“O ABORTO LEGAL” A legalidade do aborto de feto anencéfalo Erick Braiam Pinheiro Pacheco SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 O feto anencéfalo na realidade jurídica brasileira; 2.1 O caso de Severina; 2.2 O caso da bebe Marcela; 3 A Jurisprudência; 3.1 O respeito à dignidade da gestante; 3.2 A influencia de preceitos religiosos nos casos de aborto; 4 Conclusão. RESUMO O presente artigo tratara da situação brasileira com relação aos casos de aborto, as opiniões sociais, morais e doutrinarias. Com base na realidade do nosso país. Dentro dessa realidade serão analisados dois casos polêmicos de ambos os lados, contra e a favor do aborto do feto anencéfalo. O trabalho mostrará as posições dominantes dos tribunais com seus respectivos fundamentos. Finalmente será analisado a tese a favor do aborto anencéfalo com base no principio da dignidade humana da gestante. Por fim discutiremos a respeito da influencia religiosa nas discussões legais. Palavras-chave: Aborto anencéfalo. Princípio da dignidade da gestante 1 INTRODUÇÃO O aborto provocado por gestante ou terceiro tem sido visto como uma pratica criminosa contra a vida que merece ser penalizado. É tida como uma modalidade de homicídio, desde doutrinários até senso comum, tão polêmica é a discussão que criou o questionamento da origem da vida e até que ponto cabe a tutela estatal. Historicamente falando, essa pratica não era objeto de criminação na antiguidade apenas em algumas sociedades ocasionalmente eram punidas como entre os Hebreus e na Grécia. Em Roma por exemplo “considerava-se o produto da concepção como parte do corpo da gestante, e não como ser autônomo”(HUNGRIA, 1955, p. 263). O professor Nélson Hungria explica em seu livro que a concepção do aborto como um ato imoral foi consolidado pelo cristianismo, ainda na idade média. Essa ideia reinou culturalmente de forma absoluta por muito tempo nas regiões em que o cristianismo dominava, entretanto o médico francês Klotz-Forest surgiu em defesa da pratica do aborto nos tempos modernos. O aborto do feto anencéfalo no Brasil propiciou severos debates, alguns por que acreditam ser impensável tal conduta e outros por acreditarem que isso expõe a mulher a uma situação que a esgota fisicamente e psicologicamente. Enquanto vários países debatem o aborto de modo geral, o Brasil ainda engatinha para defender a liberdade da gestante contra um sofrimento desnecessário. 2 O FETO ANENCÉFALO NA REALIDADE JURÍDICA BRASILEIRA No Brasil, a polêmica se instaurou a cerca da legalização do aborto de feto anencéfalo é fomentada principalmente por está exposto a influências culturais morais religiosos, que reprovam tal conduta. O problema se torna mais acentuado quando tais fatores invadem o âmbito jurídico através dos operadores do direito que carregam em si um forte peso dos dogmas religiosos em suas decisões e atuações. Ao expor a vida da gestante a dores e sofrimentos desnecessários em prol de um ser possivelmente vivo ou mesmo sem nenhuma capacidade biológica de sobreviver, o Estado deixa escapar de suas obrigações o dever de proteção a vida, no caso a vida da mãe. Não há justificativas que expliquem a reprovação do aborto anencéfalo. Foi levado ao conhecimento do egrégio Tribunal argumentos tolos na tentativa de defender a manutenção da atual posição legal, que em verdade não passa de omissão. Questiona-se a origem da vida jurídica do feto e até que ponto o Estado tem obrigação para com este. A realidade é que mulheres gestantes aos olhos do Estado são criminosas pelo simples fato de não suportarem o sofrimento que é de não poder conceber uma criança com vida. O aborto eugênico é punido por nosso diploma legal, pois tem razão de ser tirar a vida do conceptus apenas pelo fato de alguém entender, baseado em cálculos de probabilidades, ser ele deficiente. Desse modo, o medico, o geneticista, o obstetra só podem afirmar que, in casu, a criança presumivelmente nascerá com taras hereditárias; presumivelmente, porque a ciência medica, em que pese seu progresso, ultra-sonografia, amostra de vilos coriais e placenta, do sangue fetal (cordocentese, dosagem de alfafetoproteína no liquido amniótico e no soro materno), é falível e nesses casos não firma diagnostico pre-natal das anomalias congênitas sempre de certeza. (CROCE JÚNIOR, p.449, 1998). O Código Penal foi promulgado no ano de 1940 em uma realidade totalmente distinta da atual, em que os avanços médicos ainda engatinhavam, o legislador não previu as numeras possibilidades de acompanhar o desenvolvimento do nascituro. O legislador, se na época fosse possível visualizar essa evolução, concerteza não tornaria ilícito a pratica do aborto eugênico. Examinado-se nosso Código Penal de 1940, constata-se que o legislador de então, ao criminalizar o aborto, não foi radical, pois admitiu como lícito, ainda que excepcionalmente, o aborto necessário e o aborto sentimental (art. 128). Isso permite concluir