O ALIENISTA: LOUCURA, CIÊNCIA, LINGUAGEM E PODER em uma análise pós-estruturalista
Publicado em 01 de setembro de 2011 por Luciana Cunha
O ALIENISTA: LOUCURA, CIÊNCIA, LINGUAGEM E PODER
Em uma análise
pós-estruturalista
RESUMO: O presente trabalho tem como
objetivo fazer uma análise do conto O
Alienista de Machado de Assis,
levantando questões como, a loucura, a ciência, o poder e o uso da linguagem.
Para tal análise, nos embasaremos nos teóricos pós-estruturalistas: Michel
Foucault, Roland Barthes e Jacques Derrida. Discute-se o cientificismo do
século XIX, bem como a sua influência na sociedade da época. Levando em
consideração que o tema central de O
Alienista é a loucura, este artigo
propõe-se a fazer um breve relato sobre a história da loucura tendo por base a
obra de Michel Foucault História da
loucura: na idade clássica. Tendo em vista que a linguagem é o principal
artifício usado para se manifestar o poder na forma de discurso, esta torna-se
também, objeto de nossa análise. Discute-se, enfim, como a
loucura, em O Alienista, é apreendida
a partir da articulação entre: ciência, linguagem e poder.
Palavras-chave: loucura ? ciência ? linguagem ? poder
INTRODUÇÃO
Este
artigo propõe-se fazer uma análise pós-estruturalista do conto O Alienista de Machado de Assis.
Os
pós-estruturalistas veem no signo a possibilidade de separação entre
significante e significado. Para eles a linguagem é instável, pois o signo
desliza em múltiplos significados. Para os estruturalistas, rato é rato porque
não é pato, já para os pós-estruturalistas, rato pode ter vários significados
dependendo do contexto em que se encontrar. Sendo a linguagem muito mais
instável, ela muda com o passar dos tempos e um signo pode assim, adquirir
novos significados. A linguagem é a nossa mediação com o mundo e com o real e
se ela é instável, logo, os conceitos, tudo o que se considera como verdade, a
ciência, também são instáveis, são construções históricas, mudam com o tempo.
Muito do que foi considerado como verdade, lá no século XVII, hoje não é mais.
Foi
a partir desse pensamento que teóricos como Jacques Derrida, Michel Foucault e
Roland Barthes ? há outros que seguem a linha pós-estruturalista, mas nos ateremos
a esses ? passaram a questionar definições que encerrassem verdades absolutas,
a ciência, o discurso e o texto como algo fechado, que pudesse ser totalmente
compreendido.
Seguindo
a linha desses pensadores, nos proporemos a fazer uma análise do conto O Alienista de Machado de Assis. Nesse
conto, Machado, com seu sarcasmo e sua ironia, faz uma crítica ao cientificismo,
ao positivismo do século XIX. Ele mostra como o poder e a ciência dominavam o
pensamento de uma sociedade que se deixava manipular por ideias consideradas
como verdades, porque eram ideias científicas e vindas de pessoas que, de certa
forma, mantinham o poder.
Machado,
um cético e sarcástico, homem bem à frente do seu tempo, em O Alienista, coloca em xeque, assim como
os teóricos citados, conceitos como verdade, o poder da ciência, o poder do
discurso; descentra o conceito de loucura e as fronteiras entre esta e a razão.
É,
também, proposta deste artigo mostrar as várias formas dadas à loucura, desde o
mundo antigo até o advento da Psiquiatria no século XVIII e a afirmação desta
no século XIX. Em um contexto liberal, onde se primava pela ordem e pela razão,
a ciência tinha plenos poderes para interferir na sociedade e a loucura tem que
ser analisada e tratada, mas em um espaço que lhe foi conferido: o asilo. Dessa
forma, tenta-se aqui, mostrar as relações entre a loucura, a sociedade e a
ciência, fazendo uma ponte entre O
Alienista e ? não somente esta, mas principalmente ? a História da Loucura de Michel Foucault. A primeira vista nos
parece impossível a ligação entre as duas obras ? dado ao fato de haver entre
elas quase um século de distância e nada nos indicar que Foucault tenha sido um
leitor de Machado de Assis, além de se tratar de obras de naturezas distintas
(literária e filosófica) ? porém, os dois, em épocas diferentes, faziam, cada
um a seu modo, as mesmas críticas à sociedade e às verdades impostas, tendo
como objeto comum, a loucura.
Percebendo
o importante papel da linguagem como fonte de manifestação do poder, esta se
torna, também, objeto de nossa análise. Tentamos
aqui, mostrar como a linguagem pode ser utilizada como instrumento de manipulação
e também como, se usada em seu caráter mais nobre, com uma voz silenciosa, ela
aparece ? para nos levar a refletir sobre essas questões ? manifestada na
literatura. Vamos tentar neste artigo, mostrar como Machado consegue por meio
da literatura, levar seu leitor a refletir sobre esses conceitos já mencionados,
sem impor verdade alguma, sem utilizar um discurso de poder, pois é na
literatura, que, segundo Barthes (2001), pode-se falar e ouvir fora do poder.
O
presente artigo tem como público alvo: profissionais e acadêmicos da área de
Letras e Literaturas, principalmente aqueles interessados em Teoria da
Literatura; o que não significa dizer que demais leitores, interessados em
Machado de Assis e nas questões que, por este trabalho, serão abordadas, não
possam apreciar esta leitura.
2. O PÓS-ESTRUTURALISMO
Segundo Eagleton (2001), o Pós-estruturalismo é uma
tendência que surgiu questionando a linguística estrutural de
Ferdinand Saussure, defendendo a ideia de separação entre significante e
significado. Para os pós-estruturalistas a linguagem é instável; é a mediação
com a realidade e com o mundo, porém ela é insuficiente, indireta e oblíqua,
porque o signo é falho, não se revela absolutamente. Os pós-estruturalistas
consideram a independência e superioridade do significante em relação ao
significado, ao contrário dos estruturalistas que veem o significante e o
significado como inseparáveis.
Entre
os principais pensadores pós-estruturalistas estão: no campo filosófico Jacques
Derrida e Michel Foucault e na análise literária Roland Barthes.
O
pós-estruturalismo estabelece a teoria da desconstrução na análise literária,
afirmando que o texto pode ter múltiplos sentidos. Passa a considerar a
realidade como uma construção social e subjetiva sendo a análise muito mais
ampla, considerando-se a diversidade de métodos.
Derrida
(2008) propõe desconstruir a lógica racional. Ele usa a desconstrução como
tática de leitura, que objetivaria apontar e analisar as aporias (contradições
que não têm como serem resolvidas) do texto.
