NOVA IGUAÇU DIVIDIDA: UMA ANÁLISE DO PROCESSO DE SEGRAGAÇÃO ESPACIAL NA CIDADE

Júlio César Dias do Nascimento[1]

                                                                                                                    

RESUMO

O presente trabalho pretende analisar o processo de segregação espacial presente na cidade de Nova Iguaçu, que emergiu a partir do momento em que ocorreu o aumento do fluxo de capital, mercadorias e pessoas na cidade, onde novas formas foram inseridas em meio a formas preexistentes. Esse processo fez com que a cidade ficasse marcada por espaços socialmente contrastantes, onde a área central foi tipificada pela presença de uma população de alto poder aquisitivo e de grandes empreendimentos de elevados padrões, podendo ser comparados a alguns luxuosos condomínios da cidade do Rio de Janeiro, além de casas de estrutura imponente, enquanto que a periferia da cidade foi especificada pela presença de uma população de baixo status econômico, que se utilizando da autoconstrução, corroborou para proliferação nessa área de residências de baixo padrão e mais modestas que as da área central.

Palavras-chaves: Nova Iguaçu, segregação espacial e autoconstrução

1- INTRODUÇÃO

       O fio condutor para elaboração deste artigo foram as constantes observações das formas e funções espaciais distribuídas pelo espaço urbano de Nova Iguaçu e seus entendimentos como resultado de uma intensa transformação socioespacial na cidade, comandada pela dinâmica econômica capitalista, que fez com que a população se distribuísse pelo espaço da cidade segundo sua classe social. Desta forma, objetiva-se nesta pesquisa definir e analisar o processo de segregação espacial presente no espaço urbano iguaçuano e sua consequência para configuração do mesmo. 
Em Nova Iguaçu o processo de segregação espacial fez com que a cidade tivesse espaços socialmente distintos, onde existe na área central da cidade um mercado imobiliário residencial em expansão com a presença de empreendimentos de elevados padrões, podendo ser comparados a alguns suntuosos condomínios da cidade do Rio de Janeiro. Então a segregação espacial se define em Nova Iguaçu quando essa área é comparada com os bairros periféricos da cidade, onde se faz presente o processo de autoconstrução, que origina moradias simples e de baixo status.                 A expansão do mercado imobiliário residencial que atinge a cidade de Nova Iguaçu, marcada pela presença de diversos condomínios luxuosos, já concluídos ou em andamento, que visam atrair uma população de renda elevada para cidade, tem intensificado o processo de  segregação espacial no município, de forma que enquanto construtoras, com a autorização da prefeitura local, investem em projetos imobiliários na área central da cidade, nos bairros periféricos vem se intensificando a autoconstrução e a proliferação de residências populares.                                                         É importante para esse artigo que a articulação entre os conceitos e objeto fique clara para a leitura e interpretação, de modo que possam servir de reflexão e contribuição para futuras pesquisas ou estudos sobre a cidade de Nova Iguaçu. Desta forma, abordaremos inicialmente o conceito teórico de segregação espacial, para, a partir daí, aplicar esse estudo no nosso objeto de estudo, a cidade de Nova Iguaçu.

