NOTRE-DAME-DU-HAUT RONCHAMP 1950-55:
ASPECTOS TÉCNICO-CONSTRUTIVOS NA OBRA DE LE CORBUSIER

Pedro Henrique Monteiro Andrade
Universidade Federal de Goiás
Faculdade de Artes Visuais
Arquitetura e Urbanismo
História da Arte e Estética II
Prof. Dr. Marcelo Mari


"a obra de arte está longe de ser meramente uma imagem de equilíbrio... Assim como a ênfase da vida está na atividade dirigida e não em um repouso vazio, a ênfase da obra de arte não está no equilíbrio, na harmonia, na unidade, mas em um padrão de forças que estão sendo equilibradas, ordenadas, unificadas." (ARNHEIM apud BAKER, 1996, p. 4).

"Uma grande época começou. Há um novo espírito."
Nos fins do século XIX, ficando adulto no século XX - a "era da máquina, baseada na tecnologia da engenharia e na produção em massa" (DARLING, 2000, p. 10) -, Le Corbusier é, segundo Elizabeth Darling, o mais reverenciado, e o mais criticado, dos arquitetos de seu século. Isso porque Le Corbusier assumiu a missão de alavancar a arquitetura de sua situação de retrocesso para um movimento que fosse tão revolucionário quanto o século que se iniciava.
Ao lado de Walter Gropius e Mies van der Rohe, embora fosse o mais influente dentre eles, Le Corbusier usou-se do movimento modernista para expressar seus ideais puristas, que buscavam a funcionalidade e não o estilo, de forma que a arquitetura entrasse em sintonia com a vida moderna.
Sua fase Pós-Guerra, momento onde passou a explorar o brutalismo, influência do pintor Fernand Léger, e o espiritualismo em seus edifícios, de forma que sua arquitetura deixou de ser tão fria e se tornou mais vigorosa ?
Forças do Lugar
O terreno tem uma área plana no topo de uma colina. As árvores fecham o terreno a oeste e a leste, de forma que a pequena área plana dá vista para todos os lados, em especial para o sul.
O terreno tem uma característica oblíqua, com um caminho de acesso flanqueando a área aberta partindo do sudoeste; a capela está localizada no ponto mais alto, em um eixo Leste-Oeste, criando uma situação de confrontação entre o movimento do acesso e o edifício. O rumo do movimento em direção à capela é desviado para o eixo longitudinal por um eixo transversal, evidenciado pela maior das três capelas conjugadas, que atuam como "periscópios" estabelecendo contato com os horizontes distantes.

