Noções gerais sobre a relativização da coisa julgada

Cristhiano Botelho Arrais[1]

Eriveuto Rodrigues Alves Sobrinho[2]

Vicente Ferrer de Castro Alencar[3]

 

RESUMO: O Estado exerce várias funções de organização social, com o objetivo de promover o bem-estar da coletividade e promover a paz entre todos. Uma dessas funções de vital importância é desempenhada por um poder constituído pela norma fundamental para resolver os conflitos de interesse que eventualmente surgissem no seio social. Trata-se do Poder Judiciário. Através de sua atividade de julgar os conflitos, a atividade de dizer o direito (jurisdição), o Poder Judiciário procura apaziguar as querelas envolvendo os indivíduos e estes e o Estado, promovendo e distribuindo a justiça. Para tanto, a própria Constituição da República ofereceu instrumentos de efetivação das decisões judiciais, dentre os quais mais se destaca a coisa julgada. Ela é um atributo de segurança indispensável à atividade de julgar, porque permite que aquilo que foi decidido pelo Judiciário permanecerá estável. Todavia, há teorias na doutrina processualista que procuram ver essa qualidade de imutabilidade com outros olhos, pugnando pela possibilidade de sua relativização para atender certos fins ou obedecer a fundamentos superiores, como a própria justiça da decisão. Essa teoria, denominada relativização da coisa julgada, consiste no objeto da presente produção, que tem a finalidade de fazer uma análise geral do desenvolvimento teórico atual a respeito dessa temática. Sua importância para os estudos jurídicos é bem perceptível, uma vez que, como afirmado, o atributo de segurança das decisões judiciais é pressuposto da própria função estatal. Para o desenvolvimento do objetivo desse artigo, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, buscando informações da melhor doutrina a esse respeito em artigos da internet e livros jurídicos. Depois disso, os dados colhidos foram analisados qualitativamente, por métodos de exploração descritivo, analítico e dedutivo, que permitiram chegar às considerações finais da produção. Ao final do processo de pesquisa, percebe-se a importância do estudo do tema, sempre novo, para melhor compreender a função da jurisdição.

1 Introdução

A segurança das decisões judiciais está diretamente ligada à segurança da própria sociedade, vez que esta busca no Poder Judiciário um local onde pode submeter as suas demandas e seus conflitos a uma apreciação com o objetivo de pacificação dos problemas sociais.

Essa segurança guarda relação umbilical à ideia de imutabilidade do que fora decidido judicialmente, vez que somente a certeza que de o que lhe foi dado será observado poderá, realmente, fornecer segurança aos particulares que submetem ao Poder do Estado os seus problemas.

Por essa razão, falar em rediscussão daquilo que já foi decido, falar em relativizar o que foi garantido pela manifestação do poder Judiciário é um tema delicado, ao qual nos lançaremos a estudar. Objetivamos lançar luz a essa problemática, sem, no entanto, pretender fechar as discussões acerca de tal problemática.

Ao passar pelos conceitos do processo em geral, como a sua finalidade; a própria ideia do que seja a coisa julgada e, por fim, chegar as teorias que defendem sua relativização, fizemos esforço no sentido de unir o conhecimento mais relevante a respeito dessa matéria, culminando com nossas conclusões, ao final. Para tanto, nos valemos da pesquisa bibliográfica, abordada qualitativamente.

2 Coisa Julgada

2.1 Elementos da Teoria do Processo

Para dar início as discussões a respeito da relativização da coisa julgada, é preciso fazer uma abordagem geral sobre conceitos da teoria do processo que vão ajudar na compreensão dos conceitos trazidos nesse trabalho. Para tanto, é importante trazer, inicialmente, o conceito de processo.

Do ponto de vista amplo, é preciso entender o processo comum um meio através do qual o Estado exerce seu poder de organização e pacificação social. Processo está ligado diretamente a uma ideia de distribuição de justiça feita pelo poder público, que age para resolver conflitos sociais que poderiam por em risco a coletividade e o bem comum a todos.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido Rangel Dinamarco (2007, p. 47) falam sobre o processo:

Seja ao legislar ou ao realizar atos de jurisdição, o Estado exerce o seu poder (poder estatal). E, assim como a jurisdição desempenha uma função instrumental perante a ordem jurídica substancial (para que esta se imponha em casos concretos) – assim também toda a atividade jurídica exercida pelo Estado (legislação, jurisdição consideradas globalmente) visa a um objetivo maior, que é a pacificação social. É antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo justiça, que o Estado legisla, julga e executa (o escopo social magno do processo e do direito como um todo).

