O ABUSO DE AUTORIDADE NA ATIVIDADE POLICIAL MILITAR

 

  1. 1.    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

O policial militar, no exercício de suas atribuições ostensivas e de patrulhamento, deve dar especial atenção ao delito de abuso de autoridade, previsto na lei 4898/65, pois este crime é exemplo daqueles de difícil compreensão da fronteira legal entre a legitimidade do poder de polícia e o abuso deste. Nesse sentido dispõe Silvio Maciel:

 

Conforme já ressaltamos, é muito tênue a linha que divide a discricionariedade da arbitrariedade, razão pela qual somente a análise das circunstâncias de cada caso concreto e da intenção do agente permitem constatar se o ato consistiu abuso de autoridade ou, ao contrário, legítimo exercício do poder de polícia.

 

Destacamos também o posicionamento de Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas, os quais entendem que o crime de abuso de autoridade tem como objetivo resguardar os direitos constitucionais integrantes da cidadania contra desmandos da autoridade ou seus agentes.

Razão pela qual o nosso objetivo é explicitar, dentre as diversas modalidades de abuso de autoridade, as que são mais propensas a ser cometida pelo policial militar em suas funções, com o fito de que os alunos-oficiais possam se instrumentalizar conceitualmente acerca desses crimes evitando e/ou restringindo a sua ocorrência.

 

  1. 2.    DISPOSIÇÕES GERAIS

 

2.1.   OBJETIVIDADE JURÍDICA

 

Imediata: proteção dos direitos e garantias fundamentais das pessoas (físicas e jurídicas)

Mediata: normalidade, probidade e lisura nos serviços públicos.

 

 

2.2.       SUJEITOS DO CRIME

 

Ativo: Autoridade (crimes próprios)

Obs.: O conceito de autoridade assemelha-se ao conceito de Funcionário Público previsto no artigo 327 do Código Penal.

O civil também pode cometer o delito em tela, desde que em coautoria com a Autoridade e desde que saiba da qualidade deste.

Passivo:

Principal: qualquer pessoa física ou jurídica.

Secundário: Estado.

Obs: Uma autoridade também pode ser sujeito passivo do crime em comento. O professor Silvio Maciel nos traz os seguintes exemplos:

 

Fúncionário público é impedido por seu superior, sem justa causa de fazer suas orações antes da refeição no local de trabalho; funcionário, indevidamente, devassa correspondência perticular endereçada a outro funcionário.

 

2.3.        ELEMENTO SUBJETIVO

 

Dolo.

Inexiste a forma culposa do delito por ausência de previsão legal.

Exige-se ainda o elemento subjetivo do injusto, ou seja, o ânimo deliberado de abusar.

 

  1. 3.    MODALIDADES DO CRIME:

 

3.1.  (LEI 4898/65) ART. 3º. CONSTITUI ABUSO DE AUTORIDADE QUALQUER ATENTADO:

 

Á LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO:

 

Previsão Constitucional:

 

Artigo 5°, XV, CF - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

 

Observações:

 

     O professor Silvio Maciel dispõe o seguinte:

 

     O direito de locomoção compreende o livre exercício de ir e vir, e também permanecer em locais públicos. Qualquer restrição ilegal e sem justa causa a esse direito configura o delito em apreço, não sendo necessária nem mesmo a efetiva restrição à liberdade para que o crime se consume.

 

Aqui, o que mais nos preocupa é o fato de que, como já foi reconhecido jurisprudencialmente, pode constituir abuso de autoridade o ato do policial que ordena que a pessoa se retire de determinado local público sem haver fundamento legal e justificável para tal atitude.

 

À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO:

 

Previsão Constitucional:

 

Artigo 5°, XI, CF - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

 

Conceito legal de domicílio

 

Qualquer local não aberto ao público onde a pessoa exerça moradia (habitual ou passageira) , atividade ou trabalho, incluindo suas dependências (artigo 150, §4º do Código Penal)

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) os escritórios profissionais são considerados “casa” para efeitos penais.

Os camarotes fechados também são considerados “casa” para efeitos penais.

 

À INCOLUMIDADE FÍSICA DO INDIVÍDUO:

 

     Esse delito defende qualquer ato que coloque objetivamente em risco ou efetivamente ofenda a integridade corporal (física ou psíquica) da vítima. Pode ser vias de fato, lesões corporais ou até homicídio.

     Segundo o STF e o STJ, haverá sempre concurso material entre os crimes se o atentado à incolumidade física da vítima resultar em outro crime mais grave.

