O Deputado Federal Marco Maia (PT-RS) disse em sua primeira entrevista após a posse como presidente da Câmara que o PL ? Projeto de Lei 1.876/99, de autoria do Deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que prevê mudanças no Código Florestal (4.771/65), voltará a ser discutido durante o mês de fevereiro, entrando em votação no mês de março.
O referido PL vem chamando bastante atenção de todos, não só em face das tragédias recentes relacionadas com o uso indevido e indiscriminado dos recursos naturais, como também pelo polêmico embate entre ambientalistas e ONGs e a forte bancada dos ruralistas da Câmara Federal.
No projeto, além da anistia aos desmatadores, prevê ainda algumas alterações que merecem ser abordadas pelas graves consequências que poderão gerar para o bem estar da população e de suas gerações futuras, entre elas destacamos:
a) Redução em mais de 1 milhão de quilômetros quadrados da Amazônia Legal;
b) Autonomia aos Estados da Federação para criação de regras de desmatamento;
c) Redução das Reservas Legais no Cerrado de 35% para 20%;
d) A inclusão das Áreas de Preservação Permanentes no cálculo da Reserva Legal;
d) A introdução de espécies vegetais exóticas em até 50% das Reservas Legais;
e) Compensação ambiental em qualquer lugar do país, ou seja, fora das áreas devastadas;
f) Os topos dos morros deixarão de ser consideradas Áreas de Proteção Permanente.

O que vamos perder com a aprovação do PL?
Segundo o Inpe ? Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a Amazônia sofreu um deflorestamento de mais 520 mil km² de 1978 a 1998. Pesquisas realizadas pelo próprio governo apontaram que o desmatamento anual da Amazônia cresceu 34% de 1992 a 1994. A taxa anual, que era de pouco mais de 11.000 km² em 1991, já ultrapassou 14.800 km².
Os grandes causadores dessa degradação ambiental progressiva são as atividades agropastoris não sustentáveis e a exploração de madeira (80% dela ilegal, contando inclusive, só no Amazonas, com 22 madeireiras estrangeiras), o desperdício de madeira no sistema em que está sendo explorado (madeira derrubada e não aproveitada) gira em torno de 60% a 70% .
Ainda com relação a floresta, conforme estudos sobre os ciclos do carbono do Experimento Biosfera-Atmosfera em Larga Escala (LBA em inglês) e os estudos de inventário florestal realizado pela comunidade científica, a floresta intacta tem o poder de absorver de 0,8 a 7 toneladas de carbono por hectare. Com uma conta rápida, afora o que já foi desmatado, e levando em conta uma média de 3,9 t/c por hectare, deixaríamos de resgatar, nos 1 milhão de Km² da redução da área na Amazônia Legal, 390 milhões de toneladas de carbono. Esse volume de carbono, na Bolsa de Chicago (CCX Carbon Financial Instrument) equivale em torno de 1,959 bilhões de dólares.
Com relação a autonomia dos estados para legislar sobre a permissão de desmatamento, o efeito pode ser nefasto, pois nesse caso, vai servir de incentivo a uma guerra entre os estados pelo desenvolvimento às custas do meio ambiente.
Sobre a redução da área de proteção do Cerrado, segundo a ONG WWF-Brasil, a destruição e a fragmentação de habitats consistem, atualmente, na maior ameaça à integridade desse bioma: 60% da área total é destinada à pecuária e 6% aos grãos, principalmente soja. De fato, cerca de 80% do Cerrado já foi modificado pelo homem por causa da expansão agropecuária, urbana e construção de estradas - aproximadamente 40% conserva parcialmente suas características iniciais e outros 40% já as perderam totalmente. Somente 19,15% correspondem a áreas nas quais a vegetação original ainda está em bom estado.
No Cerrado, historicamente, a expansão agropastoril e o extrativismo mineral têm se caracterizado por um modelo predatório. No caso da pecuária, a mesma ainda se encontra alicerçada no sistema extensivo de produção através de grandes latifúndios, quanto à produção de grãos, tem base no desperdício do precário sistema de monocultura agrícola (só para se ter uma idéia da deficiência do sistema produtivo agrícola brasileiro, perde-se cerca de quase 20% de grãos de arroz do plantio até nossa mesa de refeição, segundo levantamentos, 30% dos hortifruti do Ceagesp de São Paulo vão para o lixo).
Em se tratando da inclusão das APPs ? Áreas de Preservação Permanente no cálculo das áreas de RL - Reserva Legal, significa que, por exemplo, se 10% de um imóvel rural em região não amazônica for coberta por vegetação de preservação permanente, será necessário reservar apenas mais 10% da propriedade como RL, e não 20%, segundo a regra ainda em vigor. Se as APPs cobrirem 20% ou mais do imóvel não será necessária a manutenção da Reserva Legal. Aqui vemos uma forma de diminuir as áreas protegidas e consequêntemente a biodiversidade de todos os biomas existentes no país.
Quanto a introdução de vegetação exótica, ou melhor, a supressão de vegetações nativas, segundo todas as literaturas sobre meio ambiente, é uma das formas que coloca em risco a biodiversidade. É um incentivo a extinção de variedades que ainda sequer foram estudadas, uma perda econômica inestimável. Convido o amigo leitor a visitar uma área de reflorestamento com o eucalipto, por exemplo, você verá que os únicos animais encontrados nesse tipo de bioma é a formiga saúva, o que é lógico, pois o eucalipto não é uma vegetação nativa, portanto, toda a cadeia de vida interligada harmonicamente com a floresta nativa, praticamente se extingue.

