Notas Introdutórias sobre Diversidade Sexual e Direitos Humanos Amanda Oliveira Cruz Carine Oliveira da Silva Greyssy Kelly Araújo de Souza Ivan Carlos Souza Lemos Larisse Miranda de Brito RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir a homossexualidade vinculada ao debate contemporâneo dos direitos humanos. Aliando-se ao suporte teórico o qual sinaliza que, as relações e práticas sociais são construções históricas situadas no tempo e no espaço das organizações sociais, sendo, portanto, edificações históricas, que como tais devem ser analisadas de forma a contemplar as especificidades de cada período histórico, compreendendo este como mutável. O trabalho se dividirá em três momentos: 1) no primeiro faremos uma análise comparativa de momentos históricos distintos e suas formas de apreensão do "sexo" discutiremos, portanto, a contextualização histórica do sexo 2) para num segundo momento analisarmos as conseqüências da relação contemporânea com o sexo e/ou sexualidade e 3) por último trataremos mais especificamente dos Direitos Humanos no que tange aos direitos sexuais. Palavras-Chave: Direitos Humanos, Sexualidade, Homossexualidade e Homofobia INTRODUÇÃO: Este trabalho tem por objetivo discutir a homossexualidade vinculada ao debate contemporâneo dos direitos humanos. Aliando-se ao suporte teórico o qual sinaliza que, as relações e práticas sociais são construções históricas situadas no tempo e no espaço das organizações sociais, sendo, portanto, edificações históricas, que como tais devem ser analisadas de forma a contemplar as especificidades de cada período histórico, compreendendo este como mutável. As construções históricas das relações e práticas sociais são assentadas na instituição de normas e condutas que dizem respeito à forma de organização de determinada sociedade ou período histórico, desta maneira podemos observar que, como nos aponta Laquer "o sexo assim como o ser humano, é contextual." (ROMERO apud LAQUER, 2008, p.1). O trabalho se dividirá em três momentos: 1) no primeiro faremos uma análise comparativa de momentos históricos distintos e suas formas de apreensão do "sexo" discutiremos, portanto, a contextualização histórica do sexo 2) para num segundo momento analisarmos as conseqüências da relação contemporânea com o sexo e/ou sexualidade e 3) por último trataremos mais especificamente dos Direitos Humanos no que tange aos direitos sexuais. 1. Sexo e História: "O sexo, assim como o ser humano, é contextual." (Romero apud Laquer, 2008, p.1) Assentados na discussão da construção social do sexo, introduziremos neste tópico um breve apanhado histórico da compreensão do sexo na antiguidade clássica e na era moderna, após a Revolução Burguesa. Tomando o sexo como uma construção social temos que, no período medieval tínhamos o que se convencionou chamar de "sexo único", acreditava-se que homens e mulheres dispunham do mesmo órgão sexual, entretanto o órgão sexual feminino era "invertido", "virado para dentro". Ser homem ou ser mulher dependia das experiências sócio-culturais de cada indivíduo, note-se, no entanto, que o padrão é o corpo masculino, ou em outras palavras, "(...) o homem é a medida de todas as coisas..." (NEPOMUCE apud LAQUER,?, p.?). Contudo é interessante observar que a distinção que se faz neste período não se baseia no sexo biológico uma vez que existe um "único sexo", mas sim a partir das experiências vividas por cada indivíduo nesta sociedade. Podemos então chegar à seguinte conclusão, "(...) o sexo ou o corpo, era compreendido como um epifenômeno, enquanto que o gênero, como processo cultural, algo mais "real". Desta maneira se construía historicamente as diferenciações de gênero, precedentes as diferenciações de sexo." (NEPOMUCE apud LAQUER,?, p.?). Em outras palavras, no período medieval, as experiências sociais de cada indivíduo iram lhe determinar o gênero, ou seja, ser homem ou ser mulher dependia dos papéis desempenhados por cada indivíduo na sociedade. No final do século XVIII este