um todo, agora já adentrando ao estudo do tempo social, configurando-se o sentido lato.

Passamos a analisar, de maneira aprofundada, à persecução penal diante de tamanha injustiça, apresentada neste trabalho, traz-se à tona todo o apoio positivado dado ao tema, donde de pronto já tem o Estatuto da Criança e do Adolescente como estandarte em defesa dos interesses do menor na busca em tutelar todos os direitos destes e assegurar os deveres da sociedade diante de tamanha fragilidade civil; toca-se aqui em princípios destinados ao lado tido como obscuro na relação do crime, o contraditório e a ampla defesa, vez que se pretende assegurar a inviolabilidade dos direitos do menor sem que para isto se viole de modo tão cruel e irracional os direitos do agente, que neste caso pode também não passar de vítima tanto quanto o menor, receptor de tutela especial.

Este artigo encontra justificativa na inquietação em colaborar para que o sistema penal brasileiro evolua de maneira a não chocar a CF/88, que por sua vez se apresenta para o mundo como um diploma legal dos mais humanistas e admiráveis, daí a necessidade em não se calar e somar à sociedade, na medida em que tem no seu sistema penal a forma mais amarga, administrada pelo Estado, de controle e regulação social.         

2. PRINCIPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCENCIA

Falar do principio da presunção de inocência é, antes de tudo, falar de um Estado democrático de Direito, donde aspectos relevantes devem ser levantados, quais sejam: a função social, corolário da dignidade da pessoa humana e o garantismo como traço fundamental do que se deseja enquanto Estado democrático de Direito.

A função social nos remete ao pensamento isonômico de que é preciso, mais que tratar de modo igualitário, perceber as diferenças tratando-as como base para justiça social, na acepção mais objetiva da palavra, sendo assim fica fácil notar que a busca por tal quadro delineado, inclusive, pela carta magna de 1988, exige que certas aberrações de cunho penal sejam estirpadas quer da legislação vigente, quer da mente de operadores do direito, com suas construções doutrinárias ou jurisprudenciais, para que se torne, enfim, a dignidade da pessoa humana algo efetivo, principalmente em âmbito penal, vez que este carrega, pelo óbvio, nuances tão delicadas, tamanha sua complexidade pelos bens jurídicos nele resguardados.

O garantismo como forma de lidar com a gama de fatos ocorridos de acordo a uma previsão legislativa - criminal, tem como maior escopo, dar relevância ao devido processo legal, com suas conseqüências relativas ao contraditório e a ampla defesa, daí o entendimento de que no passado, sem qualquer utilização garantista, ainda cabia, de modo coerente, uma base penal relativa a persecução, com um processamento não tão atento às fases processuais completas, devidas e indisponíveis como hoje deve ser. O princípio da presunção de inocência pode ser percebido de várias formas, segundo Adelina de Cássia Bastos Oliveira Carvalho (2004, p. 54-55 ) :

Do ponto de vista formal (extrínseco), o princípio da presunção de inocência configura um direito constitucional fundamental, eis que inserido no rol dos direitos e garantias individuais. Como direito fundamental proclamado pela Carta Magna, temos que o princípio é de aplicação imediata e direta, obrigando a todos, poderes públicos e particulares indistintamente, de ampla interpretação e restrição limitada, esta só admitida em casos excepcionais, legalmente previstos, e, por fim, protegido através da garantia de acesso à jurisdição  na hipótese de sua violação

Estado garantista é, sem dúvida, o que tem como diretriz fundamental o respeito à dignidade da pessoa humana, o Brasil tem na constituição federal de 1988, no seu artigo 5º, LIV, LVII, o dado cabal e expresso de que assumimos uma postura garantista, a qual assegura de fato e de direito a dignidade da pessoa humana, também apregoada no mesmo diploma legal, no artigo 1º, III, de maneira há se compreender a dimensão real de toda esta análise trazida à baila com campo situado na área penal.