2- CARACTERÍSTICAS QUE DEFINEM O PROCESSO DE SEGREGAÇÃO ESPACIAL E FORMAÇÃO DAS ÁREAS SOCIAIS

            O processo de segregação espacial se comparado aos outros processos, que levam em consideração as atividades industriais, comerciais e de serviços, refere-se especificamente as questões sociais e residenciais. Esse processo está intimamente relacionado a uma divisão social de classes, atrelada ao processo de acumulação capitalista.                                                                            Existe na sociedade capitalista a distinção entre grupos, no que se refere à renda e consumo. Tal fato irá se refletir no mercado de negociação de terras e moradias. Neste sentido, se propagará nas cidades uma clara distinção nas residências no que se refere aos seus custos, acessibilidade, infraestrutura, conforto, qualidade e, principalmente, localização. Desta forma, se difundirá na cidade uma tendência, o agrupamento em uma mesma área de classes economicamente equivalentes, eclodindo nas cidades o processo de segregação e a subsequente formação das áreas sociais.                                                                                                         Para CASTELLS (1983:210) a segregação espacial trata-se de um processo que se caracteriza pela “tendência à organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa disparidade social entre elas, sendo compreendida não só em termos de diferença como de hierarquia[2]”. Já VILLAÇA (1998:142) compreende a segregação espacial como “um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjunto de bairros da metrópole”. Para esse autor existem as mais variadas naturezas de segregação espacial (de classes, etnias, ou nacionalidades), sendo a dos bairros residenciais por classes sociais uma das mais presentes nas cidades.                                                                                                          HARVEY (1980) entende que a segregação espacial deve ser vista como parte integrante das relações humanas na sociedade capitalista, sendo ela uma expressão espacial das classes sociais.  Na medida em que algumas forças capitalistas, como os proprietários fundiários e promotores imobiliários, atuam num determinado espaço e período de tempo, geram uma marcante fragmentação da estrutura social. Assim, pode-se dizer que essa tendência traz consigo a localização diferenciada no espaço urbano das classes sociais, que acabam sendo fragmentadas de acordo com seu nível econômico, produzindo a segregação residencial capitalista.
           No que se refere a esse processo, é importante salientar que ele é consequência da ação dos diferentes grupos e classes na sociedade. Portanto, as residências nesse contexto assumem o papel de áreas sociais. Neste sentido, VAINER (1998) explica que essas desigualdades acarretam numa forma de ocupação onde os habitantes se fecham em determinadas áreas, segundo o poder, o status ou riquezas que detêm.
           O processo de segregação espacial é resultado da diferença de capacidade que cada grupo social tem de pagar por sua residência, já que dentro da cidade capitalista esta assume a forma de mercadoria social, possuindo valor de uso e de troca.  Para compreender melhor esta questão convém recorrer a CORRÊA (1995:63), que explica essa questão da seguinte maneira:

" Em relação ao onde morar é preciso lembrar que existe um diferencial espacial na localização de residências vistas em termos de conforto e qualidade . Esta diferença reflete em primeiro lugar um diferencial no preço da terra – que é função da renda esperada -, que varia em função da acessibilidade e das amenidades. Os terrenos de maior preço serão utilizados para as melhores residências, atendendo à demanda solvável. Os terrenos com menores preços, pior localizados, serão utilizados na construção de residências inferiores, a serem habitadas pelos que dispõem de menos renda".

          A segregação espacial tem sua gênese atrelada a uma classe dominante, que através de seu poderio econômico controla o mercado de terras, a incorporação imobiliária e a construção, direcionando seletivamente a população no espaço urbano. Desse modo, a habitação passa a ser um bem, cujo acesso é seletivo, originando a formação de grupos sociais que se encontram excluídos da possibilidade de acesso a moradias de qualidade e dotadas de boa infraestrutura, restando para estes a ocupação de sítios menos valorizados, como áreas sujeitas a inundações, encostas de morros, margens de rios e áreas deterioradas pelo tempo, como os cortiços. Dentro dessa análise, pode-se comprovar esse processo através de bairros suntuosos e condomínios exclusivos, que contam com sistema próprio de segurança, que incluem muros altos, sistema de câmeras e vigilantes, contrastando com bairros de baixo status econômicos ou grandes aglomerados urbanos habitados por grupos sociais inferiores, que às vezes, não contam nem com uma infraestrutura básica, como saneamento básico, água encana, energia elétrica e rua pavimentada.  
             O processo em questão é típico da cidade capitalista, emergindo a partir do processo de descentralização, que freou a expansão horizontal do núcleo central, tornando a área em sua volta, denominada zona periférica do centro, desvalorizada e estagnada, com uma imagem de pobreza. Associando essa questão ao mercado imobiliário, percebeu-se que essas áreas foram gradativamente abandonadas pela população de alto poder aquisitivo, incentivada pela degradação da área central e, principalmente, pelo desenvolvimento do sistema de transporte e meios de comunicação, que foram produzindo bairros seletivos distantes dos centros urbanos. Essas áreas abandonadas pela elite aos poucos foram sendo ocupadas por uma população de baixo status, oriunda principalmente das zonas rurais ou de pequenas cidades. Sobre essa dinâmica espacial da segregação CORRÊA (1995:70) explica:

 "A segregação tem um dinamismo onde uma determinada área social é habitada durante um período de tempo por um grupo social e, a partir de um dado momento, por outro grupo de status inferior ou, em alguns casos, superior, através do processo de renovação urbana".

           Em 1930, ocorreu a intensificação da dinâmica espacial das cidades, marcada pelo aumento dos processos migratórios, que geraram uma maior mobilidade da população, seguindo um modelo de ocupação espacial baseado no status econômico (CORRÊA, 1995). Dessa década em diante ocorreu um poderoso processo de periferização, acarretando em loteamentos populares e autoconstrução, além do aumento do número de favelas.
           Autoconstrução é o processo o qual o cidadão de posse de seu lote, começa a construção da sua casa através de um processo longo e penoso, calcado na cooperação entre amigos e vizinhos, ou apenas na unidade familiar (RODRIGUES,1989). Com pouco ou sem nenhuma ajuda do Estado, somados a baixos salários e sem reserva de dinheiro, a autoconstrução é uma solução largamente adotada por parte da população para aquisição da moradia (Balthazar, 2012). Nesse processo, há uma considerável redução dos custos finais da habitação, sem comprometer a renda com elevados e longos empréstimos. Nas grandes cidades brasileiras é através desse processo que a maioria da população resolve seus problemas de moradias.
         Segundo Rodrigues (1989:40) “A favela surge da necessidade do onde e do como morar. Se não é possível comprar casa pronta, nem terreno e autoconstruir, tem-se que buscar uma solução”. Para alguns essa solução é a favela, que é fruto do processo de empobrecimento da classe trabalhadora em seu conjunto. Resultado também do preço da terra urbana e das edificações, a favela exprime a luta pela sobrevivência e pelo direito ao uso do solo urbano de uma parcela da classe trabalhadora, sendo composta por um conjunto de habitações populares precariamente construídas e desprovidas de infraestrutura (rede de esgoto, de abastecimento de água, de energia, de posto de saúde, de coleta de lixo, de escolas, de transporte coletivo etc.).
         A segregação espacial pode ser introduzida de maneira voluntária, é o que se costumou a chamar de autossegregação. SOGAME (2001:100) explica que, atualmente, “pode-se dizer que existe tanto uma segregação espacial da população pobre como uma auto-segregação da população rica”. Neste viés, entende-se que os grandes condomínios fechados podem ser considerados um exemplo claro de autossegregação das classes média e alta, de maneira que estes procuram uma localização isolada proposital, fugindo de uma degradação social e da violência urbana. Essas classes privilegiadas se retraem intencionalmente em suas residências delimitando assim um espaço exclusivo para o lazer, o consumo e o trabalho.
          Todos as características do processo de segregação espacial expostos anteriormente se fazem presente no espaço urbano de Nova Iguaçu, estando diretamente vinculado ao processo histórico e geográfico de formação e evolução da cidade.