quadro começa a se modificar, com a Revolução Francesa e o "progresso" da ciência, a "teoria" do sexo único irá ceder lugar à diferenciação biológica dos sexos, e esta distinção irá agora identificar homem e mulher não a partir de suas experiências sociais, mas sim a partir da posse de determinado órgão sexual. Desta maneira nasce à dicotomia homem/mulher, na qual ao primeiro é dado o papel racional e ativo enquanto que ao segundo é relegada a condição passiva de indolência e doçura. A sexualidade passa, portanto a ser vivida de acordo com o órgão sexual que cada indivíduo possui, estamos entrando na "era" da heteronormatividade. Se como afirmamos anteriormente no processo histórico construímos relações e práticas sociais a partir das quais instituímos normas e condutas, chegamos então à conclusão que a era moderna inaugura como padrão de normatividade sexual: a heterossexualidade, condenando qualquer outra forma de experiência sexual. O início do século XVIII e o surgimento da sociedade burguesa dão origem ao que Focault chama de Idade da Repressão onde os modelos heterossexuais e essencialmente patriarcais são os aceitos como normas de condutas morais. Para completar o quadro "(...) o enraizamento da cultura cristã [nos trás o modelo de família baseado] em casamentos monogâmicos entre casais heterossexuais..." (ROMERO apud FOCAULT, 2008, p.1). Desta maneira, tudo o que foge da normalidade será considerado anomalia, segundo os padrões morais e os valores desta sociedade. É, pois, neste momento que nasce as formas de punições sejam elas institucionalizadas ou não, a tudo que se considera anormal de acordo os padrões estabelecidos pelas normas "criadas" a partir da construção histórica das relações sociais. Abordaremos no próximo tópico como a homossexualidade vem sendo tratada ao longo da história, sobretudo no Brasil, dentro das normas e condutas da sociedade burguesa em desenvolvimento que adota a heterossexualidade como única experiência aceita de vivência da sexualidade. 2. Homossexualidade e os Antecedentes da Homofobia: "(... )primeiro evidenciando como cristianismo, herdeiro da tradição judaica, delega a heterossexualidade o único comportamento natural conforme a lei divina, inaugurando assim, uma homofobia até então desconhecida nas populações...." (Fernandes, 2009, p.215) Baseado no que foi supramencionado, discutiremos neste momento, como a sociedade moderna trata a questão do homossexualismo, visto que, dado os padrões da heteronormatividade sabemos que o homossexualismo é uma das várias maneiras de vivenciar a sexualidade que "não se enquadra nos padrões e normas estabelecidas pela sociedade burguesa". Dito isto debateremos com maior afinco a questão da homofobia no Brasil, como esta se processa na dinâmica histórica do nosso país. Segundo afirma Mott as práticas homossexuais em terras tupiniquins data desde a chegada dos colonos, "Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, um dos aspectos da cultura ameríndia que mais os escandalizou foi à prática generalizada da homossexualidade tanto masculina quanto feminina. Os índios gays eram chamados "tibira" e as lésbicas "çacoaimbeguira." (MOTT, ?, p.5; grifos do autor). As práticas homossexuais se intensificaram ainda mais com o tráfico negreiro. Na terra dos colonos, país de cultura Católica, o homossexualismo era considerado crime, um atentado contra a nação, sendo assim as punições vinham tanto da Igreja quanto da justiça. No que tange as punições cristãs a tal "crime" o Tribunal da Inquisição atuou de maneira perversa na caça aos homossexuais e lésbicas. No Brasil, segundo os arquivos portugueses, "quase cinco mil denúncias contra lésbicas e gays luso-brasileiros, dos quais mais de 400 foram presos, sentenciados, açoitados e degredados para territórios distantes..." (MOTT,?, p. 6). As crianças eram ensinadas a reagir com violência diante de qualquer tentativa de sedução por parte de uma pessoa do mesmo sexo. Segundo Mott nos relata, nos países da América Latina