Trabalhando um conceito mais jurídico de processo, pode-se trazer os conceitos desses dois grandes juristas para explicar o que é o processo:

"Processo é o método pelo qual se opera a jurisdição, com vistas à composição dos litígios. É instrumento de realização da justiça; é relação jurídica, portanto, é abstrato e finalístico". (Elpídio Donizetti)

"Processo é o sistema de compor a lide em juízo através de uma relação jurídica vinculativa de direito público". (Humberto Teodoro Júnior)

Dessa maneira, misturando os dois conceitos, podemos entender o processo como um instrumento criado pelo Estado para se chegar à Justiça social, através de mecanismos próprios do próprio processo estabelecidos pela legislação processual, como os Códigos de Processo Civil, Penal, leis com características processuais importantes como a lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor e, mais importante de todas, a Constituição Federal.

Depois de falar sobre o processo, é preciso falar sobre o modo como o processo tem fim, que é a decisão judicial, especialmente o tipo de decisão que vai influenciar no tema desse trabalho que é a sentença.

O doutrinador chamado Alexandre Freitas Câmara (2010, p. 440) diz que o conceito de sentença é melhor visualizado da seguinte maneira:

O provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo. Com esta definição, não atribuo à sentença a força de pôr termo ao processo, o que, como visto, não corresponde à verdade. Afirma-se, tão-somente, que com a sentença o juiz cumpre seu ofício de julgar (ou, como dizia, em sua redução original o art. 463 do CPC, referindo-se à sentença de mérito, cumpre-se o ofício jurisdicional do juiz). Tal ofício de julgar estará encerrado, quer tenha o juiz proferido a sentença que contenha resolução de mérito, quer não o contenha.

Dessa maneira, entendemos a sentença como um ato de decisão do juiz, pois ela decide, ou não, o processo que está tramitando. Ela resolve a questão, dando a quem de direito o seu direito, ou não resolve, por conta de algum problema no processo que leve o julgador a extinguir o processo sem resolução de mérito.

É importante tentar mostrar esse conceito de sentença porque é dela que nasce a coisa julgada, de um jeito ou de outro, a coisa julgada. É por isso que se percebe o quanto a coisa julgada está ligada a ideia de sentença. No próximo tópico, vamos conceituar a coisa julgada, fazendo mais uma vez a relação dela com a sentença.

2.2 Conceito de coisa julgada

Fazendo a relação entre a sentença, que já falamos acima, e a coisa julgada, Alexandre Freitas Câmara (2010, p. 489) diz da seguinte maneira:

Proferida a sentença, seja ela terminativa ou definitiva, é possível a interposição de recurso, para que outro órgão jurisdicional reexamine o que foi objeto de decisão. O número de recursos no sistema processual civil brasileiro, porém, é limitado. Grande, é certo, mas limitado. Assim é que, num determinado momento, torna-se irrecorrível a decisão judicial, pelo fato de terem esgotado os recursos previstos no ordenamento. Há ainda que se considerar que há um prazo para interposição dos recursos previstos e, não sendo interposto o recurso no prazo previsto, este não poderá, após esgotado aquele lapso de empo, ser interposto. Nesta hipótese, também se torna irrecorrível a decisão, pelo fato de não ser interposto o recurso cabível.

Depois de feita essa apresentação a respeito da sentença, esse mesmo doutrinador segue fazendo a união entre a ideia da irrecorribilidade da decisão judicial e a coisa julgada, trazendo o conceito dela:

Tanto numa hipótese como noutra, isto é, tanto no caso de se terem esgotado os recursos porventura admissíveis, como no caso de ter decorrido o prazo sem que o recurso admissível tivesse sido interposto, torna-se irrecorrível a decisão judicial. No momento em que se torna irrecorrível a decisão judicial, ocorre seu trânsito em julgado. Surge, assim, a coisa julgada, fenômeno que passamos, agora, a analisar.

Dessa forma, podemos dizer que o conceito de coisa julgada é um fenômeno jurídico que faz com que a decisão do órgão julgador se torne irrecorrível, o que quer significar que ela não poderá mais ser revista por outros órgãos julgadores ou até mesmo pelo próprio órgão julgador de onde saiu a decisão.

Dados esses conceitos, é importante pensar a aplicabilidade, ou seja, para que serve a ideia da coisa julgada, qual sua utilidade prática dentro da vida em sociedade.

2.3 Função e aplicabilidade da coisa julgada

A coisa julgada, como foi falado, é uma característica da decisão judicial que não pode mais ser alterada, por recurso ou até mesmo por uma revisão do próprio órgão que lançou a sentença. Mas, para que então serviria essa consolidação tão forte de uma decisão do Estado? Qual é o objetivo da criação da coisa julgada?

