Notas de Leituras: Medo e ousadia: o cotidiano do professor
Luis Carlos Borges dos Santos



Ao ler o primeiro capítulo da obra "Medo e ousadia: o cotidiano do professor" de Paulo Freire e Ira Schor, enfatizaremos cinco idéias problematizadas pelos referidos autores: o uso da palestra em uma aula libertadora; as reações negativas ante o uso da pedagogia freiriana; a necessidade de aprendizado constante do professor com os seus alunos para um exercício docente democratizante; a natureza política da educação e as frustrações infringidas ao professor-libertador.

Uma idéia trabalhada por Ira Schor foi sobre a utilidade da aula expositiva para codificar verbalmente a realidade. A palestra pode também fazer parte de uma pedagogia libertadora, pois ela não implica um aula tradicional, e, elem disso, uma aula dialogada poderá aproximar-se dos modos antigos de ensino se o professor não propor questionamentos e desafios aos alunos. Ira sugere que um educador libertador poderá cumprir o seu papel de iluminar a realidade, ainda que com aulas expositivas e cita um exemplo aonde uma palestra sua foi precedida por uma produtiva participação da classe na escolha dos temas abordados. O palestrante contestou o senso comum para inspirar a contestação dos próprios alunos. A palestra poderá ser usada em meio a outras pedagogias paralelas, fazendo parte do dinamismo de uma aula libertadora.

No exemplo do professor Ira, notadamente ele soube aproveitar os conhecimentos adquiridos por seus alunos em seu prévio ensino informal, de seu cotidiano, que interferiram nos rumos da palestra proferida. O uso de pedagogias paralelas também significa a inserção de aspectos do ensino não-formal no ambiente da citada palestra. Uma observação anterior à exposição oral, como a feita por Ira (caso contrário o momento que antecedeu a palestra não teria sido descrita), serviu como coleta de dados para a sua exposição ter ligação com o cotidiano dos seus ouvintes.
Ira, em outro momento, ressalta a hostilidade de certos alunos seus diante a sua pedagogia.

Como nas aulas ocorrem diversos acontecimentos ao mesmo tempo e a pedagogia libertadora requer muito esforço por parte de todos, é natural que ocorram contestações. Realmente, um aluno passivo não seria amostra de êxito para esta opção padagógica. Ira culpa a "cultura de massas" que faz as pessoas não buscar a sua liberdade e sugere que ocorra uma mescla entre a pedagogia libertadora e a pedagogia tradicional quando o momento exigisse.

Por muito tempo a escola e a educação foram considerados sinônimos, e o cotidiano dos alunos como alheio à educação escolar: ainda hoje estes pensamentos acompanham muitos alunos que discordam de uma aula que encontre semelhanças com oficinas dignas do ensino não-formal. Para estes alunos, um planejamento com um coerente referencial teórico aonde as aulas-oficinas são organizadas são dominadas por desorientação e anarquia. Vencer este desafio representado pela sociedade ainda retrógrada parece ser um importante papel dos educadores que educam para a cidadania e para a justiça social.
Paulo freire enfatiza o aprendizado constante do professor.

As várias experiências em sala de aula, se bem aproveitadas, poderão auxiliar no ofício da docência, caso o professor tenha a percepção de que é uma possibilidade rica em significados e reflexões o aprendizado do professor constante com os seus alunos. Quando lecionou em Recife com alunos trabalhadores mudou radicalmente a sua pedagogia e compreendeu que a maneira de ensinar dos trabalhadores é através de seus silêncios em uma relação educativa informal.

Freire posicionou-se quanto ao aprendizado informal de seus alunos trabalhadores respeitosamente e hoje é modelo para propostas de trabalho no âmbito da educação não-formal e formal, principalmente quando voltadas às classes subalternas. As suas análises possibilitaram aulas mais produtivas, talvez por ter sido um bom ouvinte e ter criado uma noção clara de seus objetivos. A ampliação da intervenção das comunidades das escolas criaram esta nova demanda: uma maior relação entre o ensino informal e o ensino formal.