Eis que surge no bojo deste singelo estudo acadêmico e diante do que acima foi dito, o principio da presunção de inocência, traduzido não só no já citado dispositivo constitucional, qual seja o artigo 5º, LVII, bem como aclamado e admitido como basilar em correntes doutrinárias majoritárias e jurisprudências que refletem os mais variados momentos históricos sociais, desde o tempo do despertar para a necessidade em se garantir o social a fim de assegurar a segurança jurídica, que por sua vez qualifica o Estado como maior detentor de tutelas referentes a bens jurídicos dos mais variados segmentos pertinentes ao Direito, até os dias atuais com toda a ratificação de que tal princípio não só existe por necessidade, bem como por moralidade, esta, por conseguinte esperada do Estado, por uma sociedade constituída das mais diferentes pessoas, advindas de classes, religiões, opções políticas, pessoais e sociais também de diversos tipos e porque não dizer de pessoas que objetivam, no que tange o ser social próximo de uma relativa normalidade, a mesma coisa, qual seja dignidade, que engloba respeito, paz e felicidade sob forma de realizações e ideais peculiares, mas que para tanto utilizam meios variados, donde há a reflexão matemática, por analogia, de que a soma das parcelas não altera o produto, ou seja, há vários caminhos para um mesmo fim.

O princípio da presunção da inocência nasce, para o direito penal, como a matriz orientadora de um sistema uno e que pelo que representa é o que mais causa aflição e questionamentos.

Dizer que qualquer ser humano é inocente até que se prove o contrário é mais profundo que de difícil interpretação, e é nisto que se tem por base toda e qualquer discussão jurídica penal relativa à tipificação da violência presumida, determinada pelo artigo 224, a, do Código Penal Brasileiro; quando se pensa no risco e no dano, neste caso, irreparável, de alguém que se encontre alvo da persecução penal, ocupando o pólo ativo, se tem a clara e precisa sensação do que é e do que deve ser o Estado como instituição máxima e intencionalmente eficaz para solução de conflitos / lides ou mero ratificador de situações previamente acertadas, que são bem típicas em homologações de âmbito civil.

3. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA

Há correntes das mais variadas opiniões sobre ter a presunção de violência apresentada no artigo 224, a, do Código Penal Brasileiro, um caráter eminentemente relativo, donde caberia movimento do acusado em prol de demonstrar, via material probatório, sua inocência. Estamos caminhando, em passos lentos, para este desfecho, até porque, assim como este, outros trabalhos acadêmicos, bem como expressões doutrinárias, têm se ocupado desta linha de entendimento relativa ao artigo supracitado do Código Penal Brasileiro, gerando, por seu turno, jurisprudência cada vez mais consolidada, ameaçada apenas por um texto legal defasado e reacionário, que não condiz nem de longe com o que a sociedade reflete, inclusive, através da lei maior, a Constituição Federal de 1988. De acordo ao pensamento de Luiz Flávio Gomes ( 1996, p. 175-177 ) :

Do ponto de vista substancial, (intrínseco) é um direito predominantemente processual penal, com repercussões no campo probatório, das garantias e do tratamento do acusado e, por fim, trata-se de uma presunção juris tantum, seja, que admite prova em contrário.

Toda presunção relativa miniminiza injustiças, até porque num Estado democrático de direito qualquer um pode um dia sentar no banco dos réus e qual não seria o nosso infortúnio e profundo desespero se nos víssemos diante de algo tão injusto e aterrorizante se de fato fossemos vítimas de um grave engano. Por vezes o que ocorre é que a sociedade se cala perante tais anomalias, sem perceber que ela mesma é ou pode vir ser a única e mais sofrida vítima de suas próprias hipocrisias, daí ser mais cômodo acusar e aguardar a punição / pena, que ir fundo e ter sensibilidade para chegar mais e mais próximo da verdade real, tendo na verdade possível um caminho mais seguro e mais limpo.