Contraste
Segundo Baker, "a capela consiste de uma série de formas opostas, que se ajustam em um estado de equilíbrio dinâmico" (BAKER, 1998, p. 263). As capelas em formas curvilíneas suaves sugerem estabilidade, estando agrupadas na ala "fechada". "Em contraste direto, o canto sudeste é uma lâmina afiada que afirma a exposição e dá um impulso dinâmico em direção ao exterior" (BAKER, 1998, p. 263). A inclinação ascendente da cobertura aponta para o sul.
A parede de confrontamento, a parede sul, não poderia ser fina e ter seu sentido diminuído ? "uma barreira a ser penetrada". Por isso, Corbusier aumentou a espessura da parede, ampliada pela inclinação dos planos, o que permite uma infinidade na disposição das janelas, que têm diversos formatos e tamanhos. E como essa parede está voltada para o sul, atua como principal receptora de luz da capela, compreendendo-se por essa luz o interior do espaço. Sua estrutura é vertical e em concreto armado, reforçada triangularmente, com pontos de apoio para a cobertura.
As horizontais e as verticais se encontram na entrada da capela. A inclinação da cobertura, descendente, dirige o olhar para a entrada, e a separação de elementos cria uma tensão dinâmica no ponto de clivagem.
Baker afirma que "em contraste com a estabilidade tranquilizante da parede sul, a parede norte é estirada, com duas capelas se fechando ao redor da entrada secundária" (BAKER, 1998, p. 269).
Na fachada leste sua lateral côncava indica que ela é uma área de fechamento. Os planos estão dispostos ortogonalmente, e o fechamento da cobertura está separado da própria cobertura por sua elevação e da parede adjacente por um pequeno recuo.
No lado oeste, uma gárgula, localizada na parte mais baixa do eixo longitudinal, se encarrega do escoamento das águas pluviais, e as direciona para um tanque de concreto, que atua como elemento escultórico, localizado em primeiro plano de um fundo que é uma simples parede curva.
"A dimensão espiritual da capela é expressa por meio da luz" (BAKER, 1998, p. 272). Le Corbusier explorou amplamente a luz em sua capela, de forma que as inúmeras maneiras de entrada de luz criam uma aura de mistério. A parede sul permite uma inundação de luzes multicoloridas, sendo que nas capelas a luz se dirige para os altares por meio de deflectores de concreto.
Temas das fachadas
Cada uma das fachadas apresenta temas diversos, de acordo com os elementos que as constituem. A parede norte é a mais diversificada, com as duas capelas gêmeas. As janelas de diferentes formatos e a escada "pontiaguda" com o primeiro lance solto e o último preso à parede ressaltam sua sensação de variedade.
A fachada oeste é uma "afirmação de massas", sustentada por uma torre de cada lado. Há também o receptáculo de concreto das águas fluviais, o volume dos confessionários e a gárgula que atuam como destaques para a parede branca e lisa.
As fachadas sul e leste são marcadas pela projeção da cobertura, que é sobrelevada das paredes, "para permitir que uma faixa estreita de luz penetre na capela apenas pelos lados sul e leste" (BAKER, 1998, p. 275). A parede sul é uma a ser transposta, em contraste com as formas esculpidas da parede leste adjacente. Pequenas aberturas salpicam de luz os fundos do altar pela parede leste, que agrega uma série de objetos funcionais simbólicos; o altar, o púlpito e o coro, necessários para as cerimônias ao ar livre.

Significado
Considerando a obra sem os seus elementos sacros, como o altar, o púlpito e a Madonna emoldurada na parede leste, o significado não é específico, e a existência é definida por meio da forma e da luz.
"A capela está colocada na paisagem para interagir com seu entorno, reafirmando a crença de Le Corbusier na relação entre ?homem, natureza e cosmos?" (BAKER, 1998, p. 276). "A localização no topo de uma colina se torna um fator maior, à medida que o volume da capela se expande e funciona, devido às três torres, como um receptáculo" (idem). A cobertura atua como um abrigo, mas exerce pressão no interior do edifício, quando seu peso recai sobre o eixo central.
"A brancura da capela ajuda a mostrar a forma, de uma solidez reconfortante, um mundo íntimo e sagrado a ser explorado", analisa Baker. O acesso é feito por uma grande porta que pivota em torno de um eixo, e a iluminação que sugere mistério ao mesmo tempo que, com suas inúmeras cores, transbordam o ambiente de alegria.
As formas são ao mesmo tempo enérgicas e serenas, há estabilidade e tensão, drama e repouso, "a capela é uma afirmação de contrastes, contrastes de formas que sugerem uma grande quantidade de referências à condição humana" (BAKER, 1998, p. 277).

Conclusão
Por esses aspectos, Notre-Dame du Haut é considerada resultado da maturidade de Le Corbusier, onde a certeza dos anos vinte desapareceu, dando lugar a contradições e ambiguidades deliberadas; onde se coloca questões ao invés de fornecer respostas. A capela é uma "manifestação alegórica da natureza", que, por inferência, constitui uma interpretação da própria vida. .

"A casca de um siri apanhado em Long Island, perto de Nova York, em 1946, está em minha prancheta. Ela vai se tornar a cobertura da capela." (CORBUSIER apud BAKER, 1998, p. 279)


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REFERÊNCIAS
ARNHEIM, Rudolph. Art and Visual Percepticion. Londres: 1954.
BAKER, Geoffrey. Le Corbusier: uma análise da forma. São Paulo: Livraria Martins Fontes Editora Ltda., 1998.
DARLING, Elizabeth. Le Corbusier. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 2000, 80 p.
FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CORBUSIER, Le. The Chapel at Ronchamp. Londres: Architectural Press, 1957, pp. 89, 90 e 91.