NOMEAÇÃO  À AUTORIA: DIVERGÊNCIAS ENTRE O ART. 62 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/1973 E O ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL/2002 [1]

Rossana Mota Guimarães[2]

RESUMO

As intervenções de terceiros são reguladas pelo Código de Processo Civil desde 1973, contudo algumas normas posteriores levantaram alguns conflitos, como o art. 1.228 do Código Civil de 2002. Este trabalho tem como escopo analisar conflitos existentes na aplicação de uma das modalidades de intervenção: a nomeação à autoria. Com base em levantamento bibliográfico serão traçados breves comentários sobre conceitos e aspectos normativos das intervenções de terceiros, especificamente, a nomeação à autoria, ressaltando suas hipóteses, aplicação legal e finalidade. O presente trabalho apresentará também disposições sobre direitos reivindicatórios, no art. 1.228 do CC/02, fazendo uma análise crítica acerca de algumas divergências entre o referido dispositivo e o art. 62 do CPC/73.

PALAVRAS-CHAVE

Conflito de normas. Nomeação à autoria. Ações contra detentores.

 

 

 

 

Introdução

Considera-se formado o processo no momento da propositura da ação, quando o autor demanda uma ação por meio de uma petição inicial. Contudo, a relação processual somente é aperfeiçoada, triangularizada quando o réu passa a fazer parte do processo, figurando o pólo passivo da demanda. Havendo necessidade de ampliação ou modificação da relação processual originária, o Código de Processo Civil permite o ingresso de um terceiro, desde que o mesmo possua interesse jurídico na solução do conflito. A este instituto processual dá-se o nome de intervenção de terceiros. As intervenções de terceiros são reguladas pelo Código de Processo Civil desde 1973. Dentre as modalidades de intervenção existe a nomeação à autoria, com hipóteses previstas nos artigos 62 e 63 do CPC/73. Todavia algumas normas posteriores levantaram alguns conflitos envolvendo tal ferramenta processual, como é o caso do texto do art. 1.228 do Código Civil de 2002.   

Ao definir os poderes do proprietário, o art. 524 do Código Civil de 1916 arrolava o poder de reaver seus bens "de quem quer que injustamente os possua". Isto levava a doutrina a definir a ação reivindicatória como sendo a que cabe ao proprietário sem posse contra o possuidor sem título oponível ao dono. Como o detentor não tem posse, pois apenas conserva a posse alheia, em virtude de relação de dependência e de cumprimento de ordens do proprietário ou possuidor (CC/1916, art. 487), o CPC/73 instituiu a figura da nomeação à autoria, e sua hipótese para o mero detentor é apresentada pelo art. 62, por meio da qual o mero detentor, sendo demandado em nome próprio, deveria informar em juízo quem seria o proprietário ou possuidor, isto é, o legitimado para figurar no pólo passivo da ação.

Em 2002, o novo Código Civil trouxe mudanças em seu texto normativo, especificamente o art. 1.228, que alterou a descrição do direito de reivindicar pertencente ao proprietário, dispondo que lhe cabe, em relação à coisa, "o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".

O presente trabalho tem como escopo analisar a compatibilidade dos textos normativos, anteriormente citados, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, apresentando uma comparação entre a regulamentação da nomeação à autoria, dentro do CPC/73, e o direito de propriedade disposto no CC/02, bem como o conflito entre as normas e as divergências possíveis.

1 Aspectos normativos sobre as intervenções de terceiros

 

Para discorrer sobre a intervenção de terceiros, é importante entender o conceito de parte. De acordo com Didier (2012, p. 358) “o conceito de parte deve restringir-se àquele que participa (ao menos potencialmente) do processo com parcialidade, tendo interesse em determinado resultado do julgamento”. Também pode ser definido como quem demanda ação em face de alguém ou aquele que é demandado. Didier (2012, p. 359) também apresenta três maneiras de figurar como parte: a) tomando a iniciativa de instaurar o processo; b) sendo chamado em juízo; c) intervindo em processo já existente.

De outra forma, terceiro é aquele que originalmente não figura como parte.