3- SEGREGAÇÃO ESPACIAL E FORMAÇÃO DAS ÁREAS SOCIAIS NO ESPAÇO URBANO IGUÇUANO

            Nova Iguaçu faz parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e está situado a 29,6 Kmdo município do Rio de Janeiro, núcleo metropolitano e capital do Estado. Segundo o IBGE (Censo Demográfico de 2010), a população de Nova Iguaçu é de 767.902 habitantes para um território de 520,5 Km2, se constituindo no quarto município da região metropolitana do Rio de janeiro em contingente populacional e o segundo em extensão, tendo uma densidade demográfica de 1.475,5 habitantes por Km2.
        No decorrer dos anos 1990 e 2000 Nova Iguaçu atravessou um processo de acelerado crescimento econômico. Para atender este conjuntura econômica se formou na cidade um complexo centro de negócios, que está entre os mais importantes e completos do estado do Rio de Janeiro (SIMÕES, 2007). Esse fato ratificouem Nova Iguaçuo fortalecimento do setor terciário em detrimento do setor secundário. Percebe-se que o produto interno bruto iguaçuano assumiu uma trajetória crescente ao longo do período em referência, tendo saltado de pouco menos de R$ 3 milhões em 2000, para mais de R$ 4,5 milhões em 2005. Hoje o PIB do município passa de 6,5 milhões (IBGE, 2010).
           Conforme Nova Iguaçu crescia economicamente, concomitantemente ocorria seu crescimento demográfico. Só pra se ter uma idéia desse fato, em 1991 o município (incluindo o distrito de Mesquita, ainda não emancipado) tinha uma população de 768.518 habitantes, que aumentou consideravelmente em uma década, indo para 750.487 habitantes, descontando a população do distrito de Mesquita, que foi emancipado em 1999 e tinha uma população de aproximadamente 130 mil habitantes (OZÓRIO, 2007). Se passando mais uma década, em2010, apopulação iguaçuana era de 767.902 habitantes (IBGE, 2010). Daí, para suprir o aumento do fluxo de capital, mercadorias e pessoas, novas formas eram inseridas no espaço da cidade em meio a formas preexistentes, alimentando o crescimento do setor imobiliário residencial no município. Toda essa dinâmica intensificou a segregação espacial na cidade.
         O processo de segregação espacial se faz presente na cidade de Nova Iguaçu, sendo notado em todas as subdivisões do município, se configurando especialmente como segregação involuntária, típica das classes de baixa renda, que devido o alto custo das terras e ao elevado valor dos impostos dos terrenos localizados na área central da cidade, acabaram preferindo habitar os bairros da periferia, deixando essas terras para as classes mais favorecidas.    
         O exemplo de segregação mais característico da cidade de Nova Iguaçu está localizado no espaço entre a linha férrea e a Serra de Madureira, englobando parte da área central de Nova Iguaçu e o Bairro Caonze. Essa área é marcada pela presença de edifícios e condomínios luxuosos, que de caráter espontâneo, se tornou local de concentração de uma população de alto poder aquisitivo. Esta parte da cidade sempre se caracterizou como uma área residencial ocupada, desde o seu início, pelas classes mais favorecidas da cidade. Neste local os antigos exportadores, comerciantes e profissionais liberais da cidade, que possuíam uma renda bem acima da maioria da população, construíram casas amplas próximas à estação e nas encostas do maciço do Mendanha, do lado norte da ferrovia.                                                            O isolamento desse grupo social deu origem a uma política de investimentos nessa área, que contribuiu ainda mais para sua valorização, principalmente após a construção do muro ao longo da via férrea e o fechamento das passagens de nível, que deixaram como única ligação entre os dois lados, durante mais de 20 anos, o viaduto João Musch. Somente no final da década de 1980 foi inaugurado o viaduto do Caonze e, em 2004, o viaduto Dom Adriano Hipólito, melhorando o acesso entre os dois lados, o que não evitou a consolidação do processo de segregação neste local, marcado pela presença de uma classe de alto status econômico.                                                        .                                             Todos os relatos anteriores fizeram com que o lado norte da linha férrea ficasse popularizado como o “lado dos ricos”, a área nobre da cidade.  Esse fato foi muito bem explorado pelos agentes imobiliários, que aproveitaram para elevar os preços das terras e selecionar progressivamente os moradores desse local. Hoje, esta parte da cidade é caracterizada por um intenso processo de verticalização marcado pela construção de condomínios de alto luxo, onde é cada vez maior o emprego de publicidade no sentido de estimular a compra de imóveis. O chamado “lado dos ricos” é o local mais procurado na cidade pelas construtoras, e começa a se expandir pela Avenida Abílio Augusto Távora  (antiga Estrada de Madureira) e por outras partes da área central do município onde muitos projetos imobiliários já foram aprovados pela prefeitura. A reportagem a seguir do jornal O Dia (2002) traz um caso desses:

"A cidade de Nova Iguaçu tem atraído diversas construtoras interessadas em investir na região com projetos imobiliários que vão do "Minha Casa, Minha Vida" aos luxuosos. A Rossi, por exemplo, lançou o Exclusivo, condomínio que será construído no Centro de Nova Iguaçu, com 96 apartamentos de três e quatro quartos. O condomínio terá área de lazer completa. Rafael Cardoso, diretor regional da Rossi, diz que o crescimento de Nova Iguaçu fez surgir um novo público e que o lançamento chega para suprir a necessidade local de empreendimentos de médio-alto padrão. “Seus diferenciais são a sofisticação e a exclusividade de se morar em um residencial como esse”, afirma. Além disso, há opcionais que podem transformar os apartamentos em até três suítes. Outras opções seriam ampliar a sala, a cozinha ou a dependência de empregada e ter duas vagas de garagem (O Dia- versão online- 11 de janeiro de 2012)".

             Além da Rossi outras construtoras tiveram projetos aprovados pela prefeitura, entre elas estão: RJZ/Cyrela, Gafisa, Nicol Engenharia, Tenda (esta com seis empreendimentos), Klabin Segall, Santa Cecília/CR2, Azeredo Cotric, Novanil, Inver Rio, LNF3 Participações, Construtora Foco, Tecco construção e Concal.                      Alguns dos condomínios em processo de construção na área nobre de Nova Iguaçu podem ser comparados com os mais luxuosos condomínios da Cidade do Rio de Janeiro, como os da Barra da Tijuca, por exemplo, tendo valores e aspectos estruturas equivalentes. A reportagem a seguir do jornal O GLOBO (2008) retrata com fidelidade a configuração e organicidade desses empreendimentos:      

"O município de Nova Iguaçu, com 830 mil habitantes, receberá pelo menos três condomínios de alto padrão, grandes áreas de lazer e todo o sistema de segurança. A Gafisa, por exemplo, marca sua chegada na Baixada com um empreendimento de alto padrão em Nova Iguaçu. É o Acqua Residencial, todo projetado e idealizado com o conceito de lazer aquático, com uma grande área de piscina, proporcionando conforto, bem-estar e certo ar de férias aos moradores. Outro condomínio-clube instalado em Nova Iguaçu é o Florae, do grupo RJZ Cyrela. Nele, boa parte da área de lazer ficará na cobertura com piscinas, sauna a vapor, bar na piscina, espelho d'água, fitness, ambiente de repouso, churrasqueiras e forno de pizza. Há ainda brinquedoteca, quadra infantil e lounge externo. O Florae oferece 216 unidades com dois e três quartos e uma suíte. Os apartamentos terão de64 a80 metros quadrados. Detalhe: os moradores podem escolher se a cozinha será integrada à sala, estilo americana, ou fechada. A localização também é ótima, apenas oito minutos do shopping e da área comercial" (O GLOBO - Versão online - 23 de julho de 2008).  

