Reza a Bíblia que há muito tempo, mas bota tempo nisso, existia um bom velhinho, era tão bom esse senhor que o próprio Deus resolveu ser seu amigo íntimo. Nesse tempo a coisa aqui estava muito preta, tão complicada que o Todo Poderoso precisava visitar o divã do velho Noé semanalmente. Deus chegava e falava, falava, falava, e Noé ouvia tudo com imensa paciência e se sentia num dilema – como aconselhar o próprio criador? Numa dessas visitas, tinha o bom velhinho (Noé) tomado umas cachacinhas mineiras e andava com a cabeça cheia de idéias pra de uma vez ajudar Deus resolver aquele dilema. Deus amava as pessoas que tinha criado, mas todo mundo, exceto Noé e alguns poucos amigos se mantinham sociáveis. Tinha tudo o que não prestava na Terra, era ladrão, era mentiroso, deputados federais e estaduais, vereadores, executivos em geral e uma canalha terrível que entristecia o Deus. Pois bem , juntamente com essa corja citada no parágrafo anterior estava um primo de segundo grau de Noé, o terrível imbecil Não É. Ele tinha uns problemas com a honestidade, também sofria de invejite crônica, tinha problemas em fazer o bem, na verdade Não É tinha uma tremenda alergia ao bem, por isso perseguia as suas metas de fazer o mal durante todo o tempo em que estava acordado. Frequentemente alguns políticos se aconselhavam com o primo do mau, faziam alianças com ele, pois seus seguidores eram inumeráveis, tanto que as redes sociais da época ficaram congestionadas com tantos acessos e adicionamentos ao primo Não É. Não É era a personificação da maldade, daí seu tremendo sucesso. Alguns fanáticos criaram seitas como “Seguidores de Não ɔ, Não É pentecostais”, Não É e o sétimo cale-se, ou cálice para sempre”, e por aí vai um desfile de facções incomensurável da doutrina “Não Ézista”. Voltando àquele memorável dia da cachacinha mineira que Noé tomara, sentaram-se e decidiram conjuntamente dar cabo a toda aquela bandalheira. Parecia que tudo culminava para que o mundo fosse destruído com uma enorme enchente. Até aí você deve estar achando essa história muito parecida com a do famoso Livro Sagrado dos cristãos. Noé balançava o copo, tomava um gole e falava: - a chuva deve começar la em New York, não, melhor em Paris, ou sei lá, melhor no Brasil mesmo, não, então vamos começar aqui mesmo (disse isso fazendo um círculo com uma pequena vara que cortara no mato). No início Deus achou aquilo de muito mau gosto, uma enchente? Ora, que coisa, destruir o que eu criei! Mas Noé que não se atrapalhava quando chama seu amigo, confundindo-o com o seu pai, insistia que Deus apreciasse e deliberasse logo ali sobre sua insigne proposta. Deus por sua vez e extrema sabedoria que não o deixava tomar decisões precipitadas teve um insight: Sim Noé vamos destruir o mundo com água (falou para não desagradar o amigo que já passava de bêbado um pouquinho), mas você Noé, vai tomar conta do projeto pra mim combinado? (falou também acreditando que quando o porre de Noé passasse ele retomaria o juízo e recombinaria outra estratégia). Tal que nada, Noé mesmo de ressaca no outro dia já começa a construir um barco pra salvar os amigos bons, chamou uns ribeirinhos especialistas em canoas, uns calafetadores, e iniciaram a tal obra gigantesca e literalmente santa. Eita! Bastou Não É passar e ver o “canoão” do primo que já ficou curioso extremo, comprou umas cachacinhas daquelas e levou para a casa do primo no intuito de estreitar os laços de família: - Noé meu primo, a quanto tempo? – Pois é Não É, logo você que mora tão perto nunca aparece. – Então primo, você não me adiciona nas redes sociais. – É que o sinal do cipó aqui é muito fraco. – Hum primo Noé (disse passando uma garrafinha de cachacinha) que bajara é essa que estais a construir aqui na ilharga da tua casa? – Ah primo não posso contar, é um segredo com um velho amigo. – Logo vi, tens agora amigos influentes? – nada muito especial, ele tem um filho que é carpinteiro e se cerca de pescadores, só isso. – Bebe Noé, bebe, aproveita e fala logo o que se passa nessa cabecinha. Depois da vigésima terceira cachaça e do papo mole do Não É, Noé bate com a língua nos dentes e conta a tal novidade da enchente. Passando a mão no Tablet Não É já contatou dali mesmo alguns políticos influentes, alguns vereadores, e de lá começaram a fazer um grande mutirão para a construção de um transatlântico que iria salvar os representantes da parte podre da humanidade. Noé que salvaria a poucos, continuou sua jornada na humilde barcaça enquanto seu primo já oferecia passagens a um preço exorbitante no grande cruzeiro de fim de mundo que estava a organizar. Claro que a obra foi superfaturada e o material utilizado foi de segunda, pois embora o navio fosse salvar muitos políticos, alguns ficavam receosos que a enchente