Novas Tendências do Direito do Consumidor à Luz da Jurisprudência dos Tribunais

Willgner da Silva Martins

INTRODUÇÃO

            O Direito do Consumidor é um ramo do direito que está em constante transformação, tendo em vista sua estreita ligação com a dinâmica social. Assim como evoluem a economia, a indústria, a tecnologia e as próprias relações sociais, também evoluem as relações de consumo, exigindo, destarte, uma constante reformulação das normas atinentes à proteção do consumidor.

            Como a lei, devido ao próprio processo legislativo, na maioria das vezes não consegue abarcar todas essas transformações nas relações de consumo cabe ao Poder Judiciário, enquanto aplicador da norma, compatibilizá-la com a realidade, sempre levando em conta os princípios que norteiam o sistema de proteção ao consumidor.

            Neste sentido reside a importância de que o estudioso do Direito do Consumidor esteja constantemente atualizado com a jurisprudência dos Tribunais, pois esta configura como fonte essencial para a melhor efetivação dos direitos do consumidor.

            Nesse diapasão, o presente trabalho dedica-se a uma breve análise de algumas jurisprudências dos Tribunais Superiores do Brasil a fim de identificar as novas tendências que têm orientado o Direito do Consumidor atualmente, como, por exemplo, a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor em casos de extravio de bagagens em voos internacionais, a aplicação do dano moral coletivo e a responsabilidade dos provedores de Internet.

PROTEÇÃO JURÍDICA AO CONSUMIDOR – RECORTE HISTÓRICO

            As relações de consumo sempre existiram no cotidiano do ser humano e, por sua vez, tais relações têm estreita ligação com a evolução da sociedade em que estão inseridas, haja vista que as relações de consumo são dinâmicas.

            No último século a evolução das relações de consumo deu-se de forma muito acelerada devido às intensas modificações ocorridas na esfera social, na economia mundial, nas relações jurídicas e também no setor tecnológico e industrial.

            A relação consumerista passou progressivamente de simples operações mercantis para operações cada vez mais complexas, sofisticadas e massificadas, ficando o consumidor em desvantagem diante de um fornecedor fortalecido técnica e economicamente. Destarte, surge a necessidade da intervenção estatal através de leis e políticas públicas com o escopo de proteger o consumidor de possíveis abusos.

            No cenário mundial a proteção jurídica do consumidor teve início na Europa, após a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, quando o capitalismo passou a dominar o mercado de consumo. Porém o maior avanço veio com a Resolução 39/248 de 1985 da ONU, que estabelece diretrizes internacionais para uma política de proteção ao consumidor e enfatiza a vulnerabilidade que o consumidor apresenta em suas relações com os fornecedores de produtos e serviços.

            No Brasil a proteção jurídica ao consumidor é relativamente nova. Apesar de a legislação pátria sempre contemplar algumas normas de proteção ao consumidor, foi somente após a edição da Constituição Federal de 1988 que houve um avanço expressivo no que concerne ao tema.

            Até então as manifestações de defesa ao consumidor consistiam em leis e decretos esparsos como, por exemplo, o Código Comercial de 1850 (art. 631) [1], o Código Civil de 1916 (art. 1.245) [2], o Decreto n.º 22.626/33 (lei de repressão a usura), os arts. 115 e 117 da Constituição de 1934, Lei de Economia Popular de 1951, a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico (Lei nº. 4.137/1962), a Lei Delegada n.º 4 de 1962 (livre distribuição de produtos), a Lei n.º 7.244/84 (Juizados de Pequenas Causas), entre outros.

            Com o advento da Constituição Federal de 1988 a proteção jurídica ao consumidor passou a ter destaque no ordenamento jurídico brasileiro. Déborah Barreto De Souza[3] aduz que:

 A Carta Magna de 1988, de forma explícita em alguns artigos e implícita em outros, não só inovou o ordenamento jurídico interno ao consagrar a proteção ao consumidor, como também a tratou com importância ímpar, uma vez que, se antes as relações de consumo eram regidas por leis civis e comerciais, a partir dela o legislador constituinte acabou por construir um novo ramo do direito nas relações de consumo, conforme ensinamento de Nishiyama.