A presunção absoluta é a que traz no caráter uma veia bem mais radical, na medida em que não aceita prova contrária ao que se anunciou como verdade, ora, fica evidente que tal ilustração, em âmbito penal, alicerça profundas barbaridade num campo que por excelência deixa rastros inevitáveis de erros e arbitrariedades. É assim, de modo absoluto que o Código Penal Brasileiro configura o tipo penal do artigo 224, a, sem qualquer receio, nem sequer abertura para que as coisas sejam de fato esclarecidas, assegurar que o menor de catorze anos não tem discernimento algum é assegurar que do mesmo modo não evoluímos e que por isto o país demonstra uma sociedade estática, o que por óbvio não coaduna com a verdade, ainda mais sendo um país tão aberto não só internamente, com pessoas tão diferentes, mas também aberto ao mundo como um todo, donde realmente não se precisa falar aqui em influências estrangeiras que só no linguajar se entrega de bandeja.

Vários e renomados juristas defendem de maneira ferrenha que a presunção do artigo 224, a é e deve ser tida como absoluta sem qualquer flexibilização, o que data venia chama atenção para o fato de que a evolução social, para eles, não passa de aparato tecnológico, ficando a mente humana inerte às questões psicológicas; seria dizer que no passado meninas menstruavam, com a chegada da menarca, por volta dos quinze anos e que hoje tal evento ocorre em torno dos onze / doze anos só porque a natureza assim o quis, utilizando para isto não um precoce encadeamento hormonal, mas apenas genético. Prova do que aqui se afirma é o que menciona Adelina de Cássia Bastos Oliveira Carvalho ( 2004, p. 37 ) :

Os Tribunais Superiores, não obstante, fiéis à linha conservadora, se negam a fazer qualquer avaliação da capacidade de consentir da vítima, no caso concreto, declarando, assim, o absolutismo da presunção...

Relativizar tal dispositivo, vez que este ainda não foi definitivamente repudiado, sob forma de revogação legislativa, é o mesmo que dar uma chance maior ao conhecimento sociológico, médico, técnico, até porque é sabido que o Estado jurisdicional não carrega consigo aptidão e conhecimento técnico suficiente para abarcar com todas as esferas do conhecer, bem como é se submeter, como se espera, ao seu papel mais preciso, o de respeito ao seu maior pilar, qual seja a Constituição Federal de 1988.

4. A QUESTÃO DA PROPORCIONALIDADE

Dignidade da pessoa humana quer dizer muito mais que possa se supor, transcende o tratar bem sem qualquer discriminação, na verdade tem com grande inerência o conhecer para entender, o que significa dizer que é preciso perceber opções e motivos não para premiar ou ser conivente, mas para ser ético com a devida proporcionalidade para cada caso, não transformando o ser humano num produto, tipo os que carregam código de barras, vez que já nos tornamos um número em várias situações civis; então cada reflexão sobre o assunto faz crer que é o elemento factual em conjunto com o probatório são os que cumprem este rito, o de tornar individualizado cada caso, cada lide, cada crime, afinal se para a maior parte da doutrina crime é a junção de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, este último precisando de maior análise, percebe-se que são muitos elementos para que todos os fatos similares sejam igualados.

O princípio da proporcionalidade carrega em seu bojo o entendimento de outro, qual seja, a razoabilidade e sendo assim é só o Estado quem está apto a definir ambos de acordo ao caso concreto, daí este mesmo Estado não poder se isentar em cumprir o devido processo legal, principalmente quanto à questão probatória.

Atentamos para casos em que o agente tenha dezoito anos e a suposta vítima catorze anos, de modo que o genitor desta última não goste de um namoro iniciado pelos dois, que este pai recorra a conversas com a menor, demonstrando sua insatisfação e daí proibições, ambas infrutíferas e que num momento de fúria se socorra à máquina estatal a fim de ver sua filha disvencilhada das garras do ofensor, e que este amargue uma experiência terrível e que pela sua idade comprometa seu desenvolvimento psico-social, vez que há inúmeros estudos e relatos de que a formação da personalidade humana e a sedimentação de valores não se dão ao mesmo tempo para todos, inclusive não é pacífico o limite final da adolescência e que para a garota ocorra um profundo sofrimento, qual seja, o de não ser ouvida tendo no seu genitor o que teria num algoz, de certo que traumas serão de certo desencadeados por mera falta de bom senso, que para juristas é sinônimo de proporcionalidade / razoabilidade; enfim só abrindo a mente para o hoje, que já foi e não é mais ontem, que teremos algo mais leve no amanhã. Eis o que pondera Rodrigo da Cunha Pereira (2000, p. 281) :