de cultura escravocrata o machismo e a homofobia se incrustaram de forma mais danosa, e não é difícil entendermos por que, uma vez que, o centro ou a colônia dita às regras, e as práticas "ruins" são relegadas aos povos primitivos e sem cultura (índios e negros), as práticas desses povos representavam, portanto forte "ameaça a manutenção da elite dominante." (idem; ibidem). Diante do quadro das barbáries cometidas contra homossexuais , em 1824, por influência do Código Napoleônico, a Constituição descriminaliza a homossexualidade, sem, contudo, banir a ideologia anti-homossexual que continuava arraigada, tanto no imaginário da população, quanto nas instituições médicas e policiais do país. Em 1978 surge o primeiro grupo de luta em prol da defesa dos direitos dos homossexuais em São Paulo e, em 1980, nasce mais um grupo na Bahia. Longe de ser sanada, a ideologia anti-homossexual ainda persiste nos dias atuais, este grupo ainda se encontra marginal no que tange ao acesso aos direitos. Discutiremos no próximo tópico como é tratada a questão dos "direitos sexuais" na agenda dos Direitos Humanos. 3. Direitos Humanos e Direitos Sexuais: "(...) as questões da sexualidade no contexto dos direitos humanos partem da idéia de direitos reprodutivos para chegar aos direitos sexuais." (RIOS, 2006, p.75) Neste tópico abordaremos como os direitos sexuais são tratados no contexto dos Direitos Humanos, uma vez que, este pressupõe liberdade, igualdade e dignidade, a todo ser humano, sem distinção de sexo, raça, classe, etc. Ao longo dos últimos anos a discussão da sexualidade tem girado em torno do direito de reprodução. Segundo Fernandes se faz necessário neste momento ampliar o debate uma vez que, o termo "sexualidade" abrange, sobretudo, as formas de vivenciar a mesma. É, pois neste sentido que o autor propõe um debate em torno de um Direito Democrático a Sexualidade, pois, fundamentado nos ideais previstos pela agenda dos Direitos Humanos (liberdade, igualdade, dignidade) o que se percebe em volto a discussão dos direitos sexuais é um anacronismo no que tange a esses princípios básicos. As práticas homofóbicas de vários setores da nossa sociedade são reflexos também do tratamento dado pelos vários setores institucionalizados do nosso país, e neste contexto a Igreja Católica tem uma forte participação uma vez que, esta abarca em seu discurso aquele velho e ultrapassado grito que diz: só existe uma forma de viver a vida amorosa, pois o homem está para a mulher assim como a mulher está para o homem. São crenças como estas que inviabilizam o exercício pleno da sexualidade. Podemos dizer, portanto que, reduzir a sexualidade às práticas e identidades predefinidas incorre em um descumprimento dos direitos humanos, uma vez que, cada ser humano é livre para viver sua sexualidade de acordo com sua vontade sem interferências de outrem. Portanto, como afirma Rios: "Liberdade e igualdade, princípios básicos das declarações dos direitos humanos e do constitucionalismo clássico seriam esses os princípios, cuja afirmação implica o reconhecimento de cada ser humano de orientar-se de modo livre e merecedor de igual respeito, na esfera da sexualidade." (RIOS, 2006, p.83) Os instrumentos internacionais têm de forma visível, evoluído na discussão legítima e necessária da situação da mulher, esta evolução permitiu a ampliação do debate com vias a abarcar a questão dos direitos reprodutivos e a noção dos direitos sexuais, dessa maneira é preciso alargar a discussão em torno do debate uma vez que, os direitos sexuais não podem se restringidos apenas à discussão de reprodução. É certo que, nossa sociedade de raízes heteronormativas e machistas, tende a se colocar contra a uma compreensão ampliada dos direitos sexuais, daí a validade da afirmação de Mott, quando este diz serem os homossexuais um dos grupos mais discriminados na nossa sociedade. Não temos uma compreensão da sexualidade baseada no prazer, como nos adverte Fernandez, mas antes nos voltamos à discussão do