            O legislador constituinte não apenas garantiu os direitos do consumidor como direito e princípio fundamental, mas também determinou a edição de um sistema normativo que assegurasse tal proteção. É o que prevê o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis:

Art. 48 - O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.

            Somente em 11 de setembro de 1990 foi editado o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), que “estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias[4].

            Assim as relações de consumo passaram a ter autonomia própria, com regulamentação distinta do direito comum e, destarte, regida por princípios próprios, que analisaremos na sequência.

PRINCÍPIOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR

            O Código de Defesa do Consumidor traz em seu texto princípios e obrigações que devem ser observados pelo Poder Público e pelos fornecedores nas relações de consumo. É o que observamos na leitura de seu artigo 4º, in verbis:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.

            Far-se-á, portanto, uma breve explanação dos princípios que se depreendem da leitura do artigo supracitado, haja vista que a temática principiológica não é o objeto principal deste trabalho.

            Destarte, tem-se como princípios do Direito do Consumidor:

a)                  Vulnerabilidade do Consumidor (inciso I): é exatamente a vulnerabilidade que justifica a existência do Código de Defesa do Consumidor, que visa amparar a parte mais fraca na relação de consumo, ou seja, o consumidor. O STJ tem se posicionado atualmente pela hipossuficiência do consumidor, como se percebe no voto do Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, no REsp 1293006/SP, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012: “A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor”.

b)      Presença do Estado ou Dever Governamental (inciso II): devido à vulnerabilidade do consumidor há a necessidade de promover a proteção do elo mais fraco pelos meios legislativos e administrativos. O Estado possui o poder/dever de proteger o consumidor e garantir o respeito aos interesses estatais. “A intervenção do Estado na atividade econômica encontra autorização constitucional quando tem por finalidade proteger o consumidor” (STJ, MS 4138/DF, DJ 21/10/1996, Rel. Min. José Delgado).

c)      Harmonização dos Interesses e da Garantia de Adequação (inciso III): visa harmonizar os interesses dos consumidores e dos fornecedores, compatibilizando a necessidade do desenvolvimento econômico com a defesa do consumidor. Segundo Garcia[5] “o princípio da garantia de adequação, por sua vez, prescreve que o fornecedor deverá ser o responsável pela efetivação da adequação dos produtos e serviços, atendendo às necessidades dos consumidores em segurança e qualidade, bem como respeitando a saúde, segurança, dignidade e interesses econômicos”.

d)     Equilíbrio nas Relações de Consumo (inciso III): é um valor fundamental presente no sistema de proteção contratual. Devido a este princípio são vedadas obrigações iníquas, abusivas, ou que ofendem o princípio da boa-fé objetiva e a equidade.

e)      Boa-fé Objetiva (inciso III): conforme a lição de Garcia[6] “a boa-fé objetiva constitui um conjunto de padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases da existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e , até mesmo, após a sua extinção”. É o entendimento do STJ, conforme voto da Ministra Rel. Nancy Andrighi: “O princípio da boa-fé se aplica às relações contratuais regidas pelo CDC, impondo, por conseguinte, a obediência aos deveres anexos ao contrato, que são decorrência lógica deste princípio. O dever anexo de cooperação pressupõe ações recíprocas de lealdade dentro da relação contratual. A violação a qualquer dos deveres anexos implica em inadimplemento contratual de quem lhe tenha dado causa” (REsp 595631/SC, julgado em 08/06/2004, DJ 02/08/2004, p. 391).

f)       Educação e Informação dos Consumidores (inciso IV): é a educação formal e informal para o consumo. Este princípio incumbe a todos (Estado, entidades privadas de defesa do consumidor, empresa, etc.) do dever de informar e educar o consumidor a respeito de seus direitos e deveres, para que este atue de maneira consciente no mercado de consumo, gerando por consequência uma sociedade mais justa e equilibrada.

g)      Incentivo ao Autocontrole (inciso V): importa na necessidade de o Estado incetivar que os fornecedores tomem medidas e providências a fim de solucionar eventuais conflitos, mantendo, destarte, não só o controle de qualidade dos seus produtos e serviços, mas, também, do atendimento ao consumidor.

