Na Amazônia a criação dos Núcleos Coloniais, na segunda metade do século XIX, constituem ações governamentais que buscam atender essas demandas. Analisar os elementos que estimulam a formação das Colônias Agrícolas e que nos ajuda a pensar a constituição de paisagens agrárias e os processos de apropriação da terra é a tarefa que nos ocupamos; entendendo que, além de uma questão de consumo e produção, os Núcleos Coloniais na Amazônia se evidenciaram como espaços de experimentação de novas técnicas produtivas, melhor aproveitamento da terra, do exercício de domínio das matas, promoção do povoamento e disciplinarização dos sujeitos sociais envolvidos na construção deste espaço.

Para esta comunicação nos ocupamos apenas em apresentar algumas questões em torno da implantação do Núcleo Colonial de Benevides, na segunda metade do século XIX, pensando esses espaços como conseqüência de uma postura de reorganização da atividade agrícola no Brasil, ou seja, pensar a implantação dos núcleos coloniais e a sua valorização, como nos afirma Mary Del Priore e Renato Venâncio é pensar nas dimensões ou grau de importância que agricultura irá tomar nesse período (DEL PRIORE & VENÂNCIO, 2006: 140-144).

Nossa proposta de trabalho parte da concepção de que as discussões em torno da criação dos núcleos agrícolas e a sua eficácia diante dos problemas que envolviam a agricultura, principalmente quanto ao uso do solo, garantindo a utilização de novas técnicas de plantio e o melhor aproveitamento dos recursos florestais, acabaram por influenciar a criação de algumas medidas nos núcleos coloniais, como as que definiam o tipo de plantio, seleção de sementes, uso ou não de adubos, crédito para os trabalhadores, tamanho dos lotes, condições para recebimentos destes lotes, dentre outros. Portanto, as ações em torno da organização da Colônia Benevides refletem o contexto das ultimas décadas do século XIX, em que segundo Fernando Antonio Lourenço é o momento de debate que envolvia diversos segmentos da sociedade brasileira, e tinha como um dos princípios a proposição de medidas de reformulação da agricultura no Brasil (LOURENÇO, 2001: 12).

Núcleos coloniais e as proposições para a agricultura

Implantação de um sistema de crédito agrícola, melhoramento dos meios de ligação entre os centros produtores agrícolas e os locais de venda e consumo, além do desenvolvimento do ensino agrícola no país através da criação de escolas de agricultura, são algumas das medidas defendidas pelo programas de reformas da agricultura no Brasil.

As medidas como criação de crédito para produtores rurais ou a criação de escolas agrícolas, além de outras, que aparentemente não façam referência ao modelo de organização dos núcleos agrícolas, mas que tinha como objetivo fomentar novas técnicas de plantio se torna importante para compreender alguns critérios adotados nas colônias agrícolas como, por exemplo, o de distribuição dos lotes, o tamanho dessas propriedades, tipos de ferramentas, cultivo, plantas, ou ainda modelo de administração.

Se as propostas de reforma na agricultura tinham a intenção de resolver os problemas agrícolas, um dos principais era a falta de crédito. No Pará, o deputado Tocantins, em pronunciamento na Assembléia Legislativa do Pará, atribui o estado de profunda dificuldade vivenciado pela lavoura provincial como provocado pela falta de capitais. A ausência de créditos o bastante para obter uma soma necessária para melhoria dos estabelecimentos agrícola, além dos juros tão elevados e com prazo tão limitados constitui elementos suficientes para determinar a difícil situação em que vivem os agricultores e proprietários. Propunha em razão das dificuldades vivenciadas pelos agricultores, a criação do Banco Hipotecário do Pará, onde "cada agricultor teria um crédito proporcional a sua fortuna; em que poderá levantar empréstimos com juros razoáveis e largos prazos, montando o seu estabelecimento e aumentando a soma de sua produção".[1]

Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides era partidário das idéias do deputado Tocantins. Também acredita que a falta de capitais era um dos graves problemas da agricultura no Pará. A experiência no cargo de Juiz Comissionário de medição de terras do município de Belém permitiu identificar cerca de cinco mil léguas quadradas de terrenos de domicílio particular e cerca de trinta e cinco mil léguas de terrenos nacionais devolutos. Considerando o preço médio do terreno nacional, fixado pelo parágrafo 2º do artigo 14 da lei de nº 601 de 18 de setembro de 1850, de nove contos por légua quadrada, o valor dos terrenos nacionais devolutos na província chegaria à soma de trezentos mil contos de réis. A criação de instituições financeiras no Pará era, portanto, fundamental para facilitar a aquisição dessas propriedades.