          As exposições anteriores nos remetem a concluir que Nova Iguaçu vem experimentando já há algum tempo um processo de expansão do mercado imobiliário residencial, voltado para a classe média.  Assim, a valorização das terras e o grande número de condomínios em construção na sua área central vêm motivando gradativamente a expulsão dos moradores locais, cujas residenciais serão alvos de atuação dos promotores imobiliários que dirigirão suas ações para produção de imóveis caros e finos.                Todo esse processo de expansão imobiliária fez com que Nova Iguaçu se transformasse em uma cidade de atração de população de elevado poder aquisitivo, oriunda de diversas partes do Estado do Rio de Janeiro, provocando um aumento das classes médias e altas na cidade, que tendem a elevar o produto interno bruto do município e dinamizar ainda mais suas atividades econômicas. O reflexo disso vem sendo os investimentos em conglomerados de lojas, onde, por exemplo, o tradicional shopping da cidade, o Top Shopping, vem expandido seu espaço e outro mega centro comercial, que irá se chamar Shopping Nova Iguaçu, vem sendo construído e contará com 250 lojas, além de praça de alimentação e espaços para entretenimento, como cinemas.                    Fora dessa área valorizada, temos em Nova Iguaçu uma área periférica marcada, em sua maioria, pela presença de um submercado imobiliário, onde as residências são construídas em terrenos loteados e baratos através da autoconstrução, que tem como objetivo inicial a produção de habitação como valor de uso. Dessa forma, é possível observar na paisagem iguaçuana uma intensa segregação espacial, marcada por uma área residencial central de alto status, muito bem dotada de infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos, contrastando com os bairros periféricos, que contam com residências mais modestas.                                                Cumpre mencionar neste ponto, que existem três enclaves afastados da área central de Nova Iguaçu que constituem pólos reservados a uma população de alto e médio poder aquisitivo que tem se autossegregado em seus condomínios procurando defender-se e resguardar-se da degradação social e violência do município. Esses espaços são: o Condomínio Cidade Paradiso, o bairro Marco II e o bairro Jardim Esplanada.                                               Localizado em Cabuçu, bairro periférico de Nova Iguaçu, o condomínio Cidade Paradiso se constituiu com o claro objetivo de criar uma nova opção de habitação para a classe média e alta iguaçuana, onde estas pudessem se desvincular da já saturada área central de Nova Iguaçu. Esse fato, por sinal, é muito bem explorado pelos promotores imobiliários envolvidos neste empreendimento. Esse condomínio conta com residenciais luxuosas de alto padrão e está vinculado ao Paradiso clube, maior complexo de lazer da cidade, e segundo os administradores do clube, maior parque aquático Baixada Fluminense.                                     O bairro Marco II, localizado as margens da Avenida Abílio Augusto Távora (antiga estrada de Madureira) é outro pólo de concentração de classes mais favorecidas da cidade de Nova Iguaçu. Esse bairro conta com uma série de condomínios muito bem estruturados, marcados pela presença de edifícios luxuosos dotados de ampla área de lazer.  O que fortalece ainda mais os ares de área nobre desse pólo residencial é a presença da Universidade Iguaçu (UNIG), que fundada em 1970, é a principal universidade da cidade de Nova Iguaçu.                                                        O Jardim Esplanada é um bairro iguaçuano de classe média alta, contando com uma série de condomínios que o caracterizam como tal. Formado na década de 1970, esse bairro é unicamente residencial, se localizando as margens da Rodovia Presidente Dutra e contando com um viaduto que liga o bairro à área central da cidade. Tem se revelado nos últimos anos como ponto de interesse de construtoras para idealização de condomínios edilícios.                                                                                   Torna-se salutar esclarecer, que fora os três casos citados anteriormente, à medida que ocorre o afastamento da área central da cidade, existe a predominância de habitações de baixo status, com pouca estética, sendo a maioria fruto do processo de autoconstrução.                                                                                            Tal fato tem uma origem histórica, já que Nova Iguaçu tem por característica uma ocupação por loteamentos (SIMÕES, 2007). No final dos anos 1940 e início dos 1950, ocorreu o segundo e o mais intenso processo de migração da cidade. Isso ocorreu devido à chegada de diversos trabalhadores de diferentes setores da metrópole, que encontraram em Nova Iguaçu uma farta disponibilidade de terras, em oposição à grande valorização dos terrenos na cidade do Rio de Janeiro. Os migrantes fixaram residência na cidade sem se preocupar com a distância, em detrimento de certa assistência e conforto, já que a cidade era dotada de todos os serviços necessários à vida de uma população urbana, mesmo que esses estivessem concentrados no core do município. Dentro desse contexto, constata-se uma acentuada expansão urbana no município, que segundo OZÓRIO (2007:15) se "expande horizontalmente em sucessivos loteamentos, desprovidos de infraestrutura e, ao mesmo tempo, assiste ao adensamento e verticalização de sua área central". Esse fato faz com que Nova Iguaçu se tornasse um dos subúrbios periféricos da região metropolitana do Rio de Janeiro, denominada como grande Rio de Janeiro. A anexação de Nova Iguaçu ao aglomerado urbano do Grande Rio alterou rapidamente sua paisagem, originando áreas de loteamentos para trabalhadores pobres, onde a autoconstrução de moradias e a ausência de infraestrutura urbana passaram a predominar. 