h)      Coibição e Repressão de Abusos de Mercado (inciso VI): visa garantir não apenas a repressão de atos abusivos, mas também busca a punição de seus autores e o devido ressarcimento do que foi lesado. Também se direciona no sentido de buscar uma atuação preventiva a fim de evitar novas práticas abusivas que possam causar prejuízos ao consumidor.

i)        Racionalização e Melhoria dos Serviços Públicos (inciso VII): assim como a iniciativa privada, o Estado deverá respeitar a regra geral de proteção ao consumidor, enquanto prestador de serviços públicos (transporte coletivo, água, etc.), ou seja, o Estado enquanto fornecedor deverá prestar os serviços públicos em geral de forma adequada e eficaz.

j)        Estudo das Modificações do Mercado (inciso VIII): devido ao grande dinamismo das relações de consumo, faz-se mister o constante estudo do mercado de consumo para que as normas que o regem não se tornem ultrapassadas e percam sua eficácia.

NOVAS TENDÊNCIAS DO DIREITO DO CONSUMIDOR

            Como dito outrora, as relações de consumo são dinâmicas, acompanham as constantes mudanças da sociedade e do mercado de consumo. Haja vista que a lei não tem como acompanhar as mudanças nas relações de consumo da mesma velocidade em que estas acontecem, cabe aos Tribunais, enquanto compatibilizadores entre a norma e a realidade, adequar as leis e princípios à atualidade.

            Desta forma, é a partir jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil que se passará a análise de novas tendências do Direito do Consumidor. Veja-se.

  1. DANO MORAL COLETIVO:

RECURSO ESPECIAL - DANO MORAL COLETIVO - CABIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - REQUISITOS - RAZOÁVEL SIGNIFICÂNCIA E REPULSA SOCIAL - OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - CONSUMIDORES COM DIFICULDADE DE LOCOMOÇÃO - EXIGÊNCIA DE SUBIR LANCES DE ESCADAS PARA ATENDIMENTO - MEDIDA DESPROPORCIONAL E DESGASTANTE - INDENIZAÇÃO - FIXAÇÃO PROPORCIONAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

I - A dicção do artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor é clara ao possibilitar o cabimento de indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletivamente.

II - Todavia, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva.

Ocorrência, na espécie.

III - Não é razoável submeter aqueles que já possuem dificuldades de locomoção, seja pela idade, seja por deficiência física, ou por causa transitória, à situação desgastante de subir lances de escadas, exatos 23 degraus, em agência bancária que possui plena capacidade e condições de propiciar melhor forma de atendimento a tais consumidores.

IV - Indenização moral coletiva fixada de forma proporcional e razoável ao dano, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

V - Impõe-se reconhecer que não se admite recurso especial pela alínea "c" quando ausente a demonstração, pelo recorrente, das circunstâncias que identifiquem os casos confrontados.

VI - Recurso especial improvido.

(REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012)

            No caso em tela, segundo o Informativo n.º 490 do STJ, “a Turma negou provimento ao apelo especial e manteve a condenação do banco, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em decorrência do inadequado atendimento dos consumidores prioritários. No caso, o atendimento às pessoas idosas, com deficiência física, bem como àquelas com dificuldade de locomoção era realizado somente no segundo andar da agência bancária, após a locomoção dos consumidores por três lances de escada”.

            Percebe-se como tendência do Direito do Consumidor o reconhecimento do dano moral coletivo enquanto lesão na esfera moral de uma comunidade. É devido quando há violação de valores coletivos, atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico. Ações deste cunho podem tratar além de desrespeito aos direitos do consumidor, sobre dano ambiental, danos ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade (negra, judaica, indígena etc.) e até fraude a licitações.

            A indenização por dano moral está prevista no artigo 5º, inciso V da Constituição Federal[7]. Na lei não há restrição do dano à esfera individual e as mudanças sociais e legais têm dado margem ao entendimento de que quando são atingidos valores e interesses fundamentais de um grupo, não há como negar a essa coletividade a reparação devida.

            Em interessante matéria publicada no site o Superior Tribunal de Justiça[8] sobre esta temática, destaca-se os apontamentos referentes ao posicionamento da Ministra Nancy Andrighi, a seguir:

A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi vê no Código de Defesa do Consumidor um divisor de águas no enfrentamento do tema. No julgamento do Recurso Especial (REsp) 636.021, em 2008, a ministra afirmou que o artigo 81 do CDC rompeu com a tradição jurídica clássica, de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo ordenamento.