Derrida rejeita definições que encerrem verdades absolutas sobre o
mundo, pois a verdade dependeria do contexto histórico de cada indivíduo. Sua
proposta filosófica é simplesmente desconstruir a metafísica; desconstruir tudo
que é transcendental. Todo o processo produtivo de um pensamento metafísico
ocidental, que remonta a filosofia antiga clássica até a década de 60; ele quer
desconstruir toda essa idéia logocêntrica (e fonocêntrica), de um pensamento
dedicado à crença em uma palavra detentora da verdade que passa a ser
reproduzida e disseminada como verdade absoluta:
Todas as
determinações metafísicas da verdade, e até mesmo a que nos recorda Heidegger
para além da onto-teologia metafísica, são mais ou menos imediatamente
inseparáveis da instância do logos ou
de uma razão pensada na descendência do logos,
em qualquer sentido que seja entendida: no sentido pré-socrático ou no sentido
filosófico, no sentido do entendimento infinito de Deus ou no sentido
antropológico, no sentido pré-hegeligiano ou no sentido pós-hegeligiano. Ora,
dentro deste logos, nunca foi rompido
o liame originário e essencial com a phoné
(DERRIDA, 2008, p. 13).
Roland
Barthes (apud, Eagleton, 2001) por
sua vez, não acreditava que a estrutura fosse um sistema fechado que pudesse
ser compreendido plenamente. Inaugurou, assim, uma ideia de que a crítica
literária não serve para achar os sentidos do texto, porque, segundo ele, esses
sentidos nunca serão esgotados. Para Barthes a crítica é uma estratégia para se
produzir uma nova escritura, um novo texto.
Em outras palavras, o crítico é tão importante quanto o autor, ele é um
novo autor. A crítica literária, por sua vez, é um texto que se alimenta da
escritura a ser analisada.
Barthes
(2001) também levanta a questão do poder e, diz que ele (o poder) está em toda
parte e que "expulso, extenuado
aqui, ele reaparece ali; nunca perece; façam a revolução para destruí-lo, ele
vai imediatamente reviver, re-germinar no novo estado de coisas" (BARTHES,
2001, p.12) e a única maneira de se fugir dele, é "trapacear com a língua,"
"trapacear a língua" por meio da literatura. Segundo ele, a literatura tem
forças de liberdade que nos permite usar a linguagem fora do poder, são elas: Mathesis, Mimesis e Semiose.
A Mathesis é a força que abriga os
saberes. Barthes diz, que se por algum excesso de socialismo ou barbárie, todas
as disciplinas tivessem que ser expulsas do ensino e só pudesse ficar uma, a
literatura tinha que ser salva, pois ela abarca todas as ciências, "verdadeiramente enciclopédica, a literatura
faz girar os saberes" (BARTHES, 2001, p.18), por meio dela, "o saber reflete incessantemente sobre o
saber, segundo um discurso que não é mais epistemológico, mas dramático"
(BARTHES, 2001, p.19). E para sacramentarmos essa relação entre o saber e a
literatura, podemos aqui citar estas palavras de Barthes:
as palavras não são mais
concebidas ilusoriamente como simples instrumentos, são lançadas como
projeções, explosões, vibrações, maquinarias, sabores: a escritura faz do saber
uma festa. (...) a escritura se encontra em toda parte onde as palavras têm sabor (saber e sabor têm, em latim, a
mesma etimologia). (...) É esse gosto das palavras que faz o saber profundo,
fecundo
(BARTHES, 2001, p.20, 21).
A Mimesis é a força da representação. Há
tempos a literatura se afaina na representação do real. Pelo desejo impossível
de se representar o real e pela recusa do homem em aceitar esse impossível, é
que se produz literatura.
Segundo
Barthes (2001), a literatura consegue escapar dessas impossibilidades, a partir
de Mallarmé (segunda metade do século XIX), quando a modernidade passa a
conceber as utopias de linguagem. "?Mudar
a língua?, expressão mallarmeana, é concomitante com ?Mudar o mundo?, expressão
marxiana" (BARTHES, 2001, p.23).
Em
meio à representação desses desejos utópicos, em que a utopia também não está
livre do poder, o autor é levado a "teimar" e "deslocar-se"; onde teimar é
"continuar afirmando" que a literatura "resiste e sobrevive" às ciências; "agir como se ela fosse incomparável e imortal"
(BARTHES, 2001, p.25); e deslocar-se pode ser até "abjurar" o que se escreveu
(não o que se pensou) quando o poder o utiliza.
Teimar
e deslocar-se, trata-se também, de um método de jogo, que é onde encontramos a
terceira força da literatura, a que se refere Barthes: a força da Semiosis. O autor propõe que, em vez de
destruir os signos, se jogue com ele. Esse jogo de deslocamento dos signos, de
trapacear a língua, tem toda uma relação com o teatro:
Assim não devemos
espantar-nos se, no horizonte impossível da anarquia linguageira ? ali onde a
língua tenta escapar ao seu próprio poder, à sua própria servidão ?,
encontramos algo que se relaciona com o teatro (BARTHES, 2001, p. 27).
Segundo Michel Foucault (2008), os conceitos
(categorias de pensamento) não são verdades absolutas, mas construções
históricas. Para ele, o que se toma como verdade não pode ser assim
considerado, pois não existem certezas, nem mesmo no campo científico.
A
partir desses pensamentos, Foucault (2008) se propõe a empreender uma Arqueologia do Saber, em que tenta, a
partir de uma perspectiva histórica e social, descobrir como se construiu o
conceito de loucura. Trata-se de uma exumação dos modos de construção conceituais
através dos tempos, que seria a reconstrução a partir de uma investigação
histórica de como as idéias são tecidas. A partir daí, ele conclui que todo
conceito é uma construção artificial, fortemente marcada pela visão de mundo do
momento em que surge. Essa ideia de Foucault se liga a um conceito fundamental
presente no Pós-estruturalismo, que é o conceito de descentramento. Ele vai
descentrar qualquer tipo de certeza: a verdade, a ciência. Todo discurso
torna-se, portanto, sob essa ótica, impossível de ser aceito como verdade
inquestionável.
Foucault
(2004) faz uma análise da questão da verdade relacionada ao poder e de como ela
é produzida e mantida por instituíções e pelo discurso científico, passando a
ser aceita e reproduzida pela sociedade. Esse questionamento está presente
também em História da loucura, onde
além de mostrar como a loucura era concebida pelas sociedades em diversas
épocas, mostra a relação do homem com a verdade, que podemos evidenciar no
trecho a seguir:
o
ser humano não se caracteriza por um certo relacionamento com a verdade, mas
detém, como pertencente a ele de fato, simultaneamente ofertada e ocultada, uma
verdade. (FOUCAULT, 2010, p. 522).
3. O ALIENISTA
O Alienista é
uma narrativa de Machado de Assis, publicada pela primeira vez em Papéis Avulsos, em 1882. É considerado
como um conto mais longo pela maioria dos críticos, devido a sua estrutura
narrativa, porém alguns o consideram uma novela.