que, se, na época, houvesse o arsenal de conhecimento e tecnologia de hoje, provavelmente também teria a admitido o denominado aborto anencéfalo, diante da absoluta certeza da inexistência de vida, como ocorre na atualidade. (BITENCOURT, p 143, 2007). O Código Penal Brasileiro está desatualizado, ele não acompanhou as evoluções médicas. A descriminalização desse tipo penal é um resposta positiva as demandas brasileiras, pois ela não impõe a conduta apenas permite que a gestante escolha entre a sua dignidade e integridade em relação ao feto mal formado. Sabe-se que a lei não é capaz de impedir que as gestantes busquem outros meios de para prática do aborto, por ser ilegal, o fazem sem os devidos cuidados pondo em risco suas próprias vidas. Existem inúmeras clinicas clandestinas que se prestam a tais serviços e mesmo a constantes fiscalizações não impedem seu funcionamento. 2.1 O caso de Severina No Brasil, a anencefalia é a patologia mais freqüente e corresponde à quarta no ranking de incidência. Ela é a segunda mais comum do mundo. Foi publicado pela Sociedade Brasileira de Genética Clínica que a cada três horas nasce uma criança anencéfala no Brasil, totalizando oito bebês por dia. Um feto anencefálico é aquele de má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, que não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, o que o leva à morte intra-uterina em 65% dos casos, ou a uma sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. São dados aterradores sobre uma realidade mantida nas sombras. O nascituro com a anomalia congênita é denominado de morto cerebral, pois matem algumas funções básicas para sobreviver como batimentos cardíacos e respiração garças ao seu tronco encefálico. Entretanto, é pacifico o fato do recém nascido não possuir capacidades de viver por mais de alguns dias, em média sete dias. Ela é uma má-formação letal. Um caso famoso na nossa realidade é o retratado pelo documentário “Uma história Severina”. Nele é retratada a batalha de uma mulher pobre que está grávida de um bebe anencéfalo e, portanto, é esperado morto pela família. Ela então decide interromper a gestação, mas, por ser prática considerada ilícita, recorre à Justiça para que autorizem o “aborto”. Ela esperou sete meses até que o aborto fosse concedido. “O resultado? Trinta e duas horas de indução e visível sofrimento, acompanhados pela documentarista”. (ALMEIDA, 2008, p 58.) O direito, que é legitimado por nós, cumpre sua finalidade a partir do momento que consolida, entre outros direitos, condições dignas de vida. Não se observa essa função nesses casos. Até agora o direito tem ignorado o sofrimento das gestantes e se omitido em uma situação que já se tornou um problema de saúde pública. Assim como Severina, centenas de mulheres recorrem à justiça para obterem a autorização, na qual, inclusive, é concedido em grande parte dos casos alvarás para que se interrompa a gravidez. Contudo, ainda resiste o receio pela demora e até o indeferimento do pedido, o que acaba gerando uma verdade ainda mais dramática. Cerca de um milhão de abortos são feitos de forma clandestina e são altos os números de morte da gestante. 2.2 O caso da Marcela de Jesus Galante Ferreira Os estudos confirmavam a impossibilidade de um feto anencéfalo permanecer “vivo” por mais de algumas semanas, normalmente ele morre logo após nascimento. Contra todos esses dados, um bebê nascido com diagnósticos de anencéfala sobreviveu por quase dois anos, graças às fortes e contínuas medicações. Esse fato foi usado como argumento para impedir a legalização do aborto eugênico por líderes religiosos, doutrinadores e políticos. Principalmente por pôr em cheque os argumentos técnicos. Para muitos a mãe não pode dispor da vida e seu “filho” mesmo que lhe cause dor e sofrimento. O caso do bebê Marcela foi “desmitificado” pela CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde). Eles afirmaram que, na verdade, se tratou de um erro de diagnóstico. O bebê possuía cerebelo, por isso agia como uma criança comum, e possuía algumas reações normais. No periódico da Folha Online foi publicado o seguinte a respeito: Para alguns médicos, porém, houve um erro de diagnóstico no caso de Marcela. Segundo Débora Diniz Rodrigues, representante do Instituto de Bioética, Direito Humano e Gênero, a criança apresentava cerebelo, tronco cerebral intacto e parte do lobo temporal, o que descaracteriza a anencefalia. (2008, p.1) O caso marcela não pode nem ser considerado como exceção, mas sim como erro. Serviu somente para confundir o senso comum com a possibilidade de vida de feto anencéfalo. 