Segundo Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira (2008, p. 552):

A coisa julgada é instituto jurídico que integra o conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, em nosso ordenamento, no art. 5º, XXXVI, CF. Garante ao jurisdicionado que a decisão final dada à sua demanda será definitiva, não podendo ser rediscutida, alterada ou desrespeitada – seja pelas partes, seja pelo próprio Poder Judiciário.

Dessa maneira, a função da coisa julgada é garantir a produção de uma segurança jurídica para aquelas pessoas que foram ao Poder Judiciário buscar uma solução para os seus conflitos, fazendo com que a decisão desse Poder seja uma baliza segura onde o direito adquirido pela decisão já lançada seja respeitado por todos.

2.4 Tipos de coisa julgada

2.4.1 Coisa Julgada Formal

A Doutrina costuma classificar a coisa julgada, dividindo-a, de maneira geral, em dois tipos: a coisa julgada formal e a coisa julgada material. Vamos falar um pouco a respeito da coisa julgada formal.

Conforme diz Alexandre Freitas Câmara, (2010, p. 494)

Como já se viu, a imutabilidade e indiscutibilidade da sentença ocorrem a partir do momento em que contra ela não cabe mais qualquer recurso. Este é o momento do trânsito em julgado da sentença. Qualquer que seja esta, tenha ela resolvido ou não o mérito da causa, tornar-se-á imutável e indiscutível. Isto é que se chama de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, porém, só é capaz de pôr termo ao módulo processual, impedindo que se reabra a discussão acerca do objeto do processo no mesmo feito. A mera existência de coisa julgada formal é incapaz de impedir que tal discussão ressurja em outro processo.

Conforme visto, há coisa julgada formal quando uma decisão do julgador não pode ser impugnada, ou porque acabaram os recursos possíveis ou porque acabaram os prazos para recorrer. Mas essa vedação a impugnação só se dá dentro da relação processual. É o que a doutrina chama de limite endoprocessual, pois ela pode ser rediscutida em outro processo.

Entretanto, as sentenças que resolvem o mérito da questão não pode apenas surtir esse, pois devem fornecer certeza e segurança as partes de que a situação resolvida pelo julgador será observada quando passarem os prazos para recursos e os recursos se esgotarem. Por essa razão, é preciso avançar nesse fenômeno da coisa julgada para outro nível, outro degrau (CÂMARA, 2010), que é o da coisa julgada material.

2.4.2 Coisa Julgada Material

A coisa julgada material, segundo as lições de Alexandre Freitas Câmara, (2010, p. 494),

consiste na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo (declaratório, constitutivo, condenatório) da sentença de mérito, e produz efeitos para fora do processo. Formada esta, não poderá a mesma matéria ser novamente discutida, em nenhum outro processo. Observe-se, porém, que só poderá haver coisa julgada material quando a decisão de mérito se fundar em cognição exauriente. Afinal, decisões baseadas em exames menos profundos da causa, por não serem capazes de permitir afirmação de juízos de certeza, não poderiam tornar-se imutáveis. Só pode haver imutabilidade do conteúdo da decisão judicial quando esta for capaz de tornar certa a existência ou inexistência do direito material afirmado pelo demandante.

Dessa forma, a coisa julgada material é aquela mais relacionada a atividade do poder jurisdicional, como aquela destinada a resolver os conflitos sociais. É através do manto da coisa julgada material que a situação decidida pelo Poder Judiciário terá segurança, fazendo com que as partes que estavam em litígio encontrem, finalmente, a paz em seu conflito.

Conforme lembra Alexandre Freitas Câmara, (2010, p. 495),

A coisa julgada material funciona, pois, como impedimento processual, o que significa dizer que sua existência impede que o juiz exerça cognição sobre o objeto do processo. Trata-se, como se vê, de questão preliminar, que deve ser sempre apreciada (ou seja, deve o juiz, em qualquer processo, de ofício ou mediante provocação, verificar se existe coisa julgada material que impeça a apreciação do mérito da causa e, caso exista tal impedimento processual, proferir sentença terminativa). (grifo do autor)

2.4.3 Coisa Soberanamente Julgada

Há um autor chamado José Frederico Marques que propõe, ainda, mais um tipo de coisa julgada: seria a coisa julgada soberana ou ainda a coisa soberanamente julgada. Ela acontece na hipótese de ter transcorrido o prazo para o ajuizamento da ação rescisória, meio de impugnação à coisa julgada material que iremos falar mais à frente. Como diz o próprio doutrinador (MARQUES, 1987, p. item n. 696), “decorrido o biênio sem a propositura da rescisória, há coisa soberanamente julgada (...).”.

