O ACORDO DE LENIÊNCIA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA: uma alternativa para coibir o crime de formação de cartel.

 

 

Jayane Antônia Alves

 

 

 

Sumário: Introdução; 1. Da necessidade de defesa da ordem econômica por força de mandamento constitucional; 2. Comentários gerais sobre o crime de formação de cartel; 3. A instituição do “acordo de leniência” no auxilio ao combate do crime de cartel; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

O presente artigo busca apresentar, inicialmente, a importância destinada à defesa da ordem econômica, fato este que é assegurado inclusive pela Constituição Federal de 1988, onde ganhou capítulo específico. E a partir de tal temática, pretende-se tecer comentários a respeito do crime de cartel, que é, dentre outros, um dos crimes que lesionam os preceitos constitucionais e legais que regulamentam a ordem econômica no ordenamento jurídico brasileiro. Pretende-se apresentar também, a instituição do “acordo de leniência”, sendo esta uma medida que visa coibir o cometimento de tal crime, conforme será demonstrado.

PALAVRAS-CHAVE

 

Crimes econômicos. Programa de leniência. Cartel.

Introdução

           

O presente trabalho tem por objeto principal a investigação a respeito do cometimento de delitos que visam lesar as determinações constitucionais e legais que versam sobre a ordem econômica brasileira, que por ser tão importante, ganhou inclusive um capítulo próprio na Constituição Federal de 1988, para regular aspectos gerais e ter a possibilidade de delegar para a legislação específica aspectos mais particulares.

Assim sendo, em um primeiro momento, cabe analisar a atenção peculiar dada pela Constituição no que toca ao estabelecimento da ordem econômica, bem como suas determinações, a relevância desta para o mercado, e a importância de sua defesa.

Ultrapassadas as considerações gerais a respeito da ordem econômica, cabe a verificação do crime de formação de cartel e suas características, de modo a apontar de que forma ele interfere no desenvolvimento da ordem econômica no Brasil.

Posteriormente, busca-se tecer comentários a respeito da instituição do “acordo de leniência”, surgido a partir da Lei nº 8.884 de 1994 e que se revela como uma alternativa pra tentar coibir o cometimento do delito supra citado, qual seja, a formação de cartel, que tanto prejudica a livre concorrência, que é um dos pilares que sustentam a ordem econômica.

Diante de tais colocações, caberá a apresentação das conclusões obtidas a partir de tal estudo, no intuito de contribuir com a comunidade acadêmica que volta sua atenção para o referido debate, além de demonstrar como se comporta o ordenamento jurídico brasileiro no que toca ao combate de condutas lesivas à manutenção e desenvolvimento da ordem econômica.

1. DA NECESSIDADE DE DEFESA DA ORDEM ECONÔMICA POR FORÇA DE MANDAMENTO CONSTITUCIONAL

Diante das constantes alterações vivenciadas pela humanidade no decorrer do tempo, percebeu-se que estas também assumiram forte influencia no que diz respeito à atividade econômica.

Como exemplo dessas modificações, pode-se voltar ao tempo e perceber os sistemas econômicos que emergiram antes do surgimento do capitalismo, o qual se sustenta até os dias atuais.

Em decorrência dessas novas instituições, achou-se necessário dispor de normas que viessem a regular esse movimento emergente, no intuito de influenciar o desenvolvimento e impossibilitar o cometimento de abusos.

No que diz respeito ao ordenamento jurídico brasileiro, o Direito Econômico revela que as primeiras constituições não traziam em seu bojo disposições concretas e específicas que correspondessem aos interesses traduzidos pela ordem econômica.

Contudo, com as transformações sociais ocorrendo no mundo e no Brasil, implicaram no Poder constituinte a necessidade de acompanhar as mesmas, o que levou na promulgação de várias constituições até chegar na Constituição Federal atual, de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã.

A Constituição atual consagra em seus dispositivos a relevância da ordem econômica, bem como aponta princípios basilares para sustentar sua instituição, além de servir como fonte para alimentar o surgimento de legislações específicas que se voltem para a regulamentação e defesa da ordem econômica.

Vale também dizer que na Constituição de 88, para traduzir a importância da ordem econômica, tal matéria conta inclusive com capítulo próprio, que apresenta, dentre outras coisas, os moldes pelos quais ela deverá de orientar, bem como em que aspectos ela irá incidir.