Aquele que toma “parte” no litígio ou dele faz “parte” deve ser considerado parte (assim, por exemplo, locador e locatário); aquele que é estranho ao litígio ou dele não faz “parte”, embora a sentença contra ele produza efeitos, deve ser considerado terceiro (assim, por exemplo, o sublocatário). (MARINONI, 2011, p.88)

Logo, escrivão ou oficial de justiça não são terceiros, embora participem do processo auxiliando o juiz. Portanto, a intervenção de terceiros seria o ingresso de um terceiro, autorizado por lei, na relação processual já existente, desde que a sentença proferida repercuta na esfera jurídica do terceiro, ou seja, tem que haver o interesse jurídico no resultado do processo para que alguém ingresse como terceiro. Didier (2012, p. 350) apresenta a regra de que não cabe intervenção de quem não demonstrar interesse algum, bem como de quem apresentar mero interesse econômico ou moral.

São duas as premissas fundamentais da teoria geral da intervenção de terceiros: a) terceiros são todos os sujeitos estranhos a dada relação processual, que se tornam partes a partir do momento em que intervenham; b) o acréscimo de sujeitos à relação processual, em qualquer da hipóteses de intervenção, não importa criação de processo novo ou nova relação processual – a presença de um sujeito a mais torna a relação mais complexa, mas ela é sempre a mesma. (DIDIER, 2012, p. 351)

As intervenções de terceiros podem ser voluntárias e forçadas. As voluntárias, também chamadas espontâneas, são aquelas que dependem da livre vontade do terceiro. Enquanto as forçadas ou coactas dependem da provocação de uma das partes, tanto autor quanto o réu. São modalidades voluntárias a assistência, oposição e recurso de terceiro, e como modalidades forçadas o chamamento ao processo, a denunciação da lide e a nomeação à autoria. Sobre esta última serão levantados alguns aspectos legais.

2 Nomeação à autoria: hipóteses e procedimento de acordo com o Código de Processo Civil/1973

A nomeação à autoria encontra-se prevista no Código do Processo Civil desde 1973. É um dever processual do réu, sendo, portanto, obrigatória.

O sentido da obrigatoriedade liga-se ao nascimento de direitos no plano do direito material em relação a uma possível indenização por perdas e danos, na medida em que efetivamente tiverem ocorrido, que ocorre se o réu deixar de nomear à autoria, quando deveria tê-lo feito, ou nomear pessoa errada.(WAMBIER, 2007, p. 264)

A nomeação à autoria é autorizada nas seguintes hipóteses:

Art. 62. Aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou possuidor.

Art. 63. Aplica-se também o disposto no artigo antecedente à ação de indenização, intentada pelo proprietário ou pelo titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiros. (PINTO, 2010, p. 411)

O CPC/73 criou mecanismos para que alguém que esteja indevidamente no processo possa sair. Dentre os mecanismos existe a preliminar da contestação, no art. 301, X, do CPC/73, onde o réu alega carência da ação por ilegitimidade das partes, contudo, se não houver interesse jurídico, não poderá trazer o réu legítimo ao processo. Outro mecanismo é a nomeação à autoria, com duas hipóteses que autorizam o réu a nomear quem é o verdadeiro réu. São as situações previstas nos artigos 62 e 63 do CPC/73, mero detentor, aquele que tem o fâmulo da posse, e mero executor ou cumpridor de ordens, respectivamente. Nesses casos, não basta alegar, em preliminar de contestação, a carência da ação.

A nomeação à autoria será feita no prazo para defesa, e dependerá do “sistema de dupla concordância”, ou seja, da concordância do autor e do terceiro, aquele que é instado a intervir. Recebendo o pedido o juiz suspende o processo e, em cinco dias, deverá ouvir o autor, que poderá aceitar ou recusar. Se o autor recusar, o que somente pode ser expresso corre o processo contra o réu primitivo, diz-se nomeante. Se aceita a nomeação, cabe ao autor promover a citação do terceiro, diz-se nomeado. Este, ao receber a citação, poderá aceitar ou não. Caso reconheça (tácita ou expressamente) a sua legitimidade no pólo passivo da demanda, sai o nomeante e ingressa o nomeado, que terá prazo para defesa. Se o nomeado negar a qualidade que lhe é atribuída, permanece no processo o nomeante, devolvendo-lhe o prazo para defesa. Pelo art. 66 do CPC/73 a aceitação da nomeação à autoria será presumida quando: I - o autor nada requereu, no prazo em que, a seu respeito, lhe competia manifestar-se; II - o nomeado não comparecer, ou, comparecendo, nada alegar.

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