2.5 Coisa Julgada e segurança jurídica

Dado o posto, fica claro que a característica da coisa julgada consiste num pressuposto básico para a própria atividade de jurisdição do Estado. Se, conforme foi falado reiteradamente, a função do poder estatal é garantir a paz social, e é o Poder Judiciário que exerce essa função como forma de resolução de conflitos, nada mais certo que esses conflitos serem decididos de maneira definitiva.

Por essa razão a coisa julgada é um dos fundamentos do nosso sistema jurídico. É preciso ser garantida a segurança jurídica entre as partes em conflito, assegurando que a decisão judicial que deu uma resposta aos problemas sociais seja base onde não somente aquelas partes que estavam litigando, mas todas as outras pessoas, possam se firmar.

Entretanto, a doutrina jurídica faz considerações sobre a possibilidade da coisa julgada, mesmo aquela considerada soberana, nos moldes daquilo que falamos acima, ser “relativizada”. Ser ela deixada de lado, por algum motivo, e de alguma maneira. Sobre essa possibilidade iremos nos debruçar agora.

3 Da Relativização da Coisa Julgada

3.1 Conceito

Depois de tudo que dissemos sobre a coisa julgada, vamos partir para a análise da possibilidade da relativização da coisa julgada. Antes de mais nada, é preciso fazer um esforço conceitual a respeito dessas teoria do processo civil.

Para isso, trazemos as lições de Alexandre Freitas Câmara (2010, p. 497), que diz o seguinte:

Não obstante ser a coisa julgada material a imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo de sentença de mérito, casos há em que é preciso desconsiderá-la, admitindo-se que se volte a discutir aquilo que fora decidido pela sentença transitada em julgado. É a este fenômeno que se dá o nome de relativização da coisa julgada material.

O conceito exposto por esse doutrinador foi bastante claro: a relativização da coisa julgada objetiva desconstituir aquilo que foi estabelecido pela decisão judicial que transitou em julgado (aquela em que não cabe mais recurso, seja pelo tempo ou por não haver mais recursos).

Assim, a relativização da coisa julgada se trata de um conjunto de ideias relativas a possibilidade de ser desconstituída uma decisão judicial que já deveria transmitir certa segurança para aquelas pessoas a quem foi destinada, para o próprio sistema jurídico e para todas as outras pessoas, que veriam naquela decisão judicial uma baliza segura até mesmo para basear as suas próprias pretensões perante o poder jurisdicional.

Entretanto, é preciso se perguntar: como é possível se operar a relativização da coisa julgada? Quais são as hipóteses de cabimento? Qual é o objetivo dessa atividade? É para responder essas questões que o presente trabalho se lança.

3.2 Objetivos e fundamentação da Relativização da Coisa Julgada

Por ser algo que mexe, diretamente, com os principais fundamentos do nossos sistema de Justiça, que é baseado na segurança jurídica das decisões do poder Judiciário, a relativização da coisa julgada não é algo tão simples de se operar. Precisa de pressupostos muito sérios para ser alcançada.

Mas, antes de falarmos sobre esses pressupostos, vejamos o que sustentaria a relativização da coisa julgada, bem como quais os objetivos da adoção desse pensamento. Fredie Didier Jr. (2009, p. 442-3) faz uma alerta e, também, lança as bases para entendermos a ideia da relativização da coisa julgada:

A coisa julgada material é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à efetividade do direito fundamental ao acesso ao Poder Judiciário. Em outras palavras, mais do que se garantir ao cidadão o acesso à justiça, deve lhe ser assegurada uma solução definitiva, imutável para sua quizila. Não se pode negar que a indiscutibilidade da coisa julgada pode perenizar, em alguns casos, situações indesejadas – com decisões injustas, ilegais, desafinadas com a realidade fática. E foi para abrandar esses riscos que se trouxe previsão de hipóteses em que se poderia desconstitui-la. Com isso, buscou-se harmonizar a garantia da segurança e estabilidade das situações jurídicas com a legalidade, justiça e coerência das decisões jurisdicionais.

Nas linhas das lições desse doutrinador é possível ver o fundamento principal da relativização da coisa julgada: garantir a justiça das decisões jurisdicionais, mesmo aquelas que já transitaram em julgado e estariam, em tese, imutáveis e indiscutíveis.

O objetivo da relativização da coisa julgada é consequência dos seus fundamento de proteção à justiça, pois podemos afirmar com certeza que o objetivo de se reformar a coisa julgada é garantir que a justiça e os valores constitucionais e legais sejam respeitados dentro do processo.

Afinal, o processo é, acima de tudo, um instrumento de paz social e de garantia da justiça. Não faria sentido um processo que, definitivamente decidido, materializasse a injustiça ao invés da verdade.