O
protagonista Simão Bacamarte é um médico conceituado na Europa, que decide estudar
a loucura em um lugar fictício e bem machadiano: Itaguaí. Funda na cidade um
hospício que chama de Casa Verde, onde interna todos os que a seus olhos apresentem
alguma forma de loucura, dentre elas, vaidade e indecisão, razões pelas quais,
até sua esposa é metida na Casa. A população, que a princípio apoiava o
alienista, demonstra insatisfação devido aos exageros de Simão Bacamarte;
estoura, então uma rebelião, a Revolta dos Canjicas, liderada pelo barbeiro
Porfírio. Este sai vitorioso, mas logo se alia a Simão Bacamarte e mais tarde
acaba sendo levado ao hospício. Uma intervenção militar pôs fim aos motins de
rua. Bacamarte recebeu mais apoio, os revoltosos são trancafiados no hospício e
o alienista recupera seu prestígio. Resolve, a partir daí, rever suas teses,
pois percebeu que a maioria da população de Itaguaí estava internada. Libertou
todos que estavam no asilo e começou a levar para a Casa, os que antes eram
considerados sadios. Ao aprofundar sua análise, chega à conclusão de que ele
era o único sadio e depois de libertar todos, interna-se na Casa onde morre
dezessete meses depois.
4. CIÊNCIA E PODER
"A ciência era a ciência" (ASSIS, 2007,
p. 21), afirmava Simão Bacamarte se colocando como senhor acima do bem e do mal,
utilizando-se do discurso científico. No século XIX, a ciência fora colocada
acima de qualquer faculdade intelectual do homem. O mundo estava dominado por
ideias positivistas de que toda episteme era considerada superior, desde que
fosse possível que se formulassem teorias, que passíveis de experimentação
determinavam conceitos. Segundo Foucault (1999), nos séculos XVII e XVIII, o
homem como objeto de análise, não existia para a ciência. No decurso do século
XIX, com o advento da Revolução Industrial, novas normas foram impostas à
sociedade e a psicologia se constitui como ciência; o homem, então, se torna
objeto de análise científica. A ciência do final do século XIX, na autoridade
de seu próprio saber e porta-voz dos ideais positivistas de "ordem e progresso",
assume o papel de agente normalizador do Estado e tem livre acesso ao espaço privado da família e da vida
individual. Em O Alienista, publicado
nessa época, as teorias de Simão Bacamarte, colocam a ciência acima de qualquer
valor humano. Machado de Assis veio,
através dessa obra ? fazendo aquilo que Barthes (2001) chama de "trapacear com
a língua" ?, criticar ou ironizar os exageros da ciência que permeavam a época.
Machado,
em O Alienista, não se limita em
trazer à tona o discurso da loucura, mas de forma irônica ele também critica o
poder da ciência e a hipocrisia de uma sociedade que acreditava na superioridade
da medicina europeia ao ponto de deixar que suas vidas fossem transformadas por
um cientista.
A
ciência não é tratada em O Alienista,
em seus aspectos como uma episteme. O que Machado traz em seu conto é a questão
do poder gerado por essa episteme. Luiz Costa Lima diz que, "Bacamarte se apresenta como a própria
encarnação do clichê do cientista, sobretudo o médico, que o século XIX
forjou" (LIMA, 1991, sp). Machado se preocupa em levantar questões como
a de que poder é esse da ciência, que lhe atribui privilégios ao ponto de poder
interferir na vida das pessoas sem que seja questionada? Machado está bem à
frente de seu século, por, assim como Foucault, questionar os métodos
utilizados pela ciência e o poder do discurso científico, como verdade
inquestionável.
Simão Bacamarte se inclina em buscar
por uma norma que estabeleça com rigor os limites entre a loucura e a razão.
Diz ele: "O principal, nesta minha obra da Casa Verde, é estudar
profundamente a loucura, os seus diversos graus, classificar-lhe os casos,
descobrir enfim a causa dos fenômenos e o remédio universal" (ASSiS, 2007 p. 10 ). Esse rigor, de
acordo com Foucault, seria impossível de ser estabelecido, pois para ele os
conceitos são construídos historicamente, logo se modificam com o tempo.
Foucault então coloca em xeque qualquer certeza científica e com isso o próprio
conceito de loucura. Derrida (2001) também desconstrói esses limites, pois para
ele, assim como para Foucault, a verdade depende do contexto histórico. Derrida
(2001) questiona a lógica binária de que ou existe uma coisa ou o seu oposto.
Portanto, segundo a teoria de Jacques Derrida, qualquer conceito que defina os
limites entre loucura/razão, verdade/falsidade, científico/empírico, seria
desconstruído, pois haveria uma terceira alternativa para definir essas
oposições binárias e essa relação de hierarquia que permeava o pensamento
ocidental:
Fazer justiça a essa
necessidade significa reconhecer que, em uma oposição filosófica clássica, nós
não estamos lidando com uma coexistência pacífica de um face a face, mas com
uma hierarquia violenta. Um dos dois termos comanda (axiologicamente,
logicamente etc.), ocupa o lugar mais alto. Desconstruir a oposição significa,
primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia (DERRIDA, 2001, sp).
Simão
Bacamarte toma como verdade um discurso baseado na episteme européia e tenta
aplicá-lo em Itaguaí, provocando um deslocamento do discurso científico frente
aos problemas de sua aplicação em outro contexto. Através dessa obsessão pela
ciência e do alcance desta na vida de Itaguaí, Machado de Assis faz em O Alienista uma crítica à importação de
ideias no Brasil. Michel Foucault, em Arqueologia
do Saber, também questiona essa importação epistemológica e acrescenta:
(...)
uma descoberta, o remanejamento de um método, a obra de um intelectual - e
também seus fracassos - não têm a mesma incidência e não podem ser descritos da
mesma forma em um e em outro nível, onde a história contada não é a mesma
(FOUCAULT, 2008, p. 5).
Machado
de Assis trata de forma irônica a questão do poder do discurso científico. Em
virtude desse poder nada foi feito para libertar os prisioneiros da Casa, o que
se deu somente conforme a vontade do cientista, quando ele, em posse do poder
que a ciência lhe concedia, julgou que assim deveria agir. Machado contesta as
teorias científicas como verdades inquestionáveis, utilizando-se também de sua
ironia, através das próprias certezas de Simão Bacamarte, quando ele se vale da
ciência até para escolher sua esposa:
D. Evarista reunia condições fisiológicas e
anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente,
tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar‑lhe filhos
robustos, sãos e inteligentes. (ASSIS, 2007, p. 7)
A ironia está
justamente no fato de que contrariando as certezas de Simão Bacamarte, D.
Evarista não lhe deu filhos.
Em
se tratando de ironia e cientificismo, podemos, aqui, fazer um paralelo com a
obra de Lima Barreto, A Nova Califórnia
(1916), na qual o autor não só ironiza a ciência, como também critica o
comportamento humano e a hipocrisia de uma sociedade em que pessoas tidas como
ajustadas aos padrões desta, passem por cima de valores arraigados como
família, respeito.
O
conto é uma paródia dos relatos sobre a "Corrida do Ouro" nos Estados Unidos no
final do século XIX. Assim como em O
Alienista, A Nova Califórnia também
se passa em uma cidade fictícia no interior do Rio de Janeiro, sendo que aqui a
cidade é Tubiacanga. A cidade recebe um novo morador, o químico Raimundo
Flamel, que se diz capaz de fabricar ouro a partir de ossos humanos.