Com o CDC, “criam-se direitos cujo sujeito é uma coletividade difusa, indeterminada, que não goza de personalidade jurídica e cuja pretensão só pode ser satisfeita quando deduzida em juízo por representantes adequados”, explicou Andrighi, em seu voto.

            Porém esta posição não é pacífica no STJ.
No mesmo Tribunal há decisões que negam a ocorrência de dano moral coletivo, devido ao entendimento de que para se configurar dano moral é necessário a existência de dor, sofrimento psíquico e caráter individual, sendo, portanto, incompatível com a noção de coletividade – indeterminabilidade do sujeito passivo, indivisibilidade da ofensa e de reparação da lesão.

            Segundo o entendimento consolidado na jurisprudência em análise, “não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva”. Logo, se estabelece parâmetros para que se configure o dano moral coletivo, quais sejam: este deve ser de alta gravidade, intolerável e gere intranqüilidade social. Parece a melhor solução.

  1. RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE INTERNET

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO.

INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO.

DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER.

DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER.

REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.

1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90.

2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo "mediante remuneração" contido no art. 3º, § 2º, do CDC deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.

3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.

4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.

5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.

6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.

7. Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.

8. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1193764/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/08/2011)

            Tendo em vista que à época de edição da maioria das normas de direito do consumidor a Internet não era um meio de comunicação popular, o posicionamento dos Tribunais vem suprir lacunas legislativas no que concerne à apreciação de casos envolvendo a responsabilidade civil dos provedores de Internet.

            No caso em tela houve um processo contra a rede social ORKUT por causa de publicações ofensivas feitas por um de seus usuários. Na oportunidade a Ministra Relatora Nancy Andrighi, sob a luz dos princípios que regem o Direito Civil e o Direito do Consumidor, reconheceu a existência de relação de consumo entre o provedor (ainda que gratuito) e seu usuário e, ainda, estabeleceu limites quanto à possibilidade ou não de responsabilização dos provedores de Internet quanto ao conteúdo publicado por seus usuários.

            Destarte, da leitura do acórdão podemos subentender como tendência do Direito do Consumidor em relação aos provedores de Internet:

a)      A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90;

b)      Configura relação de consumo tendo em vista o ganho indireto do fornecedor;

c)      O provedor não tem obrigação de fiscalizar previamente o conteúdo das imagens ou textos publicados por seus usuários;

d)     Não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.

e)      O provedor responderá solidariamente com o ofensor em caso de, sendo comunicado, omitir-se na retirada imediata conteúdo;

f)       O provedor que possibilita que os usuários externem livremente sua opinião deve ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada, sobe pena de ser responsabilizado por omissão;

  1. EXTRAVIO DE BAGAGEM EMTRANSPORTE AÉREO

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL.

PRESCRIÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA.

- A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de prevalência das normas do CDC em relação à Convenção de Varsóvia, inclusive quanto à prescrição.

- Negado provimento ao agravo.

(AgRg no REsp 1060792/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/11/2011, DJe 24/11/2011)

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATRASO OCORRIDO EM VOO INTERNACIONAL. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição de República. 4. Recurso não conhecido.
(RE 351750, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009 EMENT VOL-02375-03 PP-01081 RJSP v. 57, n. 384, 2009, p. 137-143)

PRAZO PRESCRICIONAL. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. O art. 5º, § 2º, da Constituição Federal se refere a tratados internacionais relativos a direitos e garantias fundamentais, matéria não objeto da Convenção de Varsóvia, que trata da limitação da responsabilidade civil do transportador aéreo internacional (RE 214.349, rel. Min. Moreira Alves, DJ 11.6.99). 2. Embora válida a norma do Código de Defesa do Consumidor quanto aos consumidores em geral, no caso específico de contrato de transporte internacional aéreo, com base no art. 178 da Constituição Federal de 1988, prevalece a Convenção de Varsóvia, que determina prazo prescricional de dois anos. 3. Recurso provido.
(RE 297901, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 07/03/2006, DJ 31-03-2006 PP-00038 EMENT VOL-02227-03 PP-00539 RJP v. 2, n. 9, 2006, p. 121-122 LEXSTF v. 28, n. 328, 2006, p. 220-223 REVJMG v. 57, n. 176/177, 2006, p. 468-469)

            Com relação ao extravio de bagagens em vôos internacionais há a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, da Constituição Federal e também da Convenção de Varsóvia.

