Conta a biografia de Jean-Paul Sartre que, em 1929, ele fez um importante acordo com Simone de Beauvoir. Sentados num banco de pedra numa praça de Paris, ele com 23 e ela com 21, duas mentes gigantes, decidiram que dali por diante viveriam um amor necessário. Espero que o leitor não se confunda. Falo do “amor necessário” e não da “necessidade de amar”. Por isso, no intuito de evitar qualquer enleio, tentarei conter em suma toda a minha reflexão acerca do amor.

Primeiro, penso que aquilo que acreditamos ser uma necessidade de amar é, na verdade, um desejo obrigatório de encontrar alguém, e que pode ter na sua raiz a mais pura convenção ou a extrema carência afetiva. Ninguém quer viver no tenebroso exílio sentimental. Segundo, a fabulosa necessidade de amar gera metas, compromissos e uma extensa agenda passional. Exemplo disso são os famosos cupidos virtuais, que apresentam descrições do tipo “tenho muito amor para dar” ou “minhas habilidades são...”. É como ter vontade de tomar sorvete sem ainda conhecer o sabor nem o endereço da sorveteria. Ou crer na existência da sorte no amor. Vejo a sorte como algo que nos indica uma circunstância ou uma suposta predestinação. Não precisamos viver rodeando o acaso. Reservemo-lo para os bilhetes de loteria. Ainda é preciso lembrar que amar não é pré-requisito para encontrar alguém, mas o fato de encontrar alguém é uma boa causa para que suscite o amor. É difícil acreditar, sobretudo, que quando iniciamos uma relação já nos encontramos munidos de um grande sentimento, a não ser o da vontade de ser ou o do desejo de ter, e que nos basta somente dispará-lo no outro.

Por isso proponho agora uma nova reflexão sobre, o que para mim é, o verdadeiro amor. Refiro-me ao amor necessário. O amor dual de Sartre e Beauvoir. O amor acontecido e não esperado. O amor que evidencia o entrecruzar de pensamentos e ideias, sem mordaças, sem farpas e sem disputas. O amor da tolerância intelectual. O amor que nos leva, além de conhecer o sabor do sorvete e o endereço da sorveteria, a conhecer também quem vai saboreá-lo conosco. O amor de Quintana, que é “quando a gente mora um no outro”. O amor de Paulo de Tarso, que “conhece o que é verdade” no outro e não somente em nós. O amor que é, por essência, necessário e não necessita de mais nada, única e exclusivamente por já ser o necessário para ambos. O amor antagônico às convencionais provas e loucuras de amor. Enfim, o amor simples.

Quando me lanço à essas ideias, impetuoso, as quais pelo primeira vez publico, lembro-me claramente das palavras de Rubem Alves, parafraseando Nietzsche e referindo-se à um dos principais pilares do amor necessário. Pergunta-se ao outro, antes de mais nada: “Terei prazer em conversar com você até mesmo quando eu ficar velho?” Se sim, até que a morte os separe.

Harrison Rivello é biólogo e educador.