Após o sexto copo, Cléber olhou para os amigos à mesa. Com um ar enviesado, postou-se triste e parou de falar. A bebida lhe trazia recordações amargas. Procurando manter a mesma entonação, dirigiu-se ao colega Marley:

- E então, Marley? Me diz aí, em particular, de corno para corno: como é que você se sente?

Não obteve resposta, foi rompido o clima de relaxamento e diversão, estabelecendo-se um visível constrangimento nos sorrisos.

O fato é que já era conhecido por todos esse estado de Cléber. Sempre que bebia, trocava sua aparência de peão, homem rude e desbocado, divertido e viril, pela estirpe de um sujeito melancólico, recolhido, calado e pensativo. Bastava fitar seus olhos, que miravam em frente, mas viam apenas o longe. Viam o passado.

Já fazia um certo tempo, Cléber fora apaixonado (quem sabe ainda não era?) por certa garota. Só que ela estudava na capital, o que não lhe permitia uma grande convivência. Além disso, o que para ela não passava de um simples "caso", um namorico qualquer, coisa mesmo dos tempos modernos, para Cléber era questão abençoada e preciosa. Tal diferença de atitude, entre o romântico apaixonado e a liberal do amor, inevitavelmente traria a consequência da separação. Isso qualquer um poderia observar, menos o pobre rapaz, emoldurado no idealismo romancesco. Afinal, já dizia o poeta que, às vezes (para todo romântico sonhador eu diria frequentemente), ama-se mais alguém quando longe dos olhos.

É justamente nessa situação que Cléber se encontrava. Colocou num pedestal, endeusou, quem não merecia tal posto. Procurou emoldurar sua admirada nas qualidades da mulher idealizada, perfeita, que todos temos em mente, mesmo sem saber discernir muito bem.

Mas, por fim, a frustração se deu em intensidade maior. Também na capital estudava Marley e, talvez, maldade maior, não tinha sido por acaso que os dois, a namorada e o amigo, se encontraram numa festa, sem o menor conhecimento por parte de Cléber. E desse encontro não saiu apenas algo que possa ser classificado como uma conversa franca e amistosa, muito mais que isso, foi um encontro amoroso. Em sua versão, Marley defende-se argumentando que foi "seduzido", "incentivado" pela infiel donzela, que chegou ao ponto de dizer-lhe não haver mais nada entre ela e Cléber. Mas aqui há certa obscuridade, sendo difícil, portanto, descobrir a verdade, provavelmente a todos recaia certa culpa.

E para tornar a desilusão de Cléber ainda maior, esse encontro com Marley culminou em ato sexual, coisa cada vez mais comum no primeiro encontro das meninas moderninhas d?hoje em dia, mas uma facada profunda no coração carente e enciumado de qualquer idealista romântico. Mais ainda considerando-se que entre ela e Cléber nunca havia ocorrido uma relação sexual...

As notícias ruins, que existem para nos desagradar e deixar tristes, mas que muitas vezes apontam a verdade indelével e crua dos fatos, correm depressa. Não sei dizer como, ou melhor, por quem, pois essas coisas passam de boca em boca, mas foi inevitável que Cléber soubesse de tudo, provavelmente em versão deturpada, caindo em prantos inconsoláveis. Com o coração fatiado e os sentimentos em migalhas, só lhe restou acabar formalmente com a relação já pela infiel rompida. Não procurou tirar satisfação direta com seu velho amigo Marley, embora em muito baixasse a estima lhe atribuída pelo companheirismo de longa data.

Cléber procurou ser forte. Acredito, porém, que não tenha conseguido, seu sofrimento deve ter sido intenso, pois bem sei que inexiste argumento racional a nos convencer do contrário, a desilusão se fazia visível em seu triste semblante. De qualquer maneira, já são mágoas, ou melhor, chagas passadas, que só atingem com intensidade nos momentos em que a couraça que criou como defesa ao seu próprio romantismo se mantém desguarnecida. O amor não é mais o mesmo depois da desilusão.

Já é tarde, os amigos se levantam e fazem as despedidas. Cléber aguarda ainda um momento, sozinho à mesa, imóvel em suas reflexões. Depois se levanta e vai. Amanhã é outro dia e tem que trabalhar.