            Ocorre que havia conflitos entre as normas no que concerne ao valor da indenização devida ao passageiro que tem sua bagagem extraviada e também com relação ao prazo prescricional, gerando assim um impasse sobre qual norma deveria ser aplicada.

            Tendo em vista que o limite estipulado nas convenções internacionais sobre transporte aéreo está em desacordo com o CDC, que tem regra expressa para proteger o passageiro do mau serviço prestado pelas empresas de aviação, o STJ vem decidindo unanimemente quanto à aplicação do CDC nestes casos.

            Como se percebe a partir da leitura do AgRg no REsp 1060792/RJ, julgado em 17/11/2011, a Ministra Nancy Andrighi pacificou o entendimento segundo o qual prevalece as normas do CDC em relação à Convenção de Varsóvia, inclusive quanto à prescrição, indo de encontro ao entendimento da Segunda Turma do STF no RE 297901.

            Melhor parece o entendimento do STJ, tendo em vista que a aplicação da Convenção de Varsóvia implica em retrocesso social e desrespeito aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ante o exposto pode-se concluir que na medida em que ocorrem constantes e rápidas transformações nas relações de consumo surge, em contrapartida, a necessidade de que novos mecanismos de defesa do consumidor sejam implementados.

            Tendo em vista que nossa carta Magna de 1988 e o próprio Código de Defesa do Consumidor atribuem ao Estado a responsabilidade de intervir nas relações do consumo a fim de manter sempre o equilíbrio entre as partes envolvidas e a ordem econômica, o Poder Judiciário vem cumprindo importante missão, compatibilizando as normas e princípios norteadores do sistema de defesa do consumidor com as mais diversas e recentes exigências do mercado de consumo.

            Logo, destaca-se que para a melhor e mais atualizada aplicação do Direito do Consumidor não se pode olvidar da jurisprudência enquanto importante fonte deste ramo do direito e, também da importância da principiologia do mesmo enquanto norte atemporal para a melhor efetivação da defesa do consumidor.

REFERÊNCIAS

Dano moral coletivo avança e inova na jurisprudência do STJ. In: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106083. Publicado em 17/06/2012. Acesso em abr/2013.

ESPECIAL – Direito do Consumidor na Jurisprudência do STF e STJ (Parte 1). In: http://oprocesso.com/2012/04/18/especial-direito-do-consumidor-na-jurisprudencia-do-stf-e-stj-parte-1/. Publicado em 18/04/2012. Acesso em abr/2013.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado, jurisprudência, doutrina, questões, Decreto n.º 2.181/97. 6ª ed. – Niterói: Impetus, 2010.

SOUZA, Déborah Barreto De. Defesa e proteção ao consumidor: Fundamentos, evolução e natureza jurídica. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8077>. Acesso em abr/2013

SITES

http://www.dji.com.br/codigos/1916_lei_003071_cc/cc1237a1247.htm

http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cfdistra.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0556-1850.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp

http://www.stj.jus.br/SCON/



[1] Art. 631 - Se a viagem for suspensa ou interrompida por causa de força maior, no porto da partida, rescinde-se o contrato, sem que nem o capitão nem o passageiro tenham direito a indenização alguma; tendo lugar a suspensão ou interrupção em outro qualquer porto de escala ou arribada, deve somente o preço correspondente à viagem feita.

Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto do navio, o passageiro pode tornar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita. Se quiser esperar pelo conserto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada.

[2] Art. 1.245 - Nos contratos de Empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra.

[3] SOUZA, Déborah Barreto De. Defesa e proteção ao consumidor: Fundamentos, evolução e natureza jurídica. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010.

[4] Artigo 1º do CDC.

[5] GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado, jurisprudência, doutrina, questões, Decreto n.º 2.181/97. 6ª ed. – Niterói: Impetus, 2010. p. 44.

[6] Op. Cit. p. 45.

[7] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[8] Dano moral coletivo avança e inova na jurisprudência do STJ. In: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106083. Publicado em 17/06/2012.