O nó cego
E o que dizer sobre a compensação ambiental em qualquer área, e os topos dos morros deixarem de ser considerados APPs? Aqui temos uma situação bastante melindrosa, primeiro que a compensação não pode ser nem tão flexível, nem muito rígida, ou seja, tem regiões em que o estoque de terras não permitirá uma compensação na própria região, vamos fazer um exercício de imaginação: um proprietário rural no Tocantins, por exemplo, fazendo uma compensação em Rondônia ou Pará, é ilógico, assim como também é bastante ilógico querer que um produtor do entorno da Grande São Paulo faça sua compensação naquela região. Com relação aos topos de morro, é outro melindro, regiões em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a muitos anos produzem maçãs e uvas nessas regiões, lembrando que essas áreas elevadas sob proteção também são estendidas às zonas urbanas, e aí vem o problema de moradia ou monumentos do próprio patrimônio cultural brasileiro (o caso de diversos bairros na grande Belo Horizonte e o Cristo Redentor no Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, por exemplo), aqui o ideal seria um estudo mais aprofundado do tipo de solo dos morros para sua ocupação, sob risco de continuar os problemas de deslizamento de terras como os que ocorreram nas últimas chuvas.

A realidade
Nossa legislação que regulamenta as florestas (de 1934 e posteriormente a de 1965) embora criadas pelo Ministério da Agricultura e não por ambientalistas, de certa forma deu certo por que hoje nosso país é sem dúvida nenhuma um dos que têm a biodiversidade das mais bem conservadas do Planeta (somos o único país do mundo que conta com áreas de proteção ambiental legalmente instituídas). Não podemos alegar que nosso Código Florestal é ultrapassado, uma vez que desde sua criação, veio passando por diversas reformas, acompanhando a realidade de nossas épocas (é só fazer uma pesquisa em nosso arcabouço legal sobre o tema que será detectado várias mudanças - de 1978 até 2009).
Não se pode afirmar que as áreas de preservação bem como sua recomposição são empecilhos para o desenvolvimento das atividades agropastoris (há inclusive incentivos por parte do governo que vem causando muitas polêmicas na seara jurídica). A exigência de 80% de RL na Amazônia Legal data desde 1996 (MP nº. 1.511 reforçada pela MP nº. 2.166 de 2001) e só recentemente foi que surgiu a obrigatoriedade da recomposição dessas áreas. Em pesquisa realizada pela USP ? Universidade de São Paulo, em parceria com a Universidade sueca de Chalmers, detectaram que mesmo que todos os produtores rurais regularizassem suas terras, em obediência ao Código Florestal vigente (há um déficit de 43 milhões de hectares que precisam ser recompostos), ainda sobrariam 100 milhões de hectares de vegetação não protegidas ambientalmente, que podem sofrer desmatamento e, portanto a expansão da atividade agropastoril (uma área que equivale a quatro vezes o estado de São Paulo).
Com relação a queda de produção de grãos, bem como a questão de produção de alimentos, alertamos para o fato de que cerca de 143 milhões de toneladas de grãos produzidos no Brasil tem o objetivo de abastecer o mercado externo, sendo que desse montante, a metade é para produção de ração animal (um patrimônio de todos ? o meio ambiente, sendo utilizado para engorda de animais nos países desenvolvidos). Outro fato é o que já citamos acima em nosso artigo: o sistema de produção agropastoril é ultrapassado e com muitos desperdícios, é necessário mudanças em toda a cadeia produtiva do setor (plantio direto, consorciamento e rotação de culturas, sistema de pastoreio rotativo, modernização de máquinas agrícolas, eficiência em logística - distribuição e transporte, etc).
Em se tratando de extrativismo vegetal, porque exportar a madeira bruta se podemos explorá-la de forma racional exportando mobiliário (industrializando), o que renderia grandes divisas externas para nosso país? Porque persistir em um modelo ultrapassado de exploração agrícola e pecuário se poderíamos obter maiores lucros produzindo mais carne e grãos por hectare com técnicas mais avançadas?
Com toda essa realidade que expomos e por todas essas dúvidas suscitadas é que me vem à mente o título desse alerta: mudar o Código Florestal da forma como querem alguns grupos de interesse em nosso país, é como andar pra trás, dar um tiro no próprio pé...