O ÂMBAR COMO INSTRUMENTO PARA

INFERÊNCIAS PALEOECOLÓGICAS

Carlos Henrique de Oliveira Filipe

Rafael Gioia Martins-Neto

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RESUMO: Para muitos o âmbar é considerado como pedra semipreciosa embora não seja um mineral. É uma resina fossilizada que em uma época muito remota escorria pelos troncos de algumas espécies de vegetais, com a função de proteção à ação de microorganismos e mesmo de insetos. Atualmente somente dois tipos de árvores podem produzir resina estável que, com o tempo, se fossilizaria em âmbar. Cada âmbar reflete bem o tipo de resina que originalmente exudava nos diversos vegetais e de acordo com sua proveniência estas resinas são quimicamente diversificadas. Diferentes terpenos em diferentes concentrações são os principais componentes químicos e certamente a preservação dos organismos nos âmbares está estreitamente ligada a tais terpenos. A questão do tamanho é algo que tem-se que considerar nas inclusões em âmbar, já que animais com mais que dois centímetros, tais como pererecas, escorpiões, aranhas e grandes insetos, são geralmente fortes o bastante para saírem de dentro da resina antes que esta endureça. O âmbar é de grande importância no reconhecimento dos fósseis de animais terrestres, principalmente pequenos insetos que normalmente não são bem preservados em rochas sedimentares. Em conjunto com as rochas sedimentares que preservam bem os insetos de grande porte tais como libélulas (Odonatoptera) e gafanhotos (Orthoptera), mas que não são observados com freqüência em âmbar, podemos reconstruir as florestas do passado.

Palavras-chave – Âmbar; Terpenos; Inclusões; Paleoflorestas.

Para muitos o âmbar é considerado como pedra semipreciosa, embora não seja um mineral. O âmbar pode ser definido como o produto do processo de fossilização de resinas sintetizadas por vegetais (LANGENHEIM, 1969), e resinas são misturas de compostos terpenóides e fenólicos que podem ser produzidas em dutos internos ou glândulas superficiais especializadas dos vegetais (LANGENHEIM, 1990).

A resina tem a função de proteção à ação de microorganismos e mesmo de insetos. Sua produção pode ocorrer por qualquer lesão que venha sofrer e até mesmo um simples ataque de insetos é suficiente para sua formação. A resina protege a árvore atuando como cicatrizante e suas propriedades anti-sépticas também a protege de doenças. Diferentes tipos de árvores produzem diferentes tipos e quantidades de resina. As coníferas sempre foram as principais produtoras de resina, mas vários outros vegetais podem também exudar esta substância (MARTINS-NETO, 2003). Dois terços dos tipos de árvores produtoras de grandes quantidades de resinas terpenóides são tropicais, sendo em sua maioria angiospermas (LANGENHEIM, 1990) e atualmente somente dois tipos de árvores podem produzir uma resina estável que, com o tempo, se fossilizaria em âmbar. Eles são os pinhos de Kauri (Agathis australis) da Nova Zelândia e algumas espécies de leguminosa Hymenaea da África Oriental, América do Sul e Central (MARTINS-NETO, 2003).

O mais antigo registro de resina fóssil provém de pteridospermas do Carbonífero Superior da Inglaterra (VAN BERGEN et al., 1995). No entanto, Viana et al. (2001) relatam uma ocorrência ainda mais antiga, no Devoniano da Bacia do Parnaíba (Formação Cabeças). Somente no Cretáceo Inferior, com o advento de coníferas em florestas tropicais e subtropicais, o âmbar se tornou abundante no registro fóssil. Vegetais superiores terrestres são as maiores fontes de terpenóides, substâncias produzidas a partir do metabolismo secundário das plantas, sendo por isso bons marcadores químio-taxonômicos. Os diterpenóides originam-se principalmente de coníferas, enquanto os triterpenóides derivam de angiospermas (OTTO & SIMONEIT, 2001).