Tanto
em Machado de Assis quanto em Lima Barreto, encontramos exemplos evidentes de
ironia e crítica à ideologia positivista do final do século XIX e início do XX e
ambos criticam o cientificismo que dominava o pensamento da época, além dos
aspectos sócio-políticos. Em A Nova
Califórnia, essa crítica irônica está no fato de toda uma população
acreditar em uma ideia absurda, por ela partir de um cientista, de um homem que
a sociedade considerava sábio. Fato esse, que levou todos os moradores da
cidade, exceto o bêbado, a saírem enlouquecidos até o cemitério em busca de
ossos de defunto para fabricarem ouro e houve muitas brigas e mortes, mesmo
entre os familiares, por causa da ambição desmedida. Essa crítica de Lima
Barreto, também se faz ao materialismo que dominava a época, que levou os
homens ao interesse e devoção pelas coisas materiais.
Itaguaí
não fazia caso dos loucos; os mais furiosos eram trancados em casa e os mansos
andavam livremente pelas ruas, até que o cientista resolveu "agasalhar e tratar no edifício que ia
construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades" (ASSIS,
2007, p. 8). Vemos aí uma relação com a história da loucura.
Para
compreendermos melhor como foram criados ao longo dos tempos, os vários
conceitos que se formaram em torno da loucura e o porquê de se mostrar aqui, a
crítica e a ironia de Machado de Assis, com relação ao modo como a loucura era
encarada pela dita ciência positiva do século XIX, faz-se necessário, um
passeio pela história da loucura desde sua época mais remota. Para tal, nos
debruçaremos em dois livros: A história
da loucura: na idade clássica e Sortilégios
do avesso: razão e loucura na literatura brasileira, de Michel Foucault e
Luzia de Maria, respectivamente.
No
mundo antigo, a loucura estava ligada ao sobrenatural e era concebida como uma
maldição divina. Para o povo hebraico, ela era enviada por Deus como castigo à
desobediência. Luzia de Maria (2005) cita um trecho da Bíblia que explica uma
das origens de tal concepção: "(...) se
não ouvires a voz de Jeová, teu Deus, Ele te ferirá de loucura e de cegueira e
de desnorteamento de espírito". Nesse trecho, Moisés adverte o povo sobre
os perigos da desobediência.
Na
Grécia antiga, a concepção de loucura, representada nas tragédias gregas, é
advinda dos deuses. Em As bacantes,
de Eurípides, Agave mata o próprio filho, Penteu, rei de Tebas, em um acesso de
loucura enviada pelo deus Dionísio (Baco), que queria vingar-se de Penteu, por
este ser contra o culto dionisíaco. Em Sófocles também encontramos a loucura
enviada por um deus: Ájax almejava receber a Armadura de Aquiles, pois
considerava-se o maior herói de Tróia, porém o prêmio foi concedido a Ulisses.
Irado, decide vingar-se, mas Atena, deusa preferida de Ulisses, faz Ájax
investir contra animais, enxergando neles as pessoas de quem queria vingar-se.
Encontraremos mais exemplos dessa concepção de loucura, em outras tragédias de
Eurípides, como Medeia e Orestes. Assim era representada a
loucura nos palcos gregos.
Fora
dos palcos, podemos explicar a loucura na Grécia antiga, pela ótica de Platão,
que a classificava em dois tipos de demência: uma representada por um mal em
que a alma perde o domínio da razão, e a loucura inspirada pelos deuses. Esta
última, segundo Platão, seria propícia ao homem, pois se cultivada poderia ser
um grande potencial a ser usado em benefício da humanidade: "(...) muitos dos nossos bens nascem da
loucura inspirada pelos deuses" (PLATÃO, apud, MARIA, 2005, p. 41). Esse pensamento de Platão irá, na Idade
Média, influenciar Erasmo em seu Elogio
da Loucura.
Um
grande mal assola toda a Europa Medieval: a lepra. Na segunda metade do século
XIII, havia mais de 2000 leprosários registrados, só na França, e espalhados
pela Europa, havia milhares deles. Dentre eles, os dois maiores encontravam-se
em Paris: Saint-Germain e Saint-Lazare, que mais tarde se tornarão palco de um
outro grande mal. Os leprosos eram excluídos do convívio social com incentivos
da Igreja, que considerava a lepra uma manifestação da ira e da bondade de
Deus:
Meu companheiro, diz o ritual da Igreja de Viena, apraz ao Senhor que
estejas infestado por essa doença, e te faz o Senhor uma grande graça quando te
quer punir pelos males que fizeste neste mundo (FOUCAULT, 2010, p. 6).
O temor da população, acrescentada à vontade da Igreja em manter a
sociedade livre da ameaça da lepra, fizeram com que estes doentes fossem
segregados e enclausurados em leprosários, sem nenhuma perspectiva de cura. A
Igreja assegurava que o abandono era para os leprosos, a salvação, pois era a
única maneira do doente recuperar a comunhão com Deus.
Segundo
Foucault (2010), no final da Idade Média, com o fim das Cruzadas, desaparece a
lepra. Os leprosários serão praticamente
esquecidos por quase dois séculos. Enquanto isso, como era a relação com os
loucos?
Na
Renascença, a loucura tinha relação com o saber, mas um saber que não era
desejado pelo homem ocidental. Algumas cidades da Europa, principalmente na
Alemanha, colocavam os loucos em naus para que fossem levados embora,
possivelmente como medidas de expurgo. Muitas cidades da Europa viam com
frequência essas naus de loucos atracarem em seus portos. Algumas cidades da
França e até mesmo da Alemanha tinham um lugar para acolher os loucos, como é o
caso da famosa Torre dos Loucos de Caen. Supõe-se que cada cidade aceitava
cuidar dos loucos cidadãos, porém, em lugares onde havia uma maior concentração
de loucos, a maioria deles não era autóctone e esses eram escorraçados.
Surgem
nessa mesma época, os lugares de peregrinação, como o exemplo de Gheel;
Foucault (2010) aponta para a possibilidade de que algumas dessas naus de
loucos, que assombraram o início da Renascença, tenham sido naus de
peregrinação (subvencionadas pelas cidades ou hospitais; Foucault (p.10) cita
em nota de rodapé uma conta do hospital Hôtel-Dieu, que consta o lançamento de
uma dessas subvenções), navios simbólicos de insanos em busca da razão. Luzia
de Maria (2005), porém, apoiada em Jacques Heers, diz que essas viagens nada
têm a ver com as peregrinações de doentes que atravessavam o rio Reno em
direção a Gheel (Ghel em seu livro).
Outras
cidades, contudo, como Nuremberg, recebiam em grande número esses insanos,
porém não como peregrinos; eles eram deixados por marinheiros, levados de
cidades que queriam purificar-se de sua presença.
Há
várias significações que giram em torno da loucura e de sua circulação na época
da Renascença: peregrinação em busca de cura, cujo objetivo seria a utilidade
social; exclusão, pensando-se na segurança dos cidadãos; ou exílios rituais, em
que os loucos ? considerados impuros e tinham seu acesso à igreja, proibidos ?
eram chicoteados publicamente numa espécie de jogo e eram escorraçados da
cidade a bastonadas.