         Desta maneira, enquanto a área central do município crescia de maneira organizada contando com uma população de alto poder aquisitivo e infraestrutura de qualidade, os bairros periféricos cresciam de maneira desordenada e precária, dando subsídios para que a prefeitura local agisse de forma seletiva, investindo em serviços e equipamentos públicos somente nos bairros centrais ou aqueles habitados por uma classe de renda elevada. Essa condicionante é reflexo do que Santos (2000:116) afirmava: “num território onde a localização dos serviços essenciais é deixada à mercê da lei do mercado, tudo colabora para que as desigualdades sociais aumentem”.
          Com pouco ou sem nenhum investimento do Estado, somados a uma população que não desfruta de altos salários e sem reserva de dinheiro, a autoconstrução passou a ser um caminho para as pessoas adquirirem suas moradias nos bairros periféricos de Nova Iguaçu. Assim, eles conseguiam uma redução dos custos finais da habitação, sem comprometer a renda com elevados e longos empréstimos.
        Nos bairros periféricos iguaçuanos a autoconstrução reproduziu amontoados de casas construídas em loteamentos irregulares que acabaram sendo erguidas sem uma fiscalização minimamente adequada por parte do poder público. Esse processo, em parte, serviu apenas à subsistência do morador, que acabou tendo a liberdade de construir conforme sua necessidade. Assim, surgem nesses bairros diferentes níveis de moradias, algumas até compatíveis com uma classe média e outras muito precárias, que por anos não saem do tijolo. Em Nova Iguaçu, segundo Oliveira (2006), os bairros periféricos em condições mais críticas por apresentarem carência ou precariedade de infraestrutua, além de concentrar uma população em condições socioeconômicas desfavoráveis, são: Adrianópolis, Cabuçu, Cacuia, Campo Alegre, Carlos Sampaio, Corumbá, Danon, Figueira, Geneciano, Grama, Iguaçu Velho, Inconfidência, Jaceruba, Jardim Guandu, Jardim Palmares, Jardim Pernambuco, Km 32, Lagoinha, Montevidéu, Parque Ambaí, Parque Flora, Prados Verdes, Rancho Fundo, Riachão, Rio D’Ouro, Rodilândia,Tinguá, Tinguazinho, Vila de Cava e Vila Guimarães.  Nesses bairros é comum a formação de ruas com moradias precárias, algumas sem condições para garantir a saúde de seus ocupantes, e que não contam com os serviços básicos, como distribuição de água potável através de encanamento e coleta de esgoto sanitário. Dessa maneira, se transformam em locais abastecidos por poços e com esgoto correndo a céu aberto, levando a uma situação social degradante e nociva a saúde. Esse cenário descrito é outro caso que situa de maneira clara o processo de segregação espacial em Nova Iguaçu.   
         É preciso neste ponto ressaltar que existem poucas favelas na cidade de Nova Iguaçu. Esse fato ocorre em função de quase todas as terras do município possuírem proprietários ou pseudo-proprietários que, em geral, possuem uma vigilância constante sobre os terrenos ainda vazios (SIMÕES, 2007). As poucas favelas existentes na cidade se localizam nas margens inundáveis do baixo curso dos rios, onde a propriedade pública da terra e a fiscalização menos intensa têm proporcionado a sua ocupação pela população de baixa renda ou em morros afastados da área central. As mais conhecidas em função violência, mas não muito densas, são “Buraco do Boi e Grão-Pará.   
         A segregação espacial em Nova Iguaçu aparta pobres de ricos, de maneira que a área central, a mais desenvolvida e que disponibiliza a maior parte dos serviços e equipamentos urbanos, públicos e privados, concentra a população de alto status econômico e as melhores residências, com a presença de diversos condomínios luxuosos. Já a periferia da cidade e os bairros periféricos, que concentram poucos serviços e equipamentos públicos, reúnem as habitações mais simples ou até mesmo precárias.
        Em alguns bairros da periferia iguaçuana encontraremos classes sociais distintas, que habitam diferentes níveis de residência, mas que convivem em um mesmo espaço. Desta forma, mesmo sendo locais carentes de infraestrutura, contam com a presença de uma classe média, configurando-se em áreas de convívio entre as diferentes classes sociais. Isso nos remete a afirmar que Nova Iguaçu já vem passando por uma transição a caminho de uma nova configuração de segregação espacial, que segundo Sogame (2001) vem marcando esse processo, principalmente no século XXI, que é o das classes sociais de maior renda buscarem construir suas habitações na periferia, fugindo das já saturadas áreas centrais das cidades.   