ato sexual como um ato com finalidade defina: a reprodução. A igualdade pretendida pela sociedade democrática moderna negligencia este direito a uma parcela significativa da população, prova disto são os inúmeros insultos sofridos por diversos grupos de "minorias", dentre eles os homossexuais, agravos estes vindos desde o desconhecido que passa na rua até o médico que diz ser a homossexualidade uma doença. No plano jurídico por sua vez, temos também a reprodução desses discursos preconceituosos e arcaicos sustentados (como já foi supramencionado) na discussão de direito a sexualidade como direito reprodutivo e direito a saúde. É necessário que se perceba a diversidade enquanto tal, e estando dentro da dinâmica diversa é preciso que se tratem as questões de grupos diversos tendo em vistas suas particularidades e especificidades, é neste sentido, pois, que o direito a sexualidade deve abranger outras questões para além da condição feminina, para então, conferir e efetivar esses direitos para os grupos até então excluídos. É bem verdade que estamos avançando, a união estável entre gays e lésbicas tem crescido, bem como, foi um grande avanço a inclusão, a partir de 1996, de companheiro do mesmo sexo em plano de saúde federal. Entretanto é preciso avançar de forma menos inibida atingindo, sobretudo, a ideologia da heteronormatividade e da família heterossexual, uma vez que, as demandas postas na ordem do dia pedem soluções efetivas. Neste sentido é preciso que lutemos contra as várias formas de manifestações homofóbicas presentes na nossa sociedade: "No domingo (14) de manhã, um grupo formado por quatro menores e um jovem de 19 anos, todos de classe alta, agrediu com socos, chutes, pauladas e lâmpadas fluorescentes três pedestres que caminhavam na avenida Paulista. Agressão foi motivada pelo fato de as vítimas serem ou estarem acompanhadas de homossexuais, o que tipifica um crime de homofobia". (Disponível em:<< http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/11/19/apos-agressoes-a-gays-avenida-paulista-tem-ato-por-lei-antihomofobia.jhtm>>) Episódios como este não podem acontecer numa sociedade que se forja com bases em direitos democráticos de igualdade, liberdade e dignidade. Embora já tenhamos leis que garantem punições a agressões contra as mulheres e contra discriminação de cor os atos de homofobia ainda não são "punidos perante a lei", neste sentido os grupos de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, têm lutado desde 2006 para a aprovação da lei contra a agressão homofóbica, ainda em andamento no Congresso Nacional. Notas Conclusivas: Diante do que foi exposto queremos neste momento final sinalizar para algumas possíveis soluções quanto à problemática da diversidade sexual na contemporaneidade. Tendo em vista a discussão feita na 1ª parte deste trabalho a qual sinalizou a discussão da heteronormatividade presente na sociedade, afirmamos o posicionamento da desnaturalização da heterossexualidade como a única e exclusiva forma de viver a sexualidade uma vez que, isto se constitui numa relação dicotômica assentada, sobretudo, num jogo hierárquico de poder. No que tange à homofobia sabemos que a garantia que os direitos constitucionais e os Direitos Humanos internacionais garantem igualdade a todo Ser humano, logo nada explica práticas deste tipo, nem tampouco a exclusão de alguns grupos no acesso a esses direitos. Gostaríamos de finalizar o trabalho citando Rios na sua proposta de construção de um direito democrático à sexualidade: "Liberdade, Igualdade e dignidade são princípios estruturantes, derivados da idéia de direitos humanos e dos direitos constitucionais fundamentais, para a construção de um direito democrático da sexualidade." (RIOS, 2006, p.98). É preciso lutar pela efetivação desses princípios. Referências: Disponível em: <> Disponível em: <> Disponível em: Disponível em: > MOTT, Luiz Roberto. Homofobia: a violação dos direitos humanos de gays, lésbicas e travestis no Brasil. [s.l.ed] [s.ed], p.1-16