Para dar base a essas informações, é só ver o que diz o Misael Montenegro Filho (2007, p. 566):

Validar uma sentença abusiva e mesmo inexistente como pronunciamento judicial (por ter sido proferida sem a preexistência de seus requisitos mínimos, por exemplo, ou por condenar o réu em pedido juridicamente impossível seria medida odiosa, que não pode ficar presa ao fato de ter sido ultrapassado o prazo para a propositura da ação rescisória. Se é certo que o respeito à coisa julgada apresenta-se como primado constitucional, não menos certo é que o direito, enquanto ciência, preocupa-se com o verdadeiro, com a justiça na pacificação dos conflitos de interesses. Parece-nos paradoxal, assim, que se defenda a tese de que a decisão abusiva não mais poderia ser revista só pelo fato de ter sido acobertada pela coisa julgada, sabido que em situações tais estaríamos acordes na manutenção do conflito de interesses que gerou o exercício do direito de ação, solicitando-se ao Estado fosse prestada a função jurisdicional.

A doutrina cita como exemplos a sentença que reconheceu, anos atrás, a paternidade de um homem em face de seu suposto filho mas que, depois de passadas décadas, por exame de DNA para teste de compatibilidade de medula óssea, descobriu-se que não havia vínculo biológico entre os dois. Há ainda o exemplo de sentença que foi feita por juiz corrupto, e que se descobriu, após o prazo da ação rescisória, via normal de impugnação da coisa julgada, os atos errados desse magistrado.

Por fim, arrebatando esse entendimento, vem a sentença que julgou por base de alguma lei declarada inconstitucional. Essa sentença, que tirou seu fundamento jurídico de uma norma que sequer deveria existir, deverá continuar a surtir seus efeitos, mesmo que baseada em uma lei inconstitucional?

Esses são os questionamentos que dão base a doutrina da relativização da coisa julgada. Esses doutrinadores defendem que não pode haver sentença inconstitucional, pois a Constituição é a base do ordenamento. Dessa maneira, se ocorrer de uma sentença inconstitucional e de haver passado o prazo para a revisão da sentença pela via comum (ou o recurso ou a ação rescisória), deveria ser operada a relativização da  coisa julgada inconstitucional.

Entretanto, a doutrina estabelecer certas hipóteses de cabimento e certos pressupostos para acontecer a relativização da coisa julgada. Vamos falar sobre eles no tópico a seguir.

3.3 Hipóteses de cabimento e pressupostos da relativização da coisa julgada

Com toda certeza, a relativização da coisa julgada pode servir como mecanismo para reverter muitas decisões injustas, fazendo com que a atividade de julgar seja o mais próxima o possível da justiça social, que é o seu objetivo.

Mas, já afirmamos também o quanto é importante para o Estado Democrático de Direito que haja certa segurança (a segurança jurídica) nas decisões que saem do poder Judiciário. Dessa forma, relativizar a coisa julgada deve ser algo a ser feito com bastante cuidado, pois exagerar nessa medida poderia por em risco todo o sistema de direito que conhecemos hoje no nosso país.

A doutrina afirma que há duas portas de entrada por onde é possível chegar à relativização da coisa julgada: seria a coisa julgada manifestamente injusta e a coisa julgada manifestamente inconstitucional. (DIDIER, 2009). É importante falar um pouco sobre elas.

A coisa julgada manifestamente injusta seria aquela que vai contra os ideais de justiça do sistema jurídico. Aquele mais faz referência e essa hipótese de cabimento da relativização da coisa julgada é o jurista Humberto Theodoro Júnior e Cândido Rangel Dinamarco, à sua maneira. A ideia da coisa julgada manifestamente inconstitucional é levantada por Alexandre Freitas Câmara.

O problema que surge a respeito dessas teses é o da certeza jurídica. O que é, afinal, algo justo ou injusto? Como determinar o conteúdo de tudo isso? Esses são os principais problemas arguidos por aqueles que se põe contra a relativização da coisa julgada, como José Carlos Barbosa Moreira, Luiz Guilherme Marinoni e Ovídio Baptista.

Até mesmo no critério da inconstitucionalidade é difícil identificar bases sólidas a que se apegar para poder dizer se há ou não há inconstitucionalidade na decisão. Alexandre Freitas Câmara (2010, p. 499) dá seu posicionamento a esse respeito:

Penso, assim, que apenas seria possível a relativização da coisa julgada material quando houvesse fundamento constitucional para tanto. Em outros termos, apenas seria possível desconsiderar-se a coisa julgada quando a mesma tenha incidido sobre uma sentença inconstitucional. Trata-se em outros termos, de reconhecer o fenômeno que a doutrina tem sido chamado de “coisa julgada inconstitucional”, mas que mais bem se chamaria sentença inconstitucional transitada em julgado. A rigor, o que contraria a Constituição não é a coisa julgada, mas o conteúdo da sentença. Essa sentença inconstitucional, aliás, já contrariava a Lei Maior antes de transitar em julgado. É a sentença, pois, e não a coisa julgada que pode ser inconstitucional.