 

 

3.2.        (LEI 4898/65) ART. 4º CONSTITUI TAMBÉM ABUSO DE AUTORIDADE:

 

ORDENAR OU EXECUTAR MEDIDA PRIVATIVA DE LIBERDADE INDIVIDUAL, SEM AS FORMALIDADES LEGAIS OU COM ABUSO DE PODER

 

Previsão Constitucional

 

Artigo 5°, LXI, CF - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

 

Observações

 

Como o policial militar possui apenas atribuições ostensivas, e não judiciárias, ele apenas poderá cometer este crime no verbo sublinhado acima, ou seja, ao executar medida privativa de liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder. È nesse tipo que se enquadra a utilização de violência não necessária ou excessiva na realização da prisão e a algemação  prescindível (fora das hipóteses previstas na súmula vinculante n° 11) na mesma situação.

Se o sujeito passivo for criança ou adolescente o crime cometido será o tipificado no artigo 230 da lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA):

 

Art. 230 - Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão  sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária  competente:

Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

Parágrafo único - Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.

 

SUBMETER PESSOA SOB SUA GUARDA OU CUSTÓDIA A VEXAME OU A CONSTRANGIMENTO NÃO AUTORIZADO EM LEI

 

Previsão Constitucional:

 

Artigo 5°, III, CF - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

 

Artigo 5°, XLIX, CF - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

 

Observações

 

     Caso a conduta aqui tipificada cause à vítima apenas vexame ou constrangimento será abuso de autoridade, no entanto, se esta causar sofrimento físico ou moral, estará caracterizado o crime de tortura, como veremos adiante.

 

Sujeito Passivo

 

     Aqui, o sujeito passivo não é somente o preso, mas qualquer pessoa que esteja sob guarda ou custódia de uma autoridade.

Se o sujeito passivo for criança ou adolescente o crime cometido será o tipificado no artigo 232 da lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA):

 

Art. 232 - Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento:

Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

 

Exemplos consolidados jurisprudencialmente

 

Impor ao preso, trabalhos forçados.

Expor, desautorizadamente, a imagem do preso na mídia.

Utilizar violência desnecessária na busca pessoal

Busca pessoal em mulheres feita por policial do sexo masculino, quando a busca pessoal não for comprovadamente imprescindível.

 

  1. 4.    DISPOSIÇÕES FINAIS

 

Competência e Natureza

 

Natureza: Crime de menor potencial ofensivo

Competência: Juizados Especiais Criminais Estaduais

 

É interessante observar que o delito de abuso de autoridade não é crime militar pois não se enquadra no critério Ratione Legis encampado pelo Código de Penal Militar. Nesse sentido, para encerrar as discussões que se faziam em torno desse tema, o STJ editou a súmula 172, a qual reza o seguinte:

 

“Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”

 

Meios de Execução

 

O crime pode ser praticado no exercício da função ou em razão dela

 

Sanções

 

O crime de abuso de autoridade enseja três tipos de responsabilidades, são elas a penal, a admnistrativa e a civil.

No âmbito administrativo, será instaurado feito investigatório para apurar a suposta infração, na forma da legislação aplicável à autoridade, sujeito ativo do delito. Na Polícia Militar da Bahia poderá ser instaurado sindicância seguida de processo disciplinar sumário ou processo administrativo disciplinar, no entanto, esses dois últimos podem ser instalados sem a necessidade de prévia sindicância já que não são, necessariamente, consectários lógico desta.

No que se refere à responsabilidade penal, são três as espécies de sanções a ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, de acordo com a valoração da gravidade feita pela autoridade judiciária, são elas:

 

  1. Multa.

 

  1. Detenção por dez dias a seis meses.

 

     Alguns doutrinadores entendem que essa pena de restrição de liberdade é infíma e desproporcional à gravidade do delito de abuso de autoridade.  No entanto tal lei, além da pena de restrição de liberdade, aplica sanções pecuniária e restritivas de direitos, não sendo, pois, viável o argumento acima exposto.

 

  1. Perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública pelo período de  até três anos.

 

     Se o sujeito ativo é policial militar, o juiz ao fixar a sentença, pode ainda aplicar a pena (restritiva de direito) de proibição de o policial exercer funções policiais no minicípio onde ocorreu o crime.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei 4.898 de 1965. Lei de Abuso de Autoridade.

BRASIL. Lei 8.069 de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

FREITAS, Gilberto Passos de. Abuso de Autoridade. Ed.8. RT, 1999.

SANCHEZ, Rogério; GOMES, Luís Flávio. Legislação Especial Criminal – 2.ed. – São Paulo (Coleção Ciências Criminais).