fosse alarme falso, desta forma garantiam o seu “por fora” e ainda garantiam suas vidas caso o velho Noé estivesse com a razão. Depois de construído o imenso transatlântico o safado do Não É ainda pleiteou patrocínio para a alimentação durante a jornada, pois os bilhetes de passagem só concediam direito a hospedagem e café da manhã. Contratou também algumas bandas de forró e umas duplas sertanejas pra animar a viagem e entreter o povo presente. Não É foi chamado aos maiores programas de TV pra falar do imenso projeto e garantiu que mesmo que faltasse a chuva o alagamento sairia, pois já contratara umas barragens pra que fossem rompidas alagando a área e proporcionando toda a emoção daquela esperada viagem. Todo tipo de gente que se julga digna de alguns privilégios procurava também o Não É reivindicando o seu lugar alegando a manutenção das diferenças e da multicoisalidade. Alguns governos implantaram cotas, garantindo o assistencialismo social e votos para alguns políticos. Noé, já quase esquecido nessa nossa narrativa já terminava o seu barco que de longe parecia um bote salva vidas daquele glamoroso e elegante condomínio das águas. No dia do embarque a turma de Noé chegava, uns de charrete, uns de chevette, uns de brasilia, uns de 147 e iam descendo com a farofa, o feijão, o charque, e muito bronzeador a base de urucum. No “Nave Não É1” – foi como batizaram o navio enorme, chegavam primeiro os que desciam de helicóptero, depois o pessoal das limusines, depois os das caminhonetas com cavalos desenhados nas laterais e iam –se enchendo os dois flutuantes abrigos. Deus quando viu aquela palhaçada realmente entendeu o que é dialogar com um amigo quando ele tá de porre. Pensou e teve que tomar a difícil decisão, abriu as torneiras do céu e esvaziou as caixa d’água de lá, enchendo bastante a terra dos bons e dos ruins, cumprindo assim, a sua promessa que a Noé fizera. No barco de Noé rolava o sambinha nosso de todo dia, as pessoas acordavam cedo pra procurar o que fazer, uns pescavam, outros preparavam os peixes e esperavam que logo passasse aquela maré de enchente e tudo voltasse ao quase normal, enquanto no “Nave Não ɔ as atrações cada dia ficavam melhores e o povo nunca procurava o que fazer. Um dia o capitão teve uma ideia quase brilhante – já que não tem destino, o navio é grande e forte pra qualquer eventualidade, vou parar de trabalhar também, chamou os seus marinheiros e deu férias coletivas para que pudessem aproveitar a viagem sem perder seus benefícios sociais. Dia ou outro os barcos passavam lado a lado e os ocupantes de cada navio tinham a oportunidade de bisbilhotar a vida de quem ia no outro lado. Noé um dia meio irritado chamou o povo numa reunião e os proibiu de pararem suas atividades para brechar a vida alheia e ponto final. Já no “Nave Não ɔ um publicitário teve a genial ideia de colar câmeras escondidas no navio vizinho para assistirem de camarote pela TV Não É o que rolava no barco de Noé, geralmente os namoros e as relações de trabalho. As pessoas mais vagabundas do “Nave Não ɔ ficavam chateadas quando eram interrompidas de ver as bobagens que aconteciam com os pobres filmados e conseguiram que o patético Não É instalasse uma TV especial que transmitisse sem intervalo tudo que acontecia no outro lado, bastando assinar um pacote de preço exorbitante para ter direito. Esses aparelhos transmissores já eram instalados nos banheiros de uso privado para que essas pessoas viciadas no alheio não perdessem nada nem pra... deixa pra lá. Quando as águas baixaram, quem vinha no barco de Noé logo saiu pra procurar serviço, foram plantar, colher, coser, vender, comprar e fazer a roda do mundo girar. No “Nave Não ɔ ainda tinha muita comida, muita diversão, muito político, e o povo ficou lá sem preocupação de sair. Os Noezistas como ficaram rotulados pelo Nãoezistas enriqueciam todos os dias, produzindo cada vez mais até que acabaram com as economias dos ociosos moradores ilustres, que resolveram descer pra desta vez assaltarem, fraudarem, invejarem, destruírem e vandalizarem o que os Noezistas faziam. Alguns movimentos surgiram dentro do casco do navio que já ficava antigo, e abandonado pela má gestão que o acompanhara pelo tempo, muito lixo, muita ferrugem, pedintes, mendigos, menores abandonados e todo tipo de mazela que você possa imaginar. Foi então que Deus resolveu chamar Noé pro outro lado para ser seu vizinho, claro. Não É, o primo do mau parece que fez aliança com um cara que frequentava o lado contrário das coisas como se era de imaginar. O mundo foi novamente expandindo e os reprimórdios foram morrendo e deixando suas raízes. Dizem os mais observadores e perspicazes que ainda hoje é fácil de diferenciar quem veio no barco do Noé e quem veio no barco do Não É. É ou Não É?