No primeiro livro de Paulo freire, "A educação para a consciência crítica" de 1969, ele ainda não tinha bem clara a noção da natureza política da educação. A posição política do educador molda a metodologia utilizada no ensino, ainda que ele não tenha muitas definições políticas e ofereça aos educandos uma profunda incoerência entre a sua teoria e a sua prática. Freire comenta que se o professor não é contra o racismo, por exemplo, não poderá impedir que alguém continue racista. A posição política do professor (mesmo que inconsciente), interfere na sua seleção de materiais, na sua organização de estudo, nas suas relações com os seus alunos, e Freire é otimista ao afirmar que uma pedagogia libertadora inspira mudanças para além das salas de aula.

Os meios de comunicação, como a televisão e a internet, ensejam novos questionamentos que o professor libertário, ao utilizá-los na sala de aula, estará democratizando este ambiente escolar para os seus alunos. Estes novos questionamentos fazem parte de seu ensino informal e estarão presentes na classe. Algumas metas, como o aprendizado das diferenças, as adaptações a diferentes culturas, terão êxito dependendo também dos valores do educador, valores que definirão a sua posição política. No entanto, apesar desta tendência para a busca de uma postura mais ativa dos alunos, não poderá vir acompanhada da passividade extrema do professor, pois caso contrário, ele perderá a sua função, não terá mais serventia nas salas de aula.Ira, por fim, defende a importância da libertação em diversos níveis, em parte para enfrentar as frustrações sofridas pelo professor libertador: muitas resistências, muito esforço que muitas vezes não criam os resultados esperados.

A cultura de massa é apontada por ele como adversária desta pedagogia libertadora; muitas vezes pequenas mudanças são possíveis e deixadas de lado e o professor contribui para o ensino permanecer como está. A graduabilidade é um instrumento para evitar desgastes e frustrações. Ainda estamos em um momento de transição, entre a antiga metodologia e o novo (a pedagogia libertadora?), aonde existem diferentes possibilidades escolares, menos burocratizadas e menos hierarquizadas. Ao mesmo tempo que há acúmulo de informações, há uma mediação dos saberes, pois em uma mesma escola há diferentes tipos de professores.

Como uma nova era na educação está surgindo, muitos conceitos e metodologias estão ainda em formação, como o conceito e os métodos para o ensino não-formal, por exemplo.
Estas idéias têm como centralidade a definição política do professor, que se pretende libertador, nos termos utilizados por Paulo freire e Ira Schor. Em primeiro lugar, faz-se necessário o conhecimento sobre as mais variadas tendências políticas, à esquerda e à direita para definir-se sem contrariedades entre a teoria e a prática.

Uma palestra, identificada com a pedagogia tradicional, a primeira vista jamais poderia ser utilizada em uma aula democratizante como a proposta analisada neste presente texto, no entanto os valores defendidos pelo professor está em primeira instância: o que vai ser utilizado aliado à exposição ora, quais as pedagogias paralelas, quais os símbolos gramaticais serão escolhidos, os que delimitam menores possibilidades de preconceitos, "denegrir", "americano" como sinônimo de estadunidense? A pedagogia libertadora deve ser utilizada aos poucos, gradualmente, de acordo com as peculiaridades de cada classe, pois o ensino tradicional e os seus valores intrínsecos estão ainda vivos na sociedade, e a imposição da pedagogia libertadora também é um traço tradicional, mesmo que fantasiado de liberdade, pois toda imposição é algo análogo ao totalitarismo, em essência um ato político, de opressão. O aprendizado do professor constante e permanente com os seus alunos é necessário para a sua evolução, pois a pedagogia freiriana é desgastante por exigir muito de todos. No entanto o desânimo será um detalhe ínfimo caso o professor libertário tiver posições políticas bem definidas e delimitadas.

Referência da leitura:
FREIRE, Paulo; SCHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 11. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.