Desta forma, é possível dizer que a Constituição vigente traz notoriamente em seu bojo a intenção de resguardar direitos fundamentais, aos quais foi conferindo aplicabilidade imediata. Além disso, ela assegura proteção à propriedade privada de bens de produção e admite a livre concorrência na iniciativa privada.

A preocupação com a economia se mostra evidente pela invocação das seguintes condutas: inviolabilidade do direito de propriedade, livre iniciativa, livre concorrência, livre exercício de qualquer atividade econômica, função social da propriedade, desapropriação da propriedade por interesse social, planejamento central da economia, manutenção de monopólios estatais, exploração direta da atividade econômica pelo Estado, dentre outras.

No que toca à defesa da livre concorrência, como um dos pilares que sustenta a ordem econômica, cumpre mencionar que tal mandamento encontra respaldo em expressa previsão constitucional, mais especificamente no art. 170 da CF, conforme se verifica adiante:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive e mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício e qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (BRASIL, Constituição 1988, grifou-se).

Sendo assim, é possível concluir que as instituições contidas no ordenamento jurídico brasileiro buscam proibir qualquer conduta que possa vir a prejudicar a ordem econômica, enfaticamente no que diz respeito à livre concorrência.

Entretanto, mesmo com todo esse arcabouço normativo que tutela a ordem econômica e seus desdobramentos, o ser humano, no intuito de obter cada vez mais lucros e vantagens não mensura as consequências de seus atos e por vezes se utiliza de várias manobras fraudulentas para atingir seu objetivo.

Tendo em vista tal circunstância, observa-se na sociedade atual a conduta de certos empresários que, objetivando controlar o mercado, acabam fechando acordos que impossibilitam o surgimento, ou mesmo a manutenção, de empresas emergentes, que acabaram de ser abertas ou possuem pouco tempo no mercado.

Com a escassez de recursos e a impossibilidade de competir em igualdade de condições com empresas maiores, estas acabam fechando as portas rapidamente, uma vez que não conseguem se sustentar e suprir os custos para manutenção do negócio.

Não são apenas as pequenas empresas que saem em desvantagens, mas o consumidor também acaba sendo prejudicado, na medida em que pode ficar sem outras opções para garantir os produtos que deseja adquirir, já que com a supressão dos empreendimentos menores, que poderiam ter mais produtos e em um custo acessível, restam apenas os grandes empreendimentos, que congelam preços para segurar sua posição no mercado e quando conseguem seu objetivo, tornam a aumentar os valores obrigando os compradores a se submeterem a tal abuso.

Percebe-se, portanto que tal prática fere diretamente as determinações constitucionais, posto que provoca um desequilíbrio no desenvolvimento da atividade econômica, além de ainda interferir no mercado de consumo.

Diante dessas considerações, é importante comentar a respeito do crime de formação de cartel, que se constitui em uma grave afronta à ordem econômica, posto que imprime bastante interferência no princípio da livre concorrência, impedindo-o de ser exercido de forma plena.

Desse modo, mostra-se relevante tecer alguns comentários a respeito dessa modalidade criminosa, buscando conhecer o modo como ele ocorre na sociedade brasileira.

2. COMENTÁRIOS GERAIS SOBRE O CRIME DE FORMAÇÃO DE CARTEL

Tendo em vista os comentários expostos anteriormente, se faz agora necessário trazer a baila aspectos gerais no que diz respeito ao crime de formação de cartel, que se constitui como um grave delito praticado contra a ordem econômica.

Antes de mais nada, é importante mencionar que o Estado, ainda com sua visão protecionista, diante das transformações ocorridas no seio social, instituiu a Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990 que define, dentre outros, crimes contra a ordem econômica e posteriormente, instituiu também a Lei nº 8.884 de 1994, denominada de Lei de Defesa da Concorrência, e ambos normativos tem a clara finalidade de apresentar elementos para identificar práticas abusivas e apontar punições aos agentes que forem encontrados realizando tais condutas.