Consideráveis somas de capitais, necessárias à aquisição de terrenos, deveriam também ser utilizadas para o cultivo da terra, que na Amazônia, segundo Sá e Benevides, "não era só desenvolver e aumentar a força produtiva do solo: é, pelo contrário, lutar com toda a energia contra a superabundância da vegetação, que invade por todos os lados as plantações".[2] Para o presidente do Pará, o solo todo coberto de robusta vegetação criaria despesas extras utilizadas na derrubada e destocamento da mata. Só para termos uma idéia, derrubar e destocar uma braça quadrada de mata custaria em média 500 réis; considerando uma légua quadrada de mata as despesas chegariam a quatro mil e quinhentos contos de réis. O que significava dizer que não havia, segundo dados da presidência do Pará, um só proprietário em toda a província com capitais suficientes para por uma légua quadrada de terreno em estado de ser trabalhada para o plantio.[3]

A criação de instituições de credito não teria utilidade apenas para esses proprietários que desejassem adquiri terras na região ou desenvolver o plantio. No contexto de criação dos Núcleos Coloniais essas casas de crédito agrícola seriam de fundamental importância para o crescimento da lavoura nesses núcleos, uma vez que, eram dessas casas credoras que os colonos deveriam retirar parte dos seus investimentos para desenvolver a atividade agrícola nos seus lotes.

A proposição era de que no Núcleo de Benevides os gastos com a aquisição de maquinários, ferramentas de trabalho, aquisição de sementes e limpezas dos terrenos, deveriam ser assumidos pelos colonos que, para as autoridades provinciais, buscariam nas instituições de crédito o financiamento para custear essas despesas. Embora fosse de responsabilidade da presidência do Pará a garantia dos materiais a serem utilizados nos plantios, o envio desses materiais tinha limite de prazos. Segundo informações do governo do Pará qualquer material de uso agrícola era concedido através de empréstimos por um prazo de seis meses ou até a primeira colheita. Com o fim deste período eram suspensos o seu fornecimento e iniciado a cobrança daquilo que fora fornecido a cada colono, quando teriam um período de cinco anos para reembolsar os cofres provinciais. Para a presidência da Província com a suspensão do fornecimento por parte do governo provincial qualquer investimento passaria a ser financiado pelo Branco de Auxílio à Lavoura.[4]

Manoel Buarque de Macedo em relatório do Ministério da Agricultura apresentado a Assembléia Geral Legislativa, datado de 1879, propôe a criação de outras medidas, alem da implantação de instituição de crédito para a lavoura. Segundo o Ministro "não é só de crédito, porém, que a lavoura carece". De fato, no Pará setores da sociedade ligada à atividade agrícola queixam se da falta de conhecimento para o melhor preparo da terra, dificuldade que poderia ser suprimida através da criação de institutos de ensino agrícola.

No Núcleo de Benevides a atividade de observação dos tipos de plantio, processo de seleção de sementes ou ainda do uso de instrumentos de trabalhos, deveria ser uma ocupação do Diretor da Colônia, que normalmente nomeava chefes de quadras com a finalidade, também, de colher essas informações que deveriam, através da diretoria da Colônia, serem encaminhadas para a presidência da província que posteriormente enviava esses dados ao Ministério da Agricultura. A importância dessas informações era garantir subsídios necessários para se desenvolver um processo de seleção de métodos, sementes e instrumentos de trabalho mais adequado para ser utilizados nas terras da colônia e que deveriam servir de modelo de cultivo para as demais áreas da província.

