Nunca fui muito fã de numerologia, mas não posso negar que os números sempre me perseguiram por toda a vida.

Nasci da 3ª tentativa do meu pai pegar minha mãe em uma noite regada a 3 garrafas de vinho. Considerando que o álcool reduz em 40% a capacidade erétil de um homem, a 3ª tentativa até que é uma média razoável.

Depois de uma briga desgraçada com meus irmãos, fui o 1º a chegar ao óvulo e pude ver, de camarote, a agonizada coletiva do pessoal atrasadinho. Isso pode não ser lá muito simpático, mas, convenhamos, antes eles do que eu.

Passados 8 meses, após horas de choro, desespero e pragas rogadas em meu pai, minha mãe pode se tranquilizar um pouco, seu filho (eu) nascera. Era um dia 8, do mês 8 de 1978. Não podia ser coincidência. Tudo mundo dizia para minha mãe que isso era um sinal de sorte.

Curioso, quando tinha 6 anos, perguntei a um pipoqueiro de olho puxado, o que os chineses diziam sobre o número 8. Ele disse que era sul coreano. Eu respondi que dava na mesa, afinal, era tudo japa. Acho que ele não gostou muito, pois disse que tanto 8 junto significava que a pessoa seria viado e daria a bunda eternamente.

Não gostei da notícia e fui chorando contar para a mamãe. Dizia aos berros que a bunda era minha e não a daria para ninguém. Mamãe não gostou... nem a polícia... nem o juiz... nem o diretor da penitenciária... nem os coleguinhas de cela do pipoqueiro... quer dizer... esses aí gostaram.

Em todo caso, o pipoqueiro pegou 9 anos, passou 2 na prisão e depois de mais 3 mudou de nome e hoje faz 4 shows por semana em uma boate gay. Era bastante feliz e me mandava flores de vez em quando. Só esperou eu fazer 18 para isso. Não custava nada se precaver.

Na escola não era 10, tampouco 0, ficava feliz com o meu 9, mais que suficiente para passar e não ser massacrado pelo povo do fundão que odiava CDF.

O problema que esse pessoal também não gostava daqueles que eram 4 olhos ou que tinham a cintura pra lá dos 80. Como eu tinha os 2, sofri um bocado dos meus 10 até os 18.

O fato de ser branco, usar óculos e ser gordo trazia outro problema além dos hematomas: passei zerado com as mulheres até a fase adulta. Não era fácil para elas ficar como um 0 à esquerda como eu. Elas até me achavam gente boa, mas na hora do vamos ver a partida empatava em 0 mesmo; não valia a pena perder pontos com o grupo por qualquer bobeira.

50 foi o número da minha classificação no vestibular. Não era bom, mas eu passei e era o que contava. Fiz direito, apesar do meu pai desejar engenharia, queira fugir dos números e ser alguém. Descobri que no Direito tudo era número de artigo de Lei ou de julgado em tribunal. Ótimo!

A tática na faculdade era passar despercebido. Não queria ser um ponto de referência como no colegial (o gordo, branco de 4 olhos). Então fiquei exatamente no meio da sala, 03 filas à direita, 04 filas à esquerda, 04 carteiras afastado do professor. Nunca perguntava e se o professor me dirigisse a palavra apenas balançava a cabeça negativamente, mesmo se perguntasse o meu nome. Fácil! Por um bom tempo não era notado por ninguém mesmo, o que era ótimo, mas quase ninguém conversava comigo também, o que era uma bosta. Era tão invisível que me tornei a 40ª escolha de qualquer grupo de estudo. Em uma sala de 45 pessoas isso nunca é bom sinal. Um dia pensei em ir para a faculdade pelado; parei na frente do espelho e chorei por 30 minutos. Imaginei todo o trauma que causaria às pessoas e estabeleci que aquela não era uma boa ideia.

Mudei.

Tornei-me moderadamente participativo, sendo 3 o número de intervenções que fazia por dia, avancei uma carteira para frente e uma fila à esquerda. Isso fez toda a diferença, pois me tornei um quase-CDF. Não era caçoado pelos outros, mas era considerado suficientemente inteligente para que as meninas me pedissem o caderno emprestado. 5 foram as "gatinhas" que peguei até o final da faculdade. Pelas aspas aí atrás você já imagina o naipe das gatas, né? Mas, fazer o quê? Quem está na chuva é pra se queimar e do jeito que eu estava, qualquer coisa servia.