O chamado âmbar Dominicano (alusivo à República Dominicana) é proveniente da Ilha de Hespaniola, no Caribe. Embora conhecido desde a descoberta da Américas por Colombo, seu interesse só foi despertado a partir de 1960 (MARTINS-NETO, 2003). O âmbar Dominicano é comercializado livremente e vendido como âmbar ou peças com inclusões. É geralmente claro, mas com uma grande variedade de cores. A maioria apresenta coloração que vai do amarelo ao laranja cuja tonalidade pode ser vista numa mesma peça. Na República Dominicana existe uma grande variedade de minas sendo que a maioria fica situada nas partes altas e são conhecidas como Cordillera Septentrional. As minas são na verdade pequenos túneis escavados pelos habitantes locais onde as peças de âmbar são encontradas e levadas para as cidades de Santiago e Santo Domingos onde são polidas e comercializadas. A idade do âmbar Dominicano pode variar do Eoceno Inferior ao Mioceno Médio e, quimicamente, é similar ao copal do leste africano, tendo sido produzido pelo mesmo tipo de árvores do gênero Hymenaea. Na República Dominicana a planta que produzia o âmbar (H. protera, já extinta), é diferente das que existem hoje. Cada âmbar reflete bem o tipo de resina que originalmente exudava nos diversos vegetais e de acordo com sua proveniência estas resinas são quimicamente diversificadas. Diferentes terpenos em diferentes concentrações são os principais componentes químicos e certamente a preservação dos organismos nos âmbares está estreitamente ligada a tais terpenos (MARTINS-NETO, 2003).

Os insetos dos âmbares Dominicanos são melhores preservados do que o âmbar do Báltico ou de outras procedências (México e Myanmar – ex Burma). A questão do tamanho é algo que se tem que considerar nas inclusões em âmbar, já que animais com mais que dois centímetros, tais como pererecas, escorpiões, aranhas e grandes insetos, são geralmente fortes o bastante para saírem de dentro da resina antes que esta endureça. Mesmo assim há, embora mais raros, registros de alguns que não tiveram tanta sorte, como lagartixas, rãs, miriápodes, aracnídeos incautos e até penas de aves. É comum observar pernas de insetos ou de aranhas que quebram no momento que estes tentam sair da resina e até mesmo pedaços de insetos mais vigorosos em sua musculatura alar, como é o caso de alguns registros parciais de asas de libélulas. Alguns produtos animais também são observados em âmbar tais como, fezes de pequenos animais, pelos, penas, exúvia de insetos, assim como verdadeiros "momentos congelados", como é o caso de formigas em luta, "ordenhando" afídios, carregando sua cria, insetos em cópula, enfim toda uma versão "últimos dias de Pompéia" para artrópodes (Paleoetologia - MARTINS-NETO, 2003).

São poucos os registros de ocorrência de âmbar nas bacias sedimentares do Brasil, já que a grande maioria das ocorrências provêm de bacias do Cretáceo, e o primeiro registro de âmbar no Brasil, com uma flora de árvores resinosas datado do Cretáceo Inferior (Formação Maracangalha, Bacia do Recôncavo) foi fornecido por Abreu (1937). Ocorreram também alguns registros provenientes do Devoniano (VIANA et al., 2001), Mioceno (LANGENHEIM & BECK, 1968) e Quaternário (CARVALHO, 1998).

Âmbares provenientes das bacias do Amazonas, Araripe e Recôncavo, foram considerados bioclastos alóctones, com transporte possivelmente fluvial até o interior das bacias em que foram depositados. De grande importância foi a constatação da presença de esporos de fungos preservados no âmbar do Amazonas, já queprovavelmente esses esporos se agregaram à resina por ação do vento, ficando fixados à sua superfície e sendo recobertos por outros fluxos resinosos. Também importante é a variedade de coloração, indo desde a coloração amarela (âmbar da bacia do Amazonas), até o castanho-escuro a amarelo (âmbar da bacia do Recôncavo) (PEREIRA et al., 2006).