Cabe dizer também que o texto legal não deixa explícito o nome do tipo penal, revelando apenas como se caracteriza tal conduta, por conta disso, vale colacionar um conceito que estabelece as condutas que direcionam ao crime de formação de cartel, conforme se vislumbra adiante:

Cartel – Acordo que fazem, entre si, as empresas produtoras do mesmo gênero de negócios ou fabricantes de iguais produtos, distribuindo entre elas os mercados, visando dominá-los, controlá-los em seu benefício exclusivo, restringindo ou suprimindo a livre concorrência e determinando os preços. Diz-se da fixação uniforme de preços por indústrias da mesma categoria. Caracteriza a prática do monopólio, açambarcamento, exploração abusiva sem competidor. (DEOCLECIANO, 2011, p. 66).

Deste modo, é possível assimilar que a descrição dada para o crime de cartel recai no que é descrito no Art. 4º, inciso I, alínea “a” da Lei nº 8.137/90, revelando-se em um conjunto de atos lesivos à ordem econômica.

Vale dizer também que, por ser um acordo velado, o cartel é difícil de ser descoberto, fato este que contribui para o aumento da potencialidade lesiva que tal delito assume.

Entretanto, o Estado, utilizando-se do seu poder de polícia, instituiu um mecanismo que busca coibir a prática de tal delito, que é o acordo de leniência. Para corroborar tal posicionamento, cumpre apresentar as disposições determinadas em cartilha estatal no intuito de apresentar indícios para que tal crime possa ser reconhecido e combatido, conforme segue:

Os participantes de cartéis sabem que estão cometendo um ilícito e, por isso, se valem de manobras que criam obstáculos à sua detecção. A comunicação entre os membros do cartel ocorre, via de regra, de maneira sigilosa e com poucos rastros, o que dificulta o acesso à prova documental. Daí decorre a importância de um Programa de Leniência que, ao conceder benefícios a um membro do cartel em troca de cooperação, permite a identificação e punição da prática que traz prejuízos substanciais ao consumidor brasileiro. (BRASIL, 2009, p. 25).

Feitas estas considerações, cabe agora a análise do acordo de leniência que se apresenta como uma alternativa no combate ao crime de formação de cartel.

3. A INSTITUIÇÃO DO “ACORDO DE LENIÊNCIA” NO AUXÍLIO DO COMBATE AO CRIME DE CARTEL

Em se tratando dos crimes de formação de cartel, no qual há uma afronta a Ordem Econômica, foi criado um mecanismo no intuito de coibir tal prática. O referido mecanismo é o acordo de leniência que surgiu no Brasil devido às inúmeras denúncias acerca da cartelização na revenda de combustíveis. Adveio com a Medida Provisória nº 2.055 de 2000 e encontrava previsão nos arts. 35-B e 35-C da lei 8.884/94, atualmente é previsto pela Lei nº 12.529/11 a partir de seu art. 86 (MAZZUCATO, 2010, p. 169).

A lei supracitada adveio com o objetivo de estruturar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispor sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, alterando a regulamentação no que toca ao acordo de leniência, tendo a lei 8.884/94 sido revogada.

 Neste contexto, o acordo de leniência é aquele firmado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) com uma pessoa física ou jurídica coatora da infração contra a Ordem Econômica. Desta forma, em troca da confissão e colaboração na formação de provas capazes de condenar os outros envolvidos no delito, é fornecido a extinção da ação administrativa ou redução de 1 (um) a 2/3 (dois terços) das penalidades impostas bem como a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento de denúncia nos casos em que a infração também se enquadra em um tipo penal, podendo ocasionar a extinção da punibilidade.

Válido destacar que dentre as grandes inovações advindas com a previsão do acordo de leniência é o fato de que esta é uma hipótese em que a colaboração do réu na investigação criminal proporciona a extinção da punibilidade, ou seja, o leniente não responderá pela prática do delito.

Esse mecanismo demonstra a preocupação das autoridades em punir as condutas anticompetitivas, fornecendo assim benefício ao infrator que tenha interesse em cooperar a fim de cessar a conduta e auxiliar na condenação dos envolvidos. Como fora dito o benefício acarreta a extinção da punibilidade deste que coopera com a investigação, o que não deve ser tido como desproporcional, visto que vislumbrará a punição e a identificação de todos aqueles outros infratores (BRASIL, 2009, p. 17).