Encerrada a faculdade, meu pai começou a perguntar quando eu viraria homem e arranjaria um emprego. Primeiro perguntava isso uma vez por semana, depois de 2 meses já o fazia 4 vezes ao dia. Ou eu resolvia a questão ou matava ele. Como o 5º mandamento sempre foi importante para mim, resolvi que precisava de um emprego. Já estava estudando 6 horas por dia para passar num concurso; graças ao "incentivo" de papai aumentei para 9. Fiquei doido. 4 eram os remédios que tomava para controlar a ansiedade, depressão e as espinhas que surgiram do tratamento dos 2 primeiros.

Mas, pelo menos, depois de 7 meses passei para um cargo bacana do Judiciário. Fui trabalhar em uma cidade vizinha de casa e pensei que tudo estava resolvido. Teria estabilidade e poderia ver a vida passar devagar por entre os dedos.

Aí a vida mostrou o dedo médio para mim e me mandou tomar vergonha na cara. Para minha sorte, 2 meses depois de entrar o Judiciário decidiu que meta era a palavra mais linda do dicionário, depois de dinheiro e férias.

Tudo passou a ser verificado por números, especialmente a produtividade de cada um. Era imprescindível atingir determinado patamar de análise dos processos, despachos minutados, pessoas atendidas, folhas de papel gastos para limpar a bunda depois de fazer o 2. Resolveram empregar um desses ISO's 9000 que uns japoneses cheios de saquê inventaram para infernizar a vida dos outros.

Meu chefe adorou... sério! Quando chegava uma nova lista de parâmetros a serem seguidos por todos, com metas, estatísticas e tabelas comparativas entre os setores, pensava que ele ia gozar naquilo tudo. Por isso, sempre era o 4º ou 5º a pegar as metas; não queria correr o risco de ter as folhinhas grudadas comigo.

Quase entrei em parafuso. Resolvi procurar um psiquiatra e na sala de espera encontrei minha esposa. Não pensamos muito. Calculamos algumas coisas, dividimos as despesas, multiplicamos os benefícios e em 4 meses casamos. Com 4 meses e 2 dias ela engravidou.

Minha filha foi minha alegria por 2 anos. Aí a esposa decidiu que não estava mais contente morando comigo. Perguntei por quê e ela respondeu que odiava corno. Questionei como isso se aplicava ao caso... 2 segundos depois eu entendi. Deixei que ela fosse. O problema que minha menina foi junto. Sumiram 3 semanas depois para o Havaí, onde a ex-patroa iria morar com um professor de mergulho, com o qual ela já namorava há 1 ano e meio. Minha neném virou apenas um número, a pensão que enviava mensalmente.

Resolvi me enfurnar no serviço e tentar esquecer os problemas. Criei outro. A cada dia era reduzido a um numeral menor. Por mais que trabalhasse, as estatísticas nunca eram boas o suficiente, sempre tinha um filho da puta de um lugar perdido no Brasil que trabalhava mais que eu, e como o segundo lugar é o primeiro perdedor, as coisas nunca estavam 100%.

Cortei pela metade o tempo livre, aumentei em 2 horas o tempo de trabalho e consegui elevar os números: 20 por 13. O médico falou que isso não era legal e eu ia encontrar Deus antes do que pensava. Se eu não fizesse algum tipo de atividade física, provavelmente, morreria em 10 anos, no máximo.

Fiquei terrivelmente assustado, mas não perdi 1 segundo sequer. Saí do consultório, passei em uma loja de materiais esportivos, comprei todo o equipamento para uma corrida confortável: tênis, bermuda e camiseta. No mesmo dia comecei a correr. Como teria, no máximo 10 anos de vida, resolvi começar correndo a 10km/h. Tive um enfarto nos primeiros 200 metros. Não deu nem 3 minutos, já tinha batido as botas. Maldita vida saudável, me fez perder 10 anos!

Não posso reclamar da minha vida. Não foi lá grandes coisas, mas também não foi de todo ruim. Fui o que fiz e fiz algumas coisas, boas e ruins. Eu queria ter sido reconhecido, mas, convenhamos, quem é? Se quer saber quem eu sou, explico: sou o corredor 3, fila 17, grupo 7, lápide 138, onde está escrito com carinho:

107119 0116 1103 104050490305, 07115 12912511 6117904405 40509 0411035080509, 03109 06109090511 100541 1 51490910504391 09504405 1103 4502509. 6059 090550910110909109313050305 07111095 1011405 04509091 12941.