Dessa maneira, percebe-se que há posicionamentos doutrinários para todos os gostos, mostrando que o tema em comento é muito difícil de ser abordado por não possuir sequer uma questão fechada a seu respeito.

Vale a pena, para finalizar essa parte de discussão sobre pressupostos ou hipóteses para a ocorrência da relativização da coisa julgada, trazer os ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco, o autor que parece ser o mais inclinado a relativização da coisa julgada.

Diz ele (DINAMARCO, 2003 apud DIDIER JR., 2009, p. 441-2), falando sobre esses pressupostos, que a coisa julgada só pode ser considerada como inatingível se

a) consoante com as máximas da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa – quando não seja absurdamente lesiva ao estado; b) cristalizar a condenação do Estado ao pagamento de valores “justos” a título de indenização por expropriação imobiliária; c) não ofender a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Feita essa pesquisa, achamos que poderíamos incluir um pressuposto de aceitação de revisão da coisa julgada material. Seria a passagem do prazo de interposição da ação rescisória. Isso se deve a fato de ela constituir um meio que pode ser utilizado para desfazer a sentença irrecorrível (atingindo a coisa julgada) que já possui previsão no próprio ordenamento jurídico. Falaremos sobre ela logo a seguir.

3.4 Meios processuais de relativizar/refazer/rever a coisa julgada

3.4.1 Meios “comuns” ou típicos

A coisa julgada pode ser revista por instrumentos garantidos pelo próprio ordenamento jurídico, sem precisarmos recorrer, necessariamente, às vias propostas pela teoria da relativização da coisa julgada, que, como se demonstrou, apesar de muito importantes, são meio desligada de bases seguras.

Fredie Didier Jr. (2009, p. 437) elenca o conjunto de medida permitidas de modo típico pelo ordenamento para revisar a coisa julgada. A seguir:

Admitem-se, em nossos sistema, como instrumentos de revisão da coisa julgada material: a) a ação rescisória; b) a querela nullitatis (art. 741, I, CPC) ou a exceptio nullitatis (art. 475-L, I, CPC); c) impugnação com base na existência de erro material; d) a impugnação de sentença inconstitucional (com base no art. 475, L, §1º, e, art. 741, parágrafo único do CPC; e) e a possibilidade de revisão da coisa julgada por denúncia de violação à Convenção Americana de Direitos Humanos formulada perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

É importante falar, ainda que rapidamente, sobre esses pontos trazidos pelo doutrinador, a começar pela rescisória. Consiste ela numa ação autônoma que tem o objetivo de impugnar a decisão de mérito que está acobertada pela coisa julgada material, mas contém em sua formação vícios insanáveis que a tornaram comprometida. (DIDIER, 2009). Suas hipóteses legais e demais regramentos estão contidos no art. 485 do Código de Processo Civil.

Já a querela e a exceptio nullitatis são meios de impugnação de decisão que está viciada de “vícios transrescisórios, que subsistem quando (DIDIER, 2009, p. 437):

a) a decisão for proferida em desfavor do réu em processo que correu à sua revelia por falta de citação; b) decisão for proferida em desfavor do réu em processo que correu à sua revelia por ter sido a citação defeituosa (Art. 475- L, I e art. 741, I, CPC). Diferencia-se da rescisória, principalmente, por encontrar hipóteses de cabimento mais restritas e por ser imprescritível – não se submetendo a qualquer prazo decadencial.

A revisão de sentença por violação à Ordem Internacional é um mecanismo de efetivação dos tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, especialmente a Convenção Americana de Direitos humanos, que institui, entre outras medidas de proteção aos direitos do Homem nas Américas, a possibilidade de submissão estatal (e, portanto, jurisdicional) ao organismo jurisdicional internacional que é a Corte Interamericana de Direitos Humanos. (DIDIER, 2009).

3.4.2. Meios “extraordinários”

Dados esses meios típicos, ordinários ou comuns para relativizar ou revisar a coisa julgada, cumpre trazer quais seriam os mecanismos atípicos ou incomuns para conseguir esse objetivo.

A doutrina, como em todo esse conteúdo, é muito divergente a esse respeito. Já que, conforme nós demonstramos, a própria existência da relativização da coisa julgada fora das hipóteses legais trazidas pelos meios típicos é discussão muito aberta, os meios pelos quais se poderia operar a relativização da coisa julgada sem a baliza legal são muito incertos.