Para que o referido acordo seja eficaz, a ponto de gerar os efeitos supramencionados, é preciso o preenchimento de alguns requisitos previstos na legislação. Neste sentido, para que a pessoa física ou jurídica participe do programa de leniência necessita: ser a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação; que cesse sua participação na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; que a Superintendência-Geral não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo; e que a empresa confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

No que tange especificamente as pessoas físicas, vale mencionar que o §2º do art. 86 dispensa a necessidade de que a mesma seja a primeira a se qualificar com respeito à infração.

Conforme o §6º o acordo de leniência pode ainda ser estendido às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes, administradores e empregados envolvidos na infração os efeitos do acordo de leniência, desde que o firmem em conjunto, respeitadas as condições impostas. Tal disposição também constava na lei 8.884/94.

Com o intuito de preservar a identidade da empresa ou pessoa física leniente assim como o bom andamento das investigações, a proposta de leniência será realizada sob a forma sigilosa conforme dispõe o § 9º do art. 86, exceto no interesse das investigações e do processo administrativo. Houve ainda uma preocupação por parte do legislador quando se trata da rejeição do acordo, dispondo que a mesma não acarretará confissão quanto às matérias de fato e nem mesmo reconhecimento da ilicitude.

Dentre as inovações desta lei têm-se o fato de que não é possível a celebração de outro acordo de leniência caso este seja descumprido. Tal impedimento irá perdurar pelo prazo de três anos que serão contados da data de seu julgamento.

No que toca a esfera penal, a lei 12.529/11 estabeleceu que  a celebração do acordo de leniência suspende o curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia em relação a empresa ou pessoa física que dele se beneficia. Anteriormente este benefício só se aplicava aos crimes contra a ordem econômica com previsão na Lei 8.137/90. Com esta legislação foi ampliado aos demais crimes com relação direta à prática de cartel, tais como aqueles dispostos na lei 8.666/93. Tendo o acordo alcançado seu objetivo e sido devidamente cumprido, haverá extinção da punibilidade referente a estes crimes (PANTONI, 2012, p. 109).

Há uma dificuldade muito grande na investigação e apuração de crimes contra ordem econômica, principalmente quando se trata de crimes que afetam a livre concorrência, tais como a formação de cartéis, pois se apresentam características como o sigilo e a fraude. A interferência e cooperação dos infratores envolvidos no delito são de suma importância, o que facilita a atuação da autoridade fiscalizatória e policial (BRASIL, 2009, p. 17).

Nos crimes de formação de cartéis a fiscalização é comprometida diante da dificuldade de desmantelar os blocos de cartéis para que fossem apuradas as provas suficientes a possibilitar uma condenação tanto na esfera administrativa como na criminal. Desta forma, o mecanismo do acordo de leniência surge como incentivo à confissão e colaboração por parte de algum dos infratores envolvidos no delito, podendo assim contribuir com a apresentação de provas e indicando os outros envolvidos (PANTONI, 2012, p. 181).

O bem jurídico referente à ordem econômica é de suma importância visto que sua violação afeta a economia como um todo e no caso do crime de formação de cartéis também aos consumidores finais, aqui indeterminados. O Direito Penal no intuito de coibir condutas que lesem os bens jurídicos atua com dupla função, a repressora (estipulação da conduta e pena) e punitiva (submissão do fato a norma com a devida condenação) (DELMANTO; et. al. 2010, p. 68). Em se tratando de crimes contra ordem financeira, a função punitiva resta prejudicada diante da dificuldade de apuração dos ilícitos.

A fim de reparar tal dificuldade o legislador dispôs que aquele infrator que firmar acordo de leniência cumprindo todos os requisitos estabelecidos teria extinta a sua punibilidade. Já havia, no direito penal, casos em que é concedida redução da pena para os infratores que desejassem colaborar espontaneamente com a justiça, porém ainda não havia sido mencionada hipótese de extinção de punibilidade.

O efeito penal do acordo de leniência, qual seja, a extinção da punibilidade, é um dos grandes atrativos para aquele que deseja celebrar o acordo. Insta mencionar que o Ministério Público se faz presente em todas as fases deste acordo garantindo a efetividade penal do mesmo, evitando que uma futura denúncia possa ser interposta àquele infrator leniente. Além disso, compete ao Tribunal responsável pelo julgamento do crime, declarar extinta a punibilidade do “delator”, o que proporciona maior segurança jurídica a este último (GIACAGLIA; TAVARES, 2010, p. 80-81).