Como
vimos, há muitos signos envolvendo a loucura e o louco na Europa Renascentista,
que gerará outras significações, mitos e símbolos que influenciarão pintores e
escritores. No fim da Idade Média a loucura torna-se tema da literatura, "nas farsas e nas sotias, as personagens do
Louco, do Simplório, ou do Bobo assume cada vez maior importância"
(FOUCAULT, 2010, p. 14). Na literatura erudita não é diferente, o louco está no
centro da verdade e da razão.
Em
1492, Sebastian Brant compõe a Narrenschiff,
poema que faz alusão às viagens dos loucos. Em sua nau, embarcam vários vícios
da humanidade. Poucos anos depois, surge a Nau
dos Loucos de Jerônimo Bosch, um quadro de um barco estranho deslizando
pelos rios da Renânia. Em 1509, Erasmo escreve o seu Elogio da Loucura ? uma
sátira à Igreja Católica e a todas as veleidades e vicissitudes humanas ? na
qual a loucura é a personagem principal e elogia a si mesma.
Até
meados do século XV o medo da morte e do fim do mundo assombra o homem
ocidental. A partir daí, a preocupação
com a morte é substituída pelo medo da loucura, uma vez que esta é a presença
da morte. Nesse sentido torna-se a loucura uma continuação da lepra. Vê-se
representada na pintura de Bosch o simbolismo que gira em torno da loucura e os
medos que ela representa, uma vez que para o homem da Renascença o louco detém
um saber inacessível e temível. A árvore do paraíso ? símbolo do saber, um
saber proibido ? ela que se balança sobre a Nau
dos Loucos de Bosch. O saber dos loucos prediz o reino de Satã e o fim do
mundo. Essa é a experiência da loucura a que Foucault (2010) denomina
"experiência trágica".
Em Elogio da Loucura, a loucura rege todas
as fraquezas humanas. "Corifeu
inconteste, ela as guia, as anima e as batiza":
Reconheçam-nas aqui, no grupo de minhas
companheiras... A que tem as sobrancelhas franzidas, é Filáucia (o
Amor-Próprio). Aquela que vocês veem rir com os olhos e aplaudir com as mãos é
Colácia (a Adulação). A que parece meio adormecida, é Leté (o Esquecimento). A
que se apóia sobre os cotovelos e cruza as mãos, é Misoponia (a Preguiça). A
que está coroada de rosas e untada de perfumes, é Hedoné (a Voluptuosidade).
Aquela cujos olhos erram sem se fixar é Anóia (o Estouvamento). A que tem
bastante carne e se mantém próspera é Trifé (a Indolência). E entre essas
jovens mulheres, eis dois deuses: o do Bem-Comer e o do Sono Profundo (ERASMO, apud, FOUCAULT, 2010 p. 23).
Segundo
Foucault, a loucura em Erasmo está atribuída a tudo que há de mau no homem, mas
ao mesmo tempo, ela é útil à sabedoria, pois se reina sobre o mal, reinará
também sobre o bem que esse mal possa fazer. Ela reina sobre a "ambição que faz
os sábios políticos", sobre a "avareza que gera riquezas" e sobre a curiosidade
dos cientistas. Em Brant a loucura também tem essa relação ? não obscura como
em Bosch ? com o saber. O primeiro canto da Narrenschiff
é dedicado aos livros e aos sábios. Estes também terão seu lugar garantido
entre os loucos em Elogio da Loucura.
Essa é a experiência da loucura a que Foucault denomina "experiência crítica",
que servirá de base para as experiências modernas sobre a loucura.
A
partir de meados do século XVII, a loucura é tida como algo oposto de modo
absoluto à razão e os loucos são excluídos da sociedade. Na era clássica,
surgiram as grandes casas de internação, cujos objetivos aparentes seriam a
caridade e castigo moral. Os pobres desempregados, vagabundos, miseráveis ?
cuja miséria era vista pela Igreja, como castigo de Deus, devido à vida profana
? doentes venéreos (considerados devassos) e todos, que a Igreja ou a burguesia
europeia, considerassem como praticantes de profanação ou de crime contra a
ordem, eram levados às casas de internação. Esse internamento se justificava
por duas vezes: a título de benefício e de punição. Esses asilos, um século e
meio mais tarde, se tornarão os campos fechados da loucura, e é onde os loucos
serão encontrados por Pinel (de quem falaremos mais à frente).
Devido à crise econômica,
que vinham enfrentando os países europeus no século XVII, havia muitos
desempregados, vagabundos, bêbados, vivendo na ociosidade. Em 1656 foi
decretada a fundação do Hospital Geral (agrupamento de diversos
estabelecimentos já existentes, sob uma única administração) em Paris com a
tarefa de impedir "?a mendicância e a
ociosidade, bem como as fontes de todas as desordens?" (FOUCAULT, 2010,
p. 64) e outras casas foram criadas em outras cidades da França e também da
Alemanha e Inglaterra com o mesmo objetivo. A Igreja apóia o movimento e até
mesmo antes do decreto do Hospital Geral, reorganiza Saint-Lazare e funda a
Caridade de Paris no Saint-Germain, dois dos maiores dos antigos leprosários de
Paris. A título de combater essa ociosidade, os internos são submetidos ao
trabalho, justificados como castigo e para pagar a alimentação, o que ao mesmo
tempo, ajudaria às cidades a superar a crise, pois se conseguia desta forma,
movimentar o mercado com mão-de-obra a custos baixos:
Todos
os pobres que são capazes de trabalhar devem fazê-lo durante os dias de
trabalho, tanto para evitar a ociosidade, que é a mãe de todos os males, como
para acostumar-se ao trabalho e também ganhar parte de sua alimentação
(LALLEMAND, apud, FOUCAULT, 2010 p.
69).
Trabalho e ociosidade
demarcaram na era clássica uma herança, que substituiu a "grande exclusão da
lepra". O asilo ocupou o lugar do leprosário. Nesses lugares de ociosidade,
nesse espaço inventado pela sociedade que a loucura vai aparecer. O século XIX
exigirá que se confiram aos loucos esses lugares nos quais cento e cinqüenta
anos antes, eram reservados aos miseráveis, vagabundos, desempregados.
Os loucos tinham um lugar
junto a esses miseráveis, mas por serem incapazes para o trabalho, houve a
necessidade de conferir-lhes um regime especial. A grande internação aponta o
momento em que se percebe a loucura em meio à pobreza, à incapacidade de
produzir e de integrar-se à sociedade. Na era clássica, a loucura é percebida
por uma condenação ética da ociosidade, e a sociedade passa a rejeitar toda
forma de inutilidade social; e nesse mundo delimitado pela ética do trabalho, o
louco não terá lugar.
As casas de internação, que
a princípio foram criadas sob a máscara de instituições para caridade e
correção, cada vez mais demonstram seu caráter segregador. Ao final do século
XVII, encontravam-se no Hospital Geral, devassos, dissipadores, homossexuais,
blasfemadores, loucos, doentes venéreos e toda a diversidade de uma população
rejeitada pela sociedade europeia.
Os doentes venéreos e os loucos
conviveram durante cento e cinquenta anos num espaço de uma mesma prisão.
