Dispa-se e não se acanhe. Estou falando a respeito de nudez mesmo. A motivação vem de um pequeno texto que há poucos dias recebi, por e.mail. Gostei do texto que ostenta o singelo título de a "Verdade Nua", assim meio sem sal nem açúcar, mesmo. Achei insosso e pensei em alterá-lo.

Também pensei em comentar o texto, mas com outro título: pensei em "A nudez da Verdade". Mas acabei achando que não seria suficientemente apelativo. Daí, então, tasquei: Nudez. Por isso minha primeira proposta: dispa-se de posições preconceituosas (só peço isso, se quiser se despir de algo mais é por sua conta!)

Creio que o título Nudez é um pouco mais apelativo. Pode chamar mais a atenção, pois tem muita gente que anda doida pra ver foto de mulher pelada – ou de homem nu. Tem muita gente com tendência voyeurista escondida nas malhas da rede, ou nas páginas de livros e jornais e revistas e tudo o mais. Por isso me decidi pela nudez. Pode ser que assim mais gente leia... pois estou falando de nudez mesmo, sem tirar nem por. Aliás, com tudo tirado, pois se não tirar, não é nudez, não é mesmo?

O texto em questão, com autoria desconhecida, é o seguinte:

"Uma tarde, encontraram-se a Verdade, e a Parábola. A amizade de longa data mostrou à Parábola que algo não estava bem com a Verdade. De dentro de suas belas vestes, radiante de felicidade perguntou à amiga o que estava acontecendo, pois não admitia vê-la aflita e desconsolada:

- Verdade, porque estás tão abatida? - perguntou a Parábola.

- Porque devo ser muito feia já que os homens me evitam tanto!

- Que disparate! - riu a Parábola - não é por isso que os homens te evitam. Es bela e sublime. Toma, veste algumas das minhas roupas e vê o que acontece.

Então a Verdade pôs algumas das lindas vestes da Parábola e, de repente, por toda à parte onde passava era bem vinda, bem vista e admirada.

- Não entendo - disse a Verdade, pouco mais tarde, ao reencontrar a Parábola. Será que eles me confundiram contigo? – indagou em sua singeleza.

- Não é isso. É que os homens não gostam de encarar a Verdade nua; eles a preferem disfarçada."

Embora bela, a verdade nua cria embaraço... afasta... cria desconforto... embora se goste da nudez, nega-se esse gostar, ocultando o gosto com muitos trajes...

A nudez da verdade cria espaço não para a perfeita relação, mas para a mentira. Em nosso texto a verdade se disfarçando com as belas roupagens da astuciosa parábola, foi aceita. Mas nem toda verdade pode ser travestida. Aliás, se fizer isso deixa de ser verdade!

Sócrates ao propor e buscar a transparência da verdade encontrou não a ela, que já o acompanhava, mas a morte produzida não pela verdade das acusações contra ele imputadas, nem pela razoabilidade de seus juízes, mas pela mentira. E em nome da verdade, não aceitou a sugestão dos amigos, para fugir, libertando-se da morte; também não aceitou que outros o executassem, mas preferiu, a um tempo, buscar a verdade do pós-morte e da convicção de que estava cumprindo a lei.

Dona Maria, a louca, rainha afastada do governo português, teria dito, no momento em que a corte portuguesa fugia das tropas de Napoleão, que já os acossava, em Lisboa:

"Parem. Andem mais devagar. Se não vão pensar que estamos fugindo"

Essas palavras entraram para a história não como a verdade de uma constatação, mas como chacota. Era inadmissível admitir a fuga, mas na boca de uma louca, ela poderia ser dita. Pois soaria não como verdade, mas como delírio de um alienado. Hoje alguns ainda invocam essas palavras para caracterizar a postura de muitos políticos que agem na dissimulação, para que os eleitores não percebam que estão mancomunados com forças e interesses escusos e contrários aos interesses da população.

Mas voltemos à proposta da parábola: use um disfarce! Use minhas roupas, disse ela. Mas o que propôs? Que a verdade se dissimulasse. E, na dissimulação se apresentasse. E dissimulada, foi aceita... Mas o que se aceitou não foi a verdade, mas sua aparência! Vestiu-se de elegância, para não andar nua. E, ao fazer isso, caiu no engodo do disfarce. E deixou de ser verdade...

Agora vejamos: o que é a parábola, não do ponto de vista geométrico, mas literário? Trata-se de uma afirmação, uma história, em que o ouvinte tem liberdade de fazer interpretações. Não se trata de uma afirmação categórica, mas de uma afirmação subjetiva. Por isso a parábola não se presta só à verdade, mas a qualquer interpretação que se lhe queira dar. "É que os homens não gostam de encarar a Verdade nua; eles a preferem disfarçada".

Sei que alguns me dirão que Cristo também ensinou por parábolas. Eu digo que o fez bem. Tão bem que até hoje seus ensinamentos se prestam a várias interpretações. Tanto é verdade que as palavras de Cristo se prestam a diferentes interpretações que existem incontáveis denominações religiosas, todas se valendo de suas palavras para se afirmar como dona da verdade dizendo que as demais são falsas. Estaria, acaso, Cristo dividido? Ou são seus seguidores que o dividem e se dividem, cada um querendo abocanhar uma fatia maior do pedaço?

Por isso tudo é que a prefiro nua. E se você busca a verdade...

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação
Filósofo, Teólogo, Historiador
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