Ora, crime é conduta, e esta, de sua vez, comportamento humano. O direito pune conforme o comportamento, sendo impossível punir ação não praticada. Não se pode punir por presunção, mera ficção, ainda que defina em lei, prescindindo do elemento subjetivo...

5. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA

No direito brasileiro há vários casos de responsabilidade objetiva, este descrito no artigo 224, a, do Código Penal Brasileiro é uma típica situação destas, donde não se dá oportunidade de defesa, se pensarmos nisto em área civilista é tranqüilo entender sua utilização, bem como diante do direito do consumidor, até porque aí estamos frente a frente com o desequilíbrio financeiro, onde os mais fortes sofrem arcando sem defesa por conta de uma outra parte, em tese, mais fraca; no direito penal fica extremamente difícil nos pautar nisto, não há caso criminal no mundo que não se precise adentrar no mundo dos fatos de maneira profunda para que se chegue a alguma verdade, vê-se que se até no flagrante delito existem limites impostos, como a comunicação imediata, relativa a prisão, ao judiciário, que dizer de situação que se quer existe busca de indício? Definitivamente a responsabilidade objetiva delineada no artigo em comento é de enorme perigo, na medida em que na punição de um inocente num universo de dez pessoas tidas como culpadas, faz com que seja imoral e eticamente ineficaz a dos outros nove, é o que nos remete a não possibilidade de reparação, esta entendida não como indenização, mas na sua literalidade, no dar de volta. Vale se ater ao entendimento de Walter Claudius Rothenburg (2000, p. 151) :

O instituto da presunção legal de violência nos crimes, modelo exemplar de responsabilidade penal objetiva, em suma, representa um entrave ao Estado social e democrático brasileiro, que tem como núcleo axiológico na dignidade da pessoa, a partir do que a realização efetiva dos direitos humanos torna-se uma inesgotável tarefa a ser cumprida, uma constante promessa de democracia, um estímulo ao envide de esforços, pois, por mais que se avance no asseguramento dos direitos fundamentais, haverá sempre um novo estágio a galgar, rumo a excelência.

6. CAPACIDADE DE AUTODETERMINAÇÃO DO MENOR

Ao longo do tempo discutiu-se muito sobre até que ponto pode o menor de idade ser responsabilizado penalmente, tal discussão também permeou a esfera civil, de modo a se indagar sobre a capacidade civil plena diante de pessoas de pouca idade, sendo assim, recentemente, deu-se por maior idade civil e penalmente os dezoito anos, isto levado em conta a evolução e a capacidade de autodeterminação do menor, mas de fato não só esta maior idade determina o direito é o caso da maioridade eleitoral que se dá aos dezesseis anos, também isto quando no direito do trabalho se tem por dezesseis a idade apta ao trabalho regular e catorze no caso do menor aprendiz, daí refletir superficialmente que o direito delimita e até impõe regras, mas seria mesquinho pensar no magistrado como mero reprodutor de legislação expressa, então pensamos que a lei dá muito mais diretrizes, combatendo arbitrariedades, que propriamente imposições. Vale ressaltar o entendimento de Antônio Virgílio Bittencourt Bastos ( 1989, p. 10-14 ) :

Entre as transformações ocorridas nas atitudes e costumes dos adolescentes, uma das mais significativas diz respeito às regras que pautam o comportamento dos namorados. No passado, os encontros, vigiados e limitados a uma sala ou portão da casa da moça, dirigiam-se ao compromisso do matrimônio. Hoje, o namoro se caracteriza pela falta de compromisso e interferência familiar, fruto do aumento da liberdade moral da sociedade, da diminuição do controle familiar, da menor influência das normas éticas submetidas às sanções sobrenaturais e eclesiais, da diminuição da valorização da virgindade feminina.