O âmbar é de grande importância no reconhecimento dos fósseis de animais terrestres, principalmente pequenos insetos que normalmente não são bem preservados em rochas sedimentares. Em conjunto com as rochas sedimentares que preservam bem os insetos de grande porte tais como libélulas (Odonatoptera) e gafanhotos (Orthoptera), mas que não são observados com freqüência em âmbar, pode-se reconstituir as florestas do passado (MARTINS-NETO, 2003).

Os artrópodes, as plantas e outras inclusões no âmbar podem nos contar muito sobre a ecologia das florestas ancestrais (Paleoecologia). Estudos já realizados no âmbar Báltico e da República Dominicana já nos dão a idéia de como eram estas florestas (MARTINS-NETO, 2003). As inclusões encontradas em âmbar não são somente de animais e plantas. Bolhas de ar e gotas d´água são também comuns, mas as inclusões de vegetais ou animais são de grande importância no estudo da flora e fauna do passado e até as relações entre eles. Particularmente de interesse, algumas inclusões de bolhas de ar em âmbar do Cretáceo de Cedar Lake, EUA, permitiram aos cientistas, por exemplo, verificar que a constituição da atmosfera no Mesozóico era bastante distinta do que é hoje,

tendo inclusive um índice maior de amônia (BERNES & LANDIS, 1988) e que o nível de CO² na atmosfera durante o Cretáceo era muito maior que o dos presentes dias, a ponto de trazer como conseqüência o efeito estufa. O âmbar Dominicano apresenta uma variedade de inclusões sendo os insetos os mais diversificados e melhores preservados do que de os observados em outros âmbares. A presença de muitos insetos tropicais no âmbar da República Dominicana indica que a Ilha de Hespaniola era formada por uma floresta tropical (não muito distinta do que seria hoje) (MARTINSNETO, 2003).

O avanço da pesquisa sobre âmbar, associado ao estudo da fauna e flora preservada em rochas, constituem- se em poderosas ferramentas para o avanço do conhecimento sobre a paleoecologia de tempos pretéritos e uma promissora e nova linha de pesquisa no campo das ciências biológicas e da Terra.

Todas as informações contidas nesta obra são de responsabilidade do autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, S.F DE. 1937. Sobre a ocorrência de âmbar nos arenitos da Série da Baía. Boletim de Informação do Instituto Nacional de Tecnologia, v. 2, n. 4, p. 3-8.

BERNER, R. A.; LANDIS, G. P.. 1988. Gas bubbles in fossil amber as possible indicator of the major gas compositions of ancient air. Science, 239: 1406-1409.

CARVALHO, M.A. 1998. Âmbar: composição molecular de amostras brasileiras. Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado, 108 p.)

LANGENHEIM, J.H. 1969. Amber: a botanical inquiry. Science, n. 163, p. 1157-1169.

LANGENHEIM, J.H. 1990. Plant resins. American Scientist, n. 78, p. 16-24.

LANGENHEIM, J.H. & BECK, C.W. 1968. Catalogue of infrared spectra of fossil resins (ambers) I North and South America. Botanical Museum Leaflets, v. 22, n. 3, p. 65-120.

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PEREIRA, R.; CARVALHO, I.S.; AZEVEDO, D.A..2006. Afinidades paleobotânicas de âmbares cretácicos das bacias do Amazonas, Araripe e Recôncavo.Geociências, v. 25, n. 2, p. 217-224.

VAN BERGEN, P.F.; COLLINSON, M.E.; SCOTT, A.C.; DE LEEUW, J.W. 1995. Unusual resin chemistry from Upper Carboniferous pteridosperm resin rodlets. In:

ANDERSON, K.G. & CRELLING, J.C. (Eds.), Amber, Resinite and fossil resins, Washington (DC): American Chemical Society Symposium, Series 617, p.149-169.

VIANA, M.S.S.; AGOSTINHO, S.; FERNANDES, A.C.S.; CARVALHO, I.S.; CAMPELO, F.M.C.A. 2001. Ocorrência de resina na Formação Cabeças (Devoniano da Bacia do Parnaíba). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE P&D EM PETRÓLEO E GÁS, 1, 2001, Natal. Anais... Natal: Sociedade Brasileira de Química,p. 45.