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS 

         A dinâmica capitalista cria, recria e extingue formas, funções, classes e relações sociais. Também modifica fluxos e é responsável pelas mudanças políticas, culturais, ideológicas e jurídicas, que promovem transformações espaciais. Dentro desse contexto, constata-se que Nova Iguaçu, sofreu imensas transformações econômicas, sociais e espaciais ao longo de sua história, que culminaram com emersão do processo de segregação espacial na cidade.  
        O processo de segregação espacial, definido como aquele em que as diferentes classes sociais são conduzidas a habitar espaços específicos conforme seu poder aquisitivo, em Nova Iguaçu é caracterizado por uma intensa disparidade residencial e social, onde na extensão de terras localizadas entre a linha férrea e a Serra de Madureira se encontra uma área de forte homogeneidade, marcada pela presença de residências de alto luxo, se contrastando com outros locais da cidade, principalmente os bairros periféricos, onde predominam residências modestas construídas em sua maioria por meio da autoconstrução. Não se pode deixar de citar que na periferia de Nova Iguaçu existem três enclaves de residências de alto padrão, que são ocupadas por classes de elevado poder aquisitivo.  
        No cerne dessa discussão, cabe enfatizar que o processo de segregação espacial em Nova Iguaçu respeita uma questão histórica, onde as classes mais favorecidas acabaram por habitar a área central da cidade, mais desenvolvida por acumular as funções de centro político e comercial do município, sendo assim a região que reúne a melhores condições de infra-estrutura da cidade. Em oposição a classe trabalhadora menos favorecida acabou por residir na periferia, marcada por bairros com pouca ou nenhuma infraestrututa e carência de serviços públicos básicos.

REFERÊNCIAS

A BAIXADA Fluminense de cara nova. O Globo, versão online. Rio de Janeiro, 23 de julho de 2008. Disponível em: 

http://oglobo.globo.com/projetos/salaodoimovel2008/mat/2008/07/23/a_baixada_fluminnese_de_cara_nova.  Acesso em jul. 2011.

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[1] Especialista em Geografia do Brasil e Planejamento Urbano e Educação Ambiental. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e do Estado. Email: [email protected]

[2] Segundo CASTELLS (1983), hierarquia é a expressão espacial das classes sociais, o reflexo sobre o espaço urbano das desigualdades existentes entre as relações sociais, onde as classes de maior poder aquisitivo vão ter acesso as melhores terras.