Segundo Foucault (2010), as Petites-Maisons da Rua de Sévres eram praticamente
reservadas aos insanos e doentes venéreos, até quase o final de século XVIII. A
era clássica encontrou no internamento "uma
pátria e um lugar de redenção, comuns aos pecados contra a carne e às faltas
contra a razão" (FOUCAULT, 2010, p. 87).
A loucura, vizinha do
pecado; e é por isso que até hoje, tem-se a crença de que o alienado é vítima
do destino em razão do pecado. Foi nesse terreno que a ciência "positiva" criou
suas alianças em torno da loucura; alianças que se estabeleceram a partir do
racionalismo que permitiu a confusão entre castigo e remédio. A loucura passa a
ser suprimida por um duplo isolamento ? físico e mental ? que serão a fórmula
dos primeiros hospícios do século XIX, na qual Pinel assegurou antes que "?às vezes é bom abalar fortemente a
imaginação de um alienado e imprimir-lhe um sentimento de terror?" (PINEL, apud, FOUCAULT, 2010, p. 88). Só com
Pinel, a partir dos fins do século XVIII é que a loucura passa a ser encarada
como doença e não mais como maldição. Ele procurou na ciência a explicação para
os problemas mentais e nomeou os vários tipos de doenças relacionadas à mente
que serviram de base para os estudos da patologia psiquiátrica. Pinel encontrou
os loucos acorrentados nas salas do Hospital Geral; os libertou das correntes,
mas não do isolamento. Eles continuaram sendo retirados do convívio social e
colocados em um outro espaço, onde permanecem segregados e separados da família
e da comunidade; esse espaço é representado pelos asilos e manicômios. Sobre isso, Foucault diz:
Se em nossa época alguma coisa revalorizou um
pouquinho o status do louco, foi o surgimento da psicanálise e dos psicotrópicos.
Mas essa abertura apenas começou. Nossa sociedade continua excluindo os loucos.
Quanto a saber se este é o caso apenas nas sociedades capitalistas, e o que
acontece nas sociedades socialistas, meu conhecimento sociológico não é
suficiente para fazer uma avaliação (FOUCAULT, 1999a, p. 242).
Foucault (2010) conclui que
toda a organização da episteme da psicologia moderna está arraigada nessa
triste postura em relação à loucura, e que, como todas outras epistemes, também
a psicologia baseia-se na crueldade. Para exemplificarmos tal crueldade, podemos
novamente recorrer a Lima Barreto, agora com sua obra O cemitério dos vivos inspirado em Dostoiévski, mas totalmente
autobiográfico:
Chamava-me você e me
deu cigarros. Da outra vez, fui para a casa-forte e ele me fez baldear a varanda,
lavar o banheiro, onde me deu um excelente banho de ducha de chicote. Todos nós
estávamos nus, as portas abertas, e eu tive muito pudor. Eu me lembrei do banho
de vapor de Dostoiévski, na Casa dos Mortos. Quando baldeei, chorei; mas
lembrei de Cervantes, do próprio Dostoiévski, que pior deviam ter sofrido em
Argel e na Sibéria (BARRETO, 1956, sp).
Nesse romance, que
não foi terminado, Lima Barreto registra suas experiências, enquanto esteve
internado pela segunda vez no manicômio por alcoolismo. Pelo viés da personagem
Vicente Mascarenhas, homem frustrado, depressivo e alcoólatra, Lima Barreto
narra os infortúnios pelos quais passou nas dependências do Hospício Nacional
de Alienados, no Rio de Janeiro.
Com esse breve relato, vimos
que os discursos em torno da loucura foram organizados a partir de um conjunto
de enunciados que a descrevia. Discursos que foram se modificando ao longo do
tempo. Mesmo após a loucura passar a ser tratada como doença mental, esses
discursos não permaneceram iguais, pois até mesmo o que proferia a Psiquiatria
continuou se modificando desde Pinel até Freud.
Sob o pretexto de além de
estudar a loucura, que era seu objetivo maior, praticar também a caridade, um
dos aparentes motivos pelo qual foram criados o Hospital Geral e as demais
casas de internação na era clássica, Simão Bacamarte funda a Casa Verde e
condena àqueles que ele considerava louco, à segregação. Escondendo-se atrás de
um discurso religioso, e em nome de se praticar um bem maior, assim como o
fazia a Igreja na Europa do século XVII, o cientista convence:
?A caridade, Sr.
Soares, entra decerto no meu procedimento, mas entra como tempero, como o sal
das coisas, que é assim que interpreto o dito de São Paulo aos Coríntios:
"Se eu conhecer quanto se pode saber, e não tiver caridade, não sou
nada". O principal nesta minha obra da Casa Verde é estudar profundamente
a loucura, os seus diversos graus, classificar‑lhe os casos, descobrir enfim a
causa do fenômeno e o remédio universal. Este é o mistério do meu coração.
Creio que com isto presto um bom serviço à humanidade (ASSIS, 2007, p. 10).
Diante dos relatos sobre os
vários significados que foram criados em torno da loucura, vemos a ironia com
que Machado discute em O Alienista, a
questão das fronteiras entre loucura e razão. Para Simão Bacamarte tudo é
explicado por meio da razão e ele queria conhecer seu limite exato, para isso
cria suas próprias teorias:
Supondo o espírito
humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a
pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os
limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as
faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia. (ASSIS, 2007, p. 19)
De acordo com Foucault, o modo pelo qual o alienista
criava suas teorias é questionável, pois era baseado em um saber que não
resulta daquilo que se acreditava que fosse verdade (verdade baseada em
elementos que Foucault considerava indispensáveis à constituição de uma
ciência), mas em um saber que era concluído a partir de singularidades:
(o saber da
psiquiatria, no século XIX, não é a soma do que se acreditava que fosse
verdadeiro; é o conjunto das condutas, das singularidades, dos desvios de que
se pode falar no discurso psiquiátrico) (FOUCAULT, 2008, p. 204).
Quando o alienista resolve
acolher todos os loucos na Casa Verde, a população de Itaguaí enxergou nele,
sintomas de loucura: "A idéia de meter os
loucos na mesma casa, vivendo em comum, pareceu em si mesma sintoma de
demência, e não faltou quem o insinuasse à própria mulher do médico"
(ASSIS, 2007, p. 8, 9). Machado de Assis zomba do saber científico, através da
figura do cientista representada por Simão Bacamarte, e coloca esse saber bem
próximo à loucura assim como era nos séculos XVI e XVII: "A sabedoria e a loucura [diz Charron] estão muito próximas. Há apenas
uma meia-volta entre uma e outra" (CHARRON, apud, FOUCAULT, 2010 p. 34).
Ironicamente, ao perceber que não conseguira chegar a uma conclusão
sobre os limites entre razão e loucura, o alienista enterna-se a si próprio.
Esse pensamento, que
colocava a razão bem próxima da loucura, Foucault (2010) nos mostra também com
Montaigne, que após visitar Tasso em seu delírio, reflete sobre a possibilidade
de sua loucura estar atribuída "a sua
vivacidade mortífera", "à clareza que
o cegou", "à exata e terna apreensão
da razão que o fez perder a razão" (FOUCAULT,2010, p. 35).