Há, no passado, uma contradição enorme quanto à autodeterminação sexual do menor, como explicar que na década de 40, época do Código Penal Brasileiro, as jovens eram prometidas e obrigadas a casar com pessoas de gosto da família se tão novas não tinham como discernir sobre sexo? Deixando claro que principalmente em interiores do nordeste tais casamentos eram corriqueiros e que em nenhum aspecto preservavam esta falta de amadurecimento para se iniciar a vida sexual, a qual se dava de modo abrupto e até por vezes tosco, donde meninas engravidavam ainda em formação e não por conta da liberdade e falta de educação / informação como se dá hoje, mas por conta de casamentos precoces e de tradição patriarcal, a qual se se pensar, em menor escala, ainda hoje figura em alguns lugares, não há outra explicação senão a conveniência. Hoje, talvez ainda por conveniência, se mantenha o dispositivo em questão, conveniência em não se aprofundar nas questões sociais e na evolução da sociedade, bem como atada a questão da mulher, vez que os garotos, ainda hoje, não são nem de perto os maiores freqüentadores do pólo passivo nestes casos, deixando passar batido o fato de que os tempos são outros e junto a eles estão às cabeças e nelas os desejos.

Adelina de Cássia comenta (2004, p. 43) :

A presunção de violência nos crimes sexuais contra menores, aí, sobre o pretexto de tutelar pessoas presumivelmente mais frágeis, termina por cercear a liberdade garantida constitucionalmente ao adolescente (art.227 da Carta Magna ), em sua variante sexual.

Mesma linha de pensamento tem Maria Lúcia Karam (1996, p. 282) :

A proibição de uma conduta que atenta contra a liberdade e, conseqüentemente, contra a pessoa não pode servir para tolher, ainda que indiretamente, esta mesma liberdade daquele que a norma pretende proteger.

O menor deve ser protegido não só pelo Estado, mas também por todos e hoje protegê-lo é também ouvi-lo, é o caso do menor de doze anos que é ouvido em processo de guarda e é levado em consideração, ou seja, ainda que não defina, demonstra interesse e sabe apresentar o que acha bom para se mesmo, ainda que não  seja efetivamente quem define a situação, mas é tentador ouvir o maior interessado e decidir tomando-o por fator relevante.

A autodeterminação do menor deve ser analisada, por óbvio, caso a caso, como já mencionado anteriormente, e de maneira alguma ceifada, como se o comportamento humano fosse linear.

O Direito deve acompanhar a sociedade, pois é lastro de segurança para ela, sabe-se que o fator cultural é fortemente indutor e que se existem países em que o adolescente de catorze anos é tratado com rigor de adulto, não se espera isto no Brasil, mas nem por isso que este se acomode acerca de fatos concretos que urgem por modificações legislativas, como no caso do estudo aqui delimitado.

7. UMA ABORDAGEM PEDAGÓGICA

Cada vez mais crianças entram cedo na escola e não por conta do pouco tempo dos pais ou do estresse destes, o fato é que, a todo momento, as crianças despertam mais cedo para o saber, para o aprender, é o garotinho de três anos que já demonstra alguma intimidade  com o computador, é a menininha de dois anos que está com a coordenação motora apta a novos desafios, etc; daí se discutir muito sobre puberdade e adolescência, sobre o fato claro de por vezes idade biológica e idade psicológica não se encaixarem, então só descendo fundo em cada situação para se chegar próximo a uma precisão. Atualmente as escolas têm, cada vez mais cedo, colocado em pautas diárias discussões, palestras, aulas, que abordam a sexualidade e o fazem de maneira clara por entenderem, pela experiência, que tais crianças, e isto tem se dá por volta da quinta série relativamente aos dez / onze anos, são plenamente capazes de entenderem e absorverem com clarividência a importância do assunto e o reflexo disto nas suas vidas, desde que seja dado a elas o tempo para se familiarizarem com termos e expressões utilizadas em educação sexual, isto vem ocorrendo a bons anos e em âmbito estadual, municipal e privado, de modo que, ao chegar aos treze ou catorze anos podem não ter a experiência ou o amadurecimento para uma postura social, mas é evidente o discernimento do que querem vivenciar quanto a isto, não está aqui se falando de adulto, experiente e apto para definições relativas a vários fatos, mas de pré-adolescentes ou adolescentes que já pensam sobre o assunto, opinam em aulas e trocam informações seja com adultos, seja com seus pares.  Segundo Adelina de Cássia ( 2004, p. 150 ) :