Desta forma, o acordo de leniência pode ser tido como a principal arma para auxiliar no combate aos crimes contra a ordem financeira e as condutas anticompetitivas, visto que permite a obtenção de provas que provavelmente as autoridades não teriam conhecimento e a consequente investigação dos outros envolvidos.

CONCLUSÃO

Diante do que foi exposto no presente estudo, é possível compreender que com a evolução da sociedade e surgimento de vários modelos econômicos no mundo, achou-se necessário adotar medidas que viessem a regular a ordem econômica de modo a direcionar a atividade humana de maneira estável e evolutiva.

Por conta disso que se pode perceber que as constituições modernas, tal como a brasileira, voltaram sua atenção no intuito de conferir ao Estado direitos e programas voltados especificamente ao aprimoramento do sistema econômico, como pode ser observado na atual Constituição Federal datada do ano de 1988, na qual destina um capítulo próprio para a ordem econômica, e dentro deste, apresenta-se princípios basilares que deverão ser observados para garantir a justiça social defendida por tal instituto.

Contudo, mesmo com tamanho arcabouço legislativo tendente a proteger os princípios constituintes da ordem econômica, a ambição do homem fala mais alto, e este, na ânsia de atingir cada vez mais lucros, acaba burlando as leis e se valendo de condutas desleais, forçando o consumidor a entrar no seu jogo e excluindo os mais fracos e menos favorecidos do mercado competitivo.

O crime de formação de cartel é uma dessas condutas delituosas, que sendo consubstanciada em um acordo para dominação de mercado e consequente eliminação da concorrência, prejudica a manutenção e o desenvolvimento da ordem econômica, uma vez que fere gravemente os pilares da livre iniciativa, livre concorrência e da defesa do consumidor, pois não apenas as empresas que ficam a margem desse “acordo fraudulento” sofre, mas também a sociedade que fica sem opções no mercado.

Visando coibir a prática dessas condutas, o Estado, munido de seu poder de polícia e agindo como regulador da atividade econômica, lança mão de mecanismos que tem por objetivo contribuir para a eliminação de atos que possam trazer algum tipo de prejuízo aos preceitos constitucionais e legais que regulam a ordem econômica.

Desta forma, foi criado o Programa de Leniência a partir da Lei nº 8.884/94, que buscou oferecer auxílio àqueles que participavam de cartéis, mas que já não tinham mais interesse em praticar tal conduta, e a partir de então desejavam contribuir com os sistemas de defesa da concorrência e possivelmente punir os responsáveis por tal ato.

Percebe-se, portanto, que a instituição desse sistema, que possui características que se assemelham a uma “delação premiada”, contribui de forma excepcional para desvendar a prática do crime de cartel, uma vez que este, por ser tão velado pelos agentes praticantes é, por consequência, difícil de ser descoberto.

Entretanto, o fato de que o beneficiário do acordo de leniência, se obedecidos os requisitos exigidos, poderá ter automaticamente extinta a punibilidade quanto aos crimes contra a ordem econômica previstos na Lei nº 8.137/90, é um ponto de fundamental importância para estimular a delação por parte daqueles que pretendem sair do esquema, porém, se veem coagidos ou mesmo incapazes de arcar sozinhos com as consequências de tal abandono.

Desta forma, é possível concluir que o crime de formação de cartel assola fortemente os princípios basilares que sustentam a ordem econômica no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, a instituição do programa de leniência se constitui em um fundamental aliado para coibir tal prática, assegurando a observância dos preceitos constitucionais no desenvolvimento do mercado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 31. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

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DELMANTO, Celso; et. al. Código Penal Comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

DEOCLECIANO, Torrieri Guimarães. Dicionário Compacto Jurídico. 15. ed. São Paulo: Rideel, 2011.

GIACAGLIA, Alessandro Pezzolo; TAVARES, Carolina de Castro. Efeitos Do Cumprimento Do Acordo De Leniência. Análise Do Inc. I Do § 4.º Do Art. 35-B E Do Art. 35-C, Ambos Da Lei 8.884, Dec. 11.06.1994. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 18 , p. 75, Jul. 2010.

MAZZUCATO, Paolo Zupo. Acordo De Leniência: Questões Controversas Sobre O Art. 35-C Da Lei Antitruste. Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 17, p. 169 , Jan. 2010.

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