Além de funcionar com espaços de experimentação de novas técnicas desenvolvidas através do ensino agrícola, a colônia deveria assegurar o ensinamento de novos métodos de uso da terra. Observando uma das notas publicadas no Jornal O Agrário, órgão da Sociedade Agrícola Paraense, com o título "A Providência", há um registro da criação na área pertencente ao Núcleo de Benevides de uma escola de aprendizes agrícolas, que deveria atender meninos pobres abandonados pelos familiares e filhos de colonos, com o intuito de ensinar as práticas agrícolas. Nessa escola de aprendizes, além de formar novos lavradores, os filhos desses agricultores deveriam repassar parte de seu conhecimento para os seus pais.[5]

Considerando como característica da agricultura intensiva o aumento da produção sem a ocupação de novos espaços, mas devido ao uso de técnicas de plantio que melhor aproveitem as potencialidades do solo e que passa a ser uma medida dotada nas Colônias Agrícolas, o uso de adubos e fertilizantes como técnicas que mantenha a fertilidade do solo passa a ser uma exigência nestes espaços, constituindo mais uma das proposições para o desenvolvimento da agricultura. Exigia-se dos agricultores nos Núcleos Coloniais o pleno domínio sobre o solo, devendo conhecer os mais diversos modos de restauração da terra, evitando o esgotamento do solo após alguns anos de cultura. Segundo o Ministério da agricultura é justamente esse desconhecimento do uso do solo que teria levado extensas zonas de terrenos abandonados, em curto espaço de tempo, por serem considerados estéreis e imprestáveis, sendo que em poucos anos antes no mesmo terreno havia extensas florestas.[6]

Na Amazônia não é apontado pela documentação estudo quanto ao uso de adubos químicos; os discursos que são feitos sobre o solo da região são de plena evocação a sua fertilidade, demonstrando a não necessidade da utilização de fertilizantes. Segundo Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides o agricultor no Pará não teria a preocupação em adubar a terra, uma vez que, "cultivar a terra aqui, não é desenvolver e aumentar a força produtiva do solo; pelo contrario, é lutar com toda energia contra a superabundância da vegetação, que invadia por todos os lados as plantações".[7] Acreditamos, no entanto, que a não presença de adubos químicos ou fertilizantes nas atividades dos agricultores na Colônia Benevides não se deve aquilo que Francisco Corrêa de Sá e Benevides chamou de "superabundância da vegetação", mas por que o tipo de plantio desenvolvido nessas áreas se caracterizou pela criação de reserva para ser ocupada quando havia o esgotamento das terras cultivadas, o que dispensava a adubagem e a fertilização agrícola.

Considerações finais

Considerando que a lei de 28 de setembro de 1871 que impunha as autoridades provinciais à obrigação de estudar as necessidades da lavoura "no intuito de provê-las de remédio", e que acabou fomentando a criação da Colônia Benevides, fundamentava-se na necessidade de aumentar a eficácia das ações governamentais, além de "melhorar a cultura e preparo dos gêneros agrícolas" e com isso "evitar, por meio de providentes medidas, os males, por ventura transitórios, mas nem por isso menos grave, que surgiriam".[8] Acreditamos, portanto, que as proposições de mudança na agricultura exigidas pelo governo imperial, ou seja, as proposta de transformação da agricultura como a implantação de casas de crédito agrícola, desenvolvimento do ensino, criação de novas técnicas de plantio, seleção de semente, ou ainda a utilização de instrumentos de fertilização exerceram certa influência no modelo de organização dos núcleos coloniais.

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[1] Annaes da Assembléia Legislativa Provincial da Província do Gram-Pará. Sessão de 1871. Pará, Typographia do Diário de Belém, 1871, p. 124.

[2] Relatório apresentado pelo Presidente do Pará Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20ª Legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876, p XII.

[3] Idem.

[4] Falla com que o Presidente do Pará João Capistrano Bandeira de Mello Filho abriu a 2ª Sessão da 20ª Legislatura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de fevereiro de 1877. Pará, Typ. Do Livro do Comércio, 1877, p. 159.

[5] O AGRÁRIO. Belém, 01 de dezembro de 1885, p. 04.

[6] Relatório do Ministério da Agricultura apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 15ª Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 02 de maio de 1875. Rio de Janeiro, Typographia Americana, 1875, p. 22.

[7] Relatório apresentado pelo Presidente do Pará Francisco Maria Corrêa de Sá e Benevides à Assembléia Legislativa Provincial na sua sessão solene de instalação da 20ª Legislatura, no dia 15 de fevereiro de 1876. Pará, 1876, p XII.

[8] Relatório do Ministério da Agricultura apresentado a Assembléia Geral Legislativa na 4ª Sessão da 15ª Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 02 de maio de 1875. Rio de Janeiro, Typographia Americana, 1875, p. 06.