.1. Educação e Escola

Comecemos, pois, por chamar atenção aos espaços pedagógicos da escola. Entendo por espaços pedagógicos da escola não as divisões físicas propriamente ditas, como o pátio, a quadra, as salas, o auditório (quando há), mas espaços pedagógicos como cultura, possibilidades do diálogo, do diferente, do debate, por que não do embate? Os espaços pedagógicos não estão dados, eles precisam ser construídos, mas para tanto é preciso que se permita tal construção; que haja vontade política. Assim, é necessário haver mudanças de atitude, transformar o olhar; interrogar o sentido da escola, da educação.
Como vimos anteriormente, nos espaços pedagógicos de uma escola viva a possibilidade de criação está sempre presente. Sobre este ponto, criação, criatividade, não é demasiado repetir as palavras de José Ternes ao comentar Gaston Bachelard.

Bachelard leva a sério esse lado da questão: o da criação pura, o da “pura fantasia”. Para isso, será preciso conferir positividade à imaginação. Isto é, percebê-la como lugar de realidade. Ou, se quisermos permanecer realistas, dar positividade ao irreal (TERNES, 2007, p. 110).

A escola viva caminha para se valer sempre de um contexto em que há uma dinâmica própria da escola, da educação que, embora não seja visível a todos, traz nos espaços pedagógicos a marca das muitas possibilidades de experiência. Para o professor atual, é necessário romper com os padrões vigentes da escola. É preciso permitir aos alunos fazer perguntas, bem como respondê-los com novas perguntas. Nessas condições, é possível, por exemplo, a uma professora de literatura ou teatro proporcionar não apenas a repetição da peça escrita a ser montada, ensaiada pelos atores (alunos); ela não impõe aos alunos os passos a ser seguidos, ela faz questão que os próprios alunos construam seus passos, que criem, que soltem a imaginação. Um belo exemplo de que a autonomia não gera necessariamente a criatividade, mas onde há criatividade vislumbra-se o horizonte das possibilidades de autonomia.
Entretanto, autonomia consiste em autonomia de pensamento. Isto possibilita romper com os obstáculos pedagógicos. Bachelard (2011, p. 18) lembra que “diante do real, aquilo que cremos saber com clareza ofusca o que deveríamos saber”. Poderíamos parafrasear Bachelard e dizer que aquilo que cremos ensinar ofusca o que deveríamos ensinar. O olhar volta novamente para a escola viva. Esta escola não pode ser confundida com um lugar em que as crianças ficam por um determinado período de tempo apenas porque os pais não têm com quem deixá-las enquanto vão trabalhar. Como bem disse Olga Pombo: “a escola tem uma missão sagrada que é permitir que o conhecimento humano avance”. Talvez você pergunte: avançar como e em quê? Existe receita para isso? Bem sabemos que não há receituário a ser seguido. Talvez, precisamos estudar mais; inventar nossos próprios caminhos.
Segundo Olga Pombo (2012), a transformação epistemológica em curso exige que a universidade e a escola sejam preparadas para o trabalho interdisciplinar. Porém, nos dizeres de Pombo “a melhor maneira para a escola fazer interdisciplinaridade é pensar o que ela é”. Assim, muito embora ninguém saiba como se fazer interdisciplinaridade – isto em parte se explica pelo fato de ser ela uma questão recente – não se anula a possibilidade de tentar. “É preciso saber por que se estar a fazer”, disse Olga Pombo (2012). Dessa maneira, é possível evitar confusões, simplificações e banalizações em nome da interdisciplinaridade, como se esta fosse uma entidade em si. Compreende-se, pois, interdisciplinaridade como atitude e prática do pensamento.
Desta maneira, cabe perguntar: qual o espaço do pensamento na escola? Esta é, a nosso ver, uma questão central, pois o instinto formativo, nos dizeres de Bachelard, está impregnado na escola como se isso resolvesse tudo. Formar quem e para quê? Segundo Bachelard (2011, p. 19), “o instinto formativo acaba por ceder a vez ao instinto conservativo. Chega o momento em que o espírito prefere o que confirma seu saber àquilo que o contradiz, em que gosta mais de respostas do que de perguntas”. Nesse ponto, predomina o instinto conservativo e seu domínio anula o crescimento espiritual, a inquietação, a dúvida, a inconformação. O que permite tal quadro?
Segundo Roure (2003, p. 352),

vivemos sob o imperativo de que tudo deve ser dito de forma clara e transparente. Um dizer sempre passível de interpretação. Não há espaço para o silêncio e para o sem sentido, pois fazer parte do nosso mundo implica em não se estar fora do sentido. Quer dizer, é como se o sentimento de unidade do sujeito moderno fosse confirmado pelo sentimento da unidade do sujeito.

E acrescenta a autora:

em relação à educação, isso se problematiza, pois se torna cada vez mais comum depararmos com discursos pedagógicos que ao se encontrarem fascinados pelo impacto das novas tecnologias – em particular as que lidam diretamente com a informação e a comunicação – colocam em segundo plano a importância da dimensão simbólica da relação professor-aluno, mediada pela palavra, no processo formativo do segundo.(p.354)

Observe que Roure descreve a falta de espaço para o “silêncio e para o sem sentido” na atualidade. E logo em seguida discorre acerca das implicações disso na educação, consequentemente, na escola. Trata-se de uma escola que se preocupa em alardear as inovações tecnológicas em detrimento das relações inter-pessoais, entre professor e aluno; esquece-se que a ferramenta tecnológica pode ser um meio e não um fim. Não se trata, porém, de negar a tecnologia, pois a partir de Gutenberg, por exemplo, presenciamos os avanços da melhor ferramenta de ensino-aprendizegem, o livro. Contudo, é bom lembrar que na escola, o melhor uso do livro se dá via mediação do professor. Com o computador, com a internet, não deve ser diferente.