De fato, o sexo, há muito, deixou de ser o tema imoral de antigamente. Até por uma questão de sobrevivência, em virtude do surgimento e disseminação de moléstias letais, bem como de busca de melhor qualidade de vida, comprometida com a ocorrência de gestações na adolescência, abortos etc., procura-se hoje discutir livre e exaustivamente o assunto. É, assim, plenamente possível que o adolescente maior de 12 e menor de 14 anos de idade, no presente, tenha certa capacidade de entendimento e de determinação em matéria sexual, e, por conseguinte, maturidade suficiente para rechaçar propostas e agressões que nessa área se produzirem, ou, ao invés, anuir validamente ao ato sexual.

8. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO

Nos dias de hoje ainda se descarta, no caso do artigo 224, a do Código Penal Brasileiro, a opinião do ofendido, suposta vítima, quando do seu consentimento, o que inviabiliza a individualização do caso e até da pena, quando desrespeita por via indireta a intranscendência penal, posto que neste caso se tornam óbvias as situações onde supostos agente e vítima são punidos, vale permitir a externalização do menor de catorze anos e vale também entender que se assim não for feito já dá para notar tal abuso como retrocesso e não apenas uma manutenção equivocada do artigo em análise, bem como reflete Adelina de Cássia(2004, p. 29):

Tendo o Código Penal fixado a idade, teria, deixado, de modo algum, ao magistrado a aferição, em cada caso, da maturidade do menor.

9. PERSECUÇÃO PENAL

O Estatuto da criança e do adolescente adota a teoria da proteção integral (art. 1º), que por sua vez faz jus ao fato de todos sermos responsáveis, direta ou indiretamente, pela infância e juventude do país, sendo assim é notório que o Estado determine uma tutela especial a estes indivíduos, os quais, com base no Estatuto da criança e do adolescente ocupam posição indiscutível de sujeito de direito e não mais de objeto, como no passado, mas para tal se faz necessário que outros tantos sujeitos de direitos não tenham suas garantias mitigadas e até cerceadas por conta de um avanço devido, mas não imperioso.

Há que se proteger e dar destaque, mas uma proteção plena, que por sua vez resguarde também a sociedade como um todo de modo que haja um encadeamento lógico, sistemático como deve ser, donde emanam da Constituição Federal as diretrizes e todos os diplomas legais convivam em harmonia, aliás harmonia esta também defendida pelo Estatuto quando remete ao âmbito penal, ainda que com medidas diferenciadas, situações criadas ou participadas pelos seus tutelados.

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Adelina de Cássia Bastos Oliveira.Violência Sexual Presumida.Curitiba: Juruá, 2004.

GOMES, Luiz Flávio. A Presunção de Violência nos Crimes Sexuais. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 4, n. 15, abr. /jun./1996.p.175 177.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. A Sexualidade Vista pelos Tribunais. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos Fundamentais e suas Características. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, a. 8, jan./mar./2000. p. 146 158.

BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt et alii (orgs. ). Saúde e Educação Sexual do Jovem. Salvador: Centro de Estudos Interdisciplinares para o Setor Público (ISP), UFBA, 1989.p. 10 14.

KARAM, Maria Lúcia. A Liberdade Sexual do Adolescente. Discursos Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, v. 1,n. 2,jul./dez./1996. p. 282.