3 A JURISPRUDÊNCIA Vários tribunais já decidiram ser a favor do aborto feto anencéfalo, pois não se caracteriza um aborto criminoso. Esse tipo de aborto, com exclusão de tipicidade, esbarra em vários aspectos, a dignidade da pessoa, a autonomia da vontade, a legalidade e a liberdade. De acordo com Luiz Flávio Gomes, vários juízes já deram liminar permitindo o aborto do feto anencéfalo. Mas para permitir o aborto nessa modalidade é preciso observar certos pressupostos, como Gomes: a) somente as anomalias que inviabilizem a vida extra-uterina poderão motivar a autorização; b) deve a anomalia estar devidamente atestada em perícia medica; c) prova do dano psicológico da gestante (p. 42, 2008) Mas o Supremo Tribunal Federal cassou a liminar que concedia o aborto anencéfalo, com isso foi novamente proibido qualquer decisão favorável ao aborto anencéfalo. 3.1 O respeito à dignidade da gestante A primeira coisa a ser entendida sobre esse tema é a própria nomenclatura equivocada, pois aborto não é o termo correto para designar a conduta da gestante. Aborto se refere ao ato de retira o nascituro com vida, provocando-lhe a morte. O mesmo não ocorre nos casos de feto anencéfalo, que o feto com morte cerebral, ou seja, o feto que nasce sem cérebro. Pressupõe a morte do feto ou a incapacidade desde de sobreviver, não podendo por tanto ser sujeito passivo do crime de aborto. Em termos bem esquemáticos, o tema limita-se a seguinte hipótese: o feto não tem cérebro e a sua vida extra-uterina é inviável, segundo comprovação medico-pericial. A expulsão do feto, nessas condições, isto é, sem vida, constitui aborto? Em outros termos, o exame da tipicidade numa posição invertida da pirâmide, exige uma analise criteriosa. (BITENCOURT, 2007, p. 145) A ausência de dois requisitos essenciais da conduta de aborto ( o feto vivo e a morte deste ser causada por meio de manobras abortivas) enseja as atuais discussões baseados no principio da dignidade humana da gestante. A gravidez é um processo em que a mãe se torna mais sensível e ansiosa à espera daquilo que vem a ser uma dádiva, é um momento único e incomparável na vida da gestante. A escolha do aborto em si é penosa, pois trás conseqüências drásticas tanto no corpo como no psicológico da mulher, além da coerção social em que ela é submetida. É indiscutível que a punição maior dada a estas mulheres que optam em aborta vem da consciência e do sofrimento que o ato acarreta. Nesses casos o Código Penal Brasileiro prevê que a pena é desnecessária, pois o sofrimento da mesma é maior que qualquer pena que o estado possa aplicar.(art. CP) 3.2 A influencia de preceitos religiosos nos casos de aborto Em vários países, ainda existem forte influência da igreja na condenação do aborto. O Brasil é um deles, em que a religião ainda interfere em algumas decisões da corte suprema do nosso país, O Supremo Tribunal Federal. Essa interferência funciona como direito Natural, que vem da tradição e dos costumes da civilização, ou seja, a população carrega e continua carregando preceitos religiosos que mudam a concepção da população com relação ao aborto do feto anencéfalo. A igreja preserva a visão que a vida é sagrada, mesmo dos que nascem com anomalias graves que são incuráveis. De acordo com Gomes, “os religiosos pregam que tal comportamento, egoístico, fere os princípios da fé” (p. 42, 2008), com isso, para os religiões, que além de preservar a vida humana, alegam ser pecado e as gravidas agem sem pensar na vida. Nessa caso ocorre o contrario, pois as vezes o não sacrifico do feto anencéfalo pode gerar conseqüências iminentes tanto para a gestante como para o feto. 4 CONCLUSÃO O aborto nos casos de feto anencéfalo é um direito da gestantes tendo em vista a ausência de alguns elementos que o tornariam crime. O art.. 128 do C.P é claro quando diz que aborto é ato praticado contra a vida do feto, no caso abordado, a gestante não carrega um ser vivente ou mesmo um que tenha capacidade de sobreviver. Em um momento que deveria ser de alegria para a gestante se torna exaustivo e doloroso trazendo uma série de danos à ela e a aqueles que o cercam. É injusto que o Estado obrigue e sujeite a mãe a uma situação tão deplorável, que só acentua as herança de nossas legislações paternalistas. Não há respeito a dignidade humana da gestante, sua vida é inferiorizada em relação à do nascituro (está ideia é herança religiosa). A escolha é um direito da mãe e essa vontade está acima da imposição irresponsável do Estado, que se diz laico, entretanto insiste em manter posições religiosas e obscuras. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, Marília. Debate.Visão Jurídica, n. 19, São Paulo: Escala, 2008. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratato de direito penal: parte especial 2. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CROCE JÚNIOR, Delton; CROCE, Delton. Manual de medicina legal. São Paulo: Saraiva, 1998. GOMES, Luiz Flávio. CUNHA. Direito penal: parte especial.v.3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3.ed. vol V. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955. Mãe diz que anencéfala foi "presente divino"; médicos acusam erro de diagnóstico. Folha Online, 26 ago. 2008. Disponível em: Acesso em: 17 set. 2008.