Apesar de Simão Bacamarte se
encerrar na Casa Verde, ele não admite que os sintomas da loucura possam estar
nele mesmo. Como nos revela a narrativa de Machado, o cientista via em si "os característicos do perfeito equilíbrio
mental e moral" (ASSIS, 2007, p. 56). Ele até pensa na possibilidade de ser
ele o mentecapto, mas logo duvida e conclui que era ilusão. Nesse sentido,
podemos retomar um pensamento de Michel Foucault sobre a loucura do homem:
Tal
é a pior loucura do homem: não reconhece a miséria em que está encerrado, a
fraqueza que o impede de aproximar-se do verdadeiro e do bom; não saber que
parte da loucura é a sua (FOUCAULT, 2010, p. 33).
Com relação ao próprio conceito de loucura, já
visto anteriormente e outra vez retomando Foucault, porém agora em Arqueologia do Saber (nessa obra, ele
faz uma "arqueologia" desse conceito para descobrir como a ciência encarava a
loucura em cada época) verificamos que ao longo do tempo, vários conceitos
foram construídos a seu respeito e que a ciência contradizia aqueles que por
ela, haviam sido anteriormente determinados.
6. LINGUAGEM E PODER
A linguagem é um lugar onde
se materializa ou onde se realiza os efeitos de significação. Há na linguagem uma "relação de forças",
segundo a qual, "o lugar a partir do qual
fala o sujeito é constitutivo do que ele diz" (Orlandi, 2007, p. 39). Assim,
se o sujeito que fala é um médico ou cientista, suas palavras terão
significações diferentes daquelas proferidas por um indivíduo que não esteja
ocupando um lugar de força. A fala do cientista significa mais que a fala do
leigo.
Nesse jogo, ocorre o que
Orlandi (2007) chama de "formações
imaginárias". A imagem, que o sujeito projeta na sociedade, determina sua
posição discursiva. O mesmo ocorre com o objeto do discurso. Essas imagens
produzidas do sujeito, bem como as do objeto do seu discurso, em um contexto
social e histórico, que determinarão as significações produzidas por esse
discurso. Em outras palavras, temos a imagem da posição de quem fala (por
exemplo, o cientista), mas também da posição de quem ouve (o interlocutor) e
também da posição do objeto do discurso (do que se fala). Tudo isso é, pois,
segundo Orlandi (2007, p. 40), "um jogo
imaginário que preside a troca de palavras".
Assim, podemos entender como
as relações de força fazem funcionar um discurso em uma sociedade, cujas
relações são hierarquizadas e mantidas por um poder determinado na posição
projetada pela imagem. O jogo imaginário determina a ideologia. É a ideologia
que possibilita a relação entre o que se fala e o do que se fala, cujas
condições encontram-se na língua e no processo discursivo; possibilita, também,
"a relação entre o pensamento, a
linguagem e o mundo. (...) Desse modo o sujeito se constitui e o mundo se
significa. (...) a ideologia se materializa na linguagem" (Orlandi, 2007,
p. 96).
Vimos em poucas palavras
como se dá a formação de um discurso e, a partir dele, de uma ideologia. A
ciência, para se constituir como tal e promover sua ideologia, precisa criar
novos conceitos e novas relações entre os conceitos, para que dessa forma o
saber científico adquira sua identidade ? que é essencial para a formação do
cientista ? e assim, a partir de uma linguagem que lhe é própria, se estabeleça
a verdade, entendendo-se por verdade o "conjunto
de regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao
verdadeiro, efeitos específicos de poder" (Foucault, 2004, p.13).
Nesse sentido, o papel do
sujeito do discurso ? em O Alienista representado
principalmente na figura do médico-cientista Simão Bacamarte ? e a posição que
ele ocupa na sociedade são determinantes nas relações de poder que estabelecem
a verdade. Segundo Foucault (2004), cada sociedade, com seu regime de verdade,
acolhe certos discursos e os faz funcionar como verdadeiros. O alienista exerce
a função do intelectual específico, a que se refere Foucault (2004), que
adquire grande importância, na medida em que ele veicula uma ideologia
cientificista responsável pelos efeitos dos discursos que produzem a verdade.
Esse intelectual, conhecedor
da linguagem e fazendo dela objeto, aplica os métodos do saber ao âmbito da
objetividade. Em Foucault (1999), vemos a linguagem como mediação necessária
para que o conhecimento científico se manifeste no discurso. Discurso que se
define, segundo Orlandi (2007), de acordo com uma dada formação ideológica que
determina o que pode e deve ser dito.
O
século XIX preocupou-se em tornar a linguagem científica, "o reflexo exato, o duplo meticuloso, o espelho sem nebulosidade de um
conhecimento (...). É o sonho positivista de uma linguagem que se mantivesse ao
nível do que se sabe (Foucault, 1999, p. 410). Um exemplo desse tipo de linguagem
utilizada para a manifestação do poder é o discurso de Simão Bacamarte, que
convence pelo hermetismo inerente ao cientificismo e, por esse motivo, acaba
sendo tomado como verdade:
?Trata‑se de coisa mais alta, trata‑se de uma
experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar
desde já a minha idéia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma
investigação constante. Trata‑se, pois, de uma experiência, mas uma experiência
que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até
agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um
continente (ASSIS, 2007, p. 17).
A linguagem, por vezes, é
utilizada como instrumento de manipulação e poder. É o que acontece nos
discursos científico e político de Simão Bacamarte e do barbeiro Porfírio,
respectivamente. Uma pessoa despreparada, mas astuta como Porfírio, que sabe
fazer uso da linguagem, pode dominar uma população.
Em O Alienista, percebemos o poder da linguagem no discurso do
barbeiro Porfírio ao usar a língua no seu registro mais rebuscado, porém vazia,
como modo de manipulação. Discurso, aliás, que ele próprio não dominava: "? essa Bastilha da razão humana, ?
expressão que ouvira a um poeta local e que ele repetiu com muita ênfase" (ASSIS,
2007, p. 31). Machado de Assis veio por meio também da linguagem, criticar e
ironizar o uso desta como instrumento de poder. Ele utilizou a linguagem, não
como era comum no século XIX, tomada como objeto de conhecimento, mas uma que
surgiu alhures, de forma independente, que se referia pura e simplesmente ao
ato de escrever. Essa linguagem, que surge silenciosa, que se diz por ela
mesma, é a literatura.
Outro discurso do barbeiro, também carregado
de ironia e sarcasmo machadianos para criticar o discurso político, que por
meio de estratégias manipuladoras tenta (e consegue) persuadir a população de
Itaguaí, é o discurso pela destruição da Casa Verde que culminou na tomada do
governo:
Meus amigos, lutemos
até o fim! A salvação de Itaguaí está nas vossas mãos dignas e heróicas.
Destruamos o cárcere de vossos filhos e pais, de vossas mães e irmãs, de vossos
parentes e amigos, e de vós mesmos. Ou morrereis a pão e água, talvez a
chicote, na masmorra daquele indigno. (ASSIS, 2007, p. 34)
Segundo Giménez (apud, Karan, 2003), o discurso político se
relaciona com o poder e com tudo o que está em jogo na esfera do poder. Ele estabelece
os objetivos e projetos considerados valiosos para a organização da vida social.
Em sentido estrito, o discurso político é o discurso produzido no interior da arena
política, ou seja, em dispositivos onde se desenvolve o jogo de poder.
De acordo com Barthes (1999),
a linguagem produzida pelo poder é uma linguagem de repetição. As instituições
são máquinas repisadoras e o poder político nada mais faz além de repetir os
mesmos discursos a fim de manter um estereótipo em nome de uma ideologia. Seguindo
essa linha, Derrida, em A Farmácia de
Platão, também traz essa questão e diz que o que é verdade e o que não é,
são uma espécie de repetição e nesse sentido estamos diante de uma aporia:
A tautologia é a vida só saindo
de si para voltar entrar em si. Mantendo-se junto a si na mnéme, no lógos e na
phoné. Mas, por outro lado, a repetição é o próprio movimento da não-verdade: a
presença do ente perde-se nele, dispersa-se, multiplica-se por minemas, ícones,
fantasmas, simulacros etc. Por fenômenos, desde então. E esta repetição é a
possibilidade do devir sensível, a não-idealidade. Do lado da não-filosofia, da
não-memória, da hipomnésia, da escritura. Aqui a tautologia é a saída sem
retorno da vida fora de si. Repetição de morte. Despesa sem reserva. Excesso
irredutível, pelo jogo do suplemento, de toda intimidade a si do vivo, do bem,
do verdadeiro (DERRIDA, 2005, p. 122).
O valor de um discurso
está diretamente ligado ao valor de quem o profere diante da sociedade, ou
seja, ele (o discurso) é reflexo do poder e da autoridade de quem o mantém nas
relações sociais.
Vemos no discurso do
barbeiro, a linguagem utilizada como expõe Gnerre (1991), para comunicar ao
ouvinte a posição que o proferidor ocupa de fato ou acha que ocupa na
sociedade. Porfírio fala para ser ouvido e para ser respeitado e também para
exercer uma influência sobre os moradores de Itaguaí. "O poder da palavra é o poder de mobilizar a autoridade acumulada pelo
falante e concentrá-la num ato linguístico" (BORDIEU, apud, GNERRE, 1991).
Apesar dos discursos serem
diferentes, o ponto de convergência entre os discursos do barbeiro e do
cientista está no processo de manipulação; a linguagem é usada como forma de
manipulação a partir da ignorância alheia. Nela reside "o objeto em que se inscreve o poder desde toda a eternidade humana"
(BARTHES, 2001, p. 12). A crítica pós-estruturalista questiona esse uso da
linguagem em seu caráter constituidor da verdade e questiona as relações entre
saber e poder. Michel Foucault, seguindo essa linha, critica seu uso como forma
de tomar a palavra e falar em nome da verdade e da justiça: "O problema não é mudar a consciência das
pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico,
institucional de produção da verdade." (FOUCAULT, 1993, p.14).
Barthes (2001) fala em manter
um discurso sem o impor, critica o discurso logocêntrico, quando diz que o
saber não oprime, nem a cultura desse saber, mas a imposição do discurso, essa
sim, oprime. Em outro discurso de Simão Bacamarte, agora, diante da revolta e
dos brados dos Canjicas, que foram até a frente de sua casa, para protestarem
contra sua tirania, temos mais um exemplo desse discurso autoritário, o
discurso do poder, e, como diria Barthes, "o discurso da arrogância":
Meus senhores, a
ciência é coisa séria, e merece ser tratada com seriedade. Não dou razão dos
meus atos de alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se quereis
emendar a administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas, se exigis
que me negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia convidar alguns de vós em
comissão dos outros a vir ver comigo os loucos reclusos; mas não o faço, porque
seria dar-vos razão do meu sistema, o que não farei a leigos e rebeldes (ASSIS,
2007, p. 17).
Simão Bacamarte consegue,
apenas com o poder de suas palavras, um poder calcado em um saber que não era
comum, desestabilizar a rebelião dos Canjicas, que por instantes pensaram em desistir,
contudo, foram persuadidos por um outro discurso de poder, o discurso político
e manipulador do barbeiro Porfírio.
O
Alienista denuncia as articulações entre poder e ciência através,
principalmente, das atitudes e do discurso de Simão Bacamarte, que utilizando-se
do seu conhecimento epistemológico, aliado ao poder da linguagem, coage toda
uma população a aceitar uma verdade produzida. Uma verdade que não existe fora
do poder ou sem poder, como já disse Foucault; verdade concebida a partir de
discursos que a sociedade acolhe e toma como verdadeiros. Nesse sentido,
podemos aqui apresentar duas características da verdade, apontadas por Foucault:
a
"verdade" é centrada na forma do discurso científico e nas
instituições que o produzem; (...)
A
"verdade" está circularmente ligada a sistemas de poder, que a
produzem e apóiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem.
"Regime" da verdade" (FOUCAULT, 2004, p. 13; 14).
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura tem o poder de
transpor as barreiras do tempo e ecoar, em nossas mentes, a sua voz não
autoritária nem dominadora, mas fomentadora de reflexão. Podemos dizer que
Machado de Assis, em O Alienista, usou
e abusou da possibilidade de representação da linguagem de modo a unir o saber ao
pensamento. Essa linguagem que ecoa, mas ao mesmo tempo é silenciosa,
destituída do poder que coage, cuja manifestação só tem por lei afirmar contra
todos os discursos a sua própria existência, é a linguagem literária ? a
essência da literatura.
O questionamento que se faz
possível a partir da leitura de Machado em O
Alienista, de conceitos como: verdade, poder, loucura, articulados pela
ciência por meio da linguagem, é, de certa forma, bastante pertinente aos dias
atuais. Não podemos dizer que hoje temos conclusões a respeito dessas questões,
sem incorrermos numa postura contraditória à dos teóricos pelos quais nos
embasamos para o levantamento de tais questões. Para certas perguntas, nunca
haverá respostas. O que é verdade? Já disseram que a terra era o centro do universo
e que o sol era um planeta. Gênio já foi louco e o louco já foi sábio. A
verdade existe? Há quem diga que ela não existe, mas se ela não existe, logo,
esta afirmação não pode ser verdadeira, então como diria Jacques Derrida,
caímos em uma "aporia".
Todos esses questionamentos
são possíveis a partir de O Alienista,
porém, concordando com Lima (1991), o tema central do conto é sem dúvida, a
loucura, rodeada pela busca incessante do cientista à cura dessa loucura e seus
limites com a razão. Não podemos deixar de lado os temas paralelos, que foram
essenciais para evidenciar a trama: o poder e a linguagem. A loucura, afinal, o
cerne de O Alienista, é apreendida a
partir da articulação entre: "ciência,
linguagem e poder". (LIMA, 1991, sp)
Embora haja um longo
percurso histórico entre a loucura e a literatura, é nesta ? pensada como fonte
de expressão do sujeito e transfiguração do real, ou seja, transformadora da
realidade ? que encontramos possibilidades à crítica de supostas verdades.
Assim o faz Machado de Assis em O
Alienista, ao questionar o saber da ciência-psiquiátrica do século
XIX.
8.
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