Inicialmente, se fomos seguir a teoria de Alexandre Freitas Câmara a respeito do cabimento apenas da relativização da coisa julgada inconstitucional, o leque já se torna mais fechado, direcionando melhor as nossas atenções. Assim, ações constitucionais em que se alegassem a existência de coisa julgada inconstitucional (mandado de segurança, por exemplo) seriam o caminho para essa revisão.

Indo além, mas ainda nesse pensamento, até mesmo a propositura de simples ação ordinária já seria o suficiente para rever a coisa julgada material, vez que, indicando na inicial a existência dessa coisa julgada inconstitucional e sendo feito o pedido para que o magistrado a desconstitua, estaria feita a revisão da coisa julgada material inconstitucional (em verdade, conforme lembra o autor, seria revisto o conteúdo da sentença fulminada).

Para além disso, é realmente complicado visualizar vias que não essas para a desconstituição da coisa julgada material. Isso porque, como dito, a doutrina processualista não se entende a esse respeito. Não encontramos, também, solução nos manuais aos quais nos lançamos a pesquisar.

3.5 A Relativização da coisa julgada no Brasil

3.5.1 O pioneiro em nosso Direito

É perigoso afirmar o pioneirismo de alguém a respeito de alguma coisa no mundo do Direito, já que quem pensa na seara jurídica nunca pensa sozinho, sempre importando institutos ou reformulando ideias de outros grandes mestres.

Todavia, a doutrina parece unânime (pelo menos, nesse ponto) ao dizer, conforme lembra Didier Jr. (2009, p. 441) que

O primeiro a suscitar a tese de relativização da coisa julgada no Brasil foi José Augusto Delgado, ministro do Superior Tribunal de Justiça. Defendeu, a partir da sua experiência na análise de casos concretos, a revisão da carga imperativa da coisa julgada toda vez que afronte os princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, ou se desafine com a realidade dos fatos.

A seguir, demonstrando a aceitação dos doutrinadores brasileiros, diz Didier (2009, p. 441) que “a lição foi difundida por autores como Humberto Theodoro Jr., Juliana Cordeiro e Cândido Rangel Dinamarco.” Acrescentaríamos, ainda, o ministro Gilmar Ferreira Mendes, que já demonstrou estar inclinado a essas ideias.

3.5.2 Posicionamento Jurisprudencial  

A jurisprudência, revelando a própria divergência da doutrina, vem mostrando posicionamentos dos mais diversos a respeito dessa temática. Apenas para sentirmos a quantas anda o entendimento dos tribunais a esse respeito, seguem alguns precedentes a respeito da relativização da coisa julgada.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COISA JULGADA E NOVO EXAME DE DNA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E STJ.

1. Em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que "não devem ser impostos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser, de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos, inclusive de qualificações, bem assim o princípio da paternidade responsável". (RE 363889, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, DJe-15-12-2011). 2. No caso, a improcedência do pedido na ação primeva de investigação de paternidade não decorreu da exclusão do vínculo genético por prova pericial, mas sim por insuficiência de elementos para o reconhecimento ou a exclusão da paternidade, motivo pelo qual a condição de pai não foi cabalmente descartada naquele feito. 3. Para a admissibilidade do recurso especial, na hipótese da alínea "c" do permissivo constitucional, é imprescindível a indicação das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, mediante o cotejo dos fundamentos da decisão recorrida com o acórdão paradigma, a fim de demonstrar a divergência jurisprudencial existente (arts. 541 do CPC e 255 do RISTJ). 4. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, nas hipóteses de dissídio jurisprudencial notório, é possível haver mitigação de exigências de natureza formal para o conhecimento do recurso especial com esse fundamento. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1215172/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 11/03/2013)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO REVISIONAL TRANSITADA EM JULGADO. RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NÃO CABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO INSANÁVEL. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não cabe ação civil pública para relativizar coisa julgada formalizada em demanda previdenciária com fundamento em vício que enseja ação rescisória, que não foi proposta pela parte interessada, no caso, o INSS, uma vez que não se cuida de nulidade absoluta insanável. 2. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1179060/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 06/12/2012)

PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE EM CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.  COISA JULGADA. RELATIVIZAÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. TEMA JÁ JULGADO PELO REGIME DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO N. 8/08 DO STJ, QUE TRATAM DOS RECURSOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA. RACIOCÍNIO APLICÁVEL AO ART. 475-L, § 1º, DO CPC. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICO-SISTEMÁTICA.  AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO NO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. 1. A Primeira Seção desta Corte Superior, ao apreciar o REsp 1.189.619/PE, mediante o procedimento previsto no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos), entendeu que: "1. O art. 741, parágrafo único, do CPC, atribuiu aos embargos à execução eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, deve ser interpretada restritivamente, abarcando, tão somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que: (a) aplicaram norma declarada inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional. 2. Em qualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declarada em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução do Senado, mediante: (a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou (b) interpretação conforme a Constituição. 3. Por consequência, não estão abrangidas pelo art. 741, parágrafo único, do CPC as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação firmada no STF, tais como as que: (a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional, ainda que em controle concentrado; (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade; (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou auto-aplicável; e (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado. 2. Por meio de interpretação teleológico-sistemática, percebe-se que os fins almejados pelo art. 475-L, § 1º, do CPC, são exatamente aqueles que pretende atingir o art. 741, parágrafo único, do CPC, ambos dispositivos incluídos no sistema processual civil por meio do mesmo diploma legal (Lei n. 11.232/05).  Portanto, o raciocínio traçado quanto ao art. 741, parágrafo único, do CPC, em relação à relativização da coisa julgada inconstitucional, deve ser o mesmo utilizado para a aplicação do art. 475-L, § 1º, do CPC. 3. Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de aplicação do disposto no art. 475-L, §1º, do CPC, na hipótese em que o título executivo judicial adota entendimento supostamente em sentido contrário ao do Supremo Tribunal Federal, especificamente em relação à prerrogativa de função por atos de improbidade administrativa. 4. Na espécie, a Corte de origem decidiu que a questão referente à incompetência absoluta por prerrogativa de função para o julgamento da ação de improbidade administrativa proposta em face do ora recorrente (deputado federal), sequer foi suscitada na fase de conhecimento, não havendo pronunciamento judicial no ponto. Dessa forma, não se pode afirmar que o título executivo padeça do vício de inexigibilidade conforme o disposto no 475-L, § 1º, do CPC, a possibilitar uma eficácia rescisória. 5. Mesmo que superado tal óbice, a prerrogativa de foro em processo de improbidade administrativa foi objeto de discussão por parte do STF na ADI 2.797/DF, Relator. Min. Sepúlveda Pertence. Naquela ocasião, a Suprema Corte, por maioria, julgou procedente a ação para declarar inconstitucional a Lei 10.628/02, que inseriu novos parágrafos ao art. 84 do Código de Processo Penal, decidindo não haver foro privilegiado aos agentes públicos processados por improbidade administrativa. 6. Agravo regimental não provido.(AgRg no REsp 1331229/SE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/11/2012, DJe 05/12/2012)

4 Conclusões

Dado o posto, a primeira conclusão a que se pode chegar é que essa temática encontra-se totalmente em aberto na doutrina brasileira. Não é uma discussão que se pode dar por encerrada, seja pelos argumentos de peso (e os seus próprios nomes) daqueles que defendem a relativização da coisa julgada, seja pelo contrário.

É impossível afirmar que a razão repousa em quem defende a imutabilidade da decisão judicial, uma vez que esse pensamento, quase um dogma, é o que garante a estabilidade das relações jurídicas julgadas através do Poder Judiciário. Da mesma maneira, é exagero dizer que as decisões judiciais sempre são justas, corretas e fornecerão em todos os casos a solução mais adequada aos conflitos.

O que se pode afirmar é que as decisões judiciais devem estar harmonizadas com os ideais de Justiça social e em par com a ordem constitucional. Certamente, não se pode imaginar decisões contrárias a esses dois pressupostos, que é a justiça, em si, e a justiça constitucional.

Todavia, também não se pode imaginar um sistema sem segurança jurídica, onde impere o arbítrio e a liberdade de preenchimento de cláusulas abertas como “Justiça”. É preciso que se criem bases seguras para o desenvolvimento da ordem jurídica como um todo e da sociedade, em geral.

Assim, determinar, clara e definitivamente, se pode ou não haver a relativização da coisa julgada não pode ser feito em abstrato. É preciso uma avaliação concreta, a partir da evolução do próprio pensamento doutrinário, sobre como conceber essa brecha, que pode servir de entrada tanto para a justiça quanto para a flagrante injustiça no sistema judicial.

 

5 Referências

CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil - 20. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.  Teoria  Geral  do  Processo.  24  ed.  São  Paulo:  Malheiros  Editores Ltda., 2008.

DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. v. 2 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1, 48 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. - 4. ed. 2 reimpr. - São Paulo: Atlas, 2007.

MARQUES, José Frederico, Manual de Direito Processual Civil, vol. 3/250, item n. 696, 9ª ed., 1987, Saraiva – grifei).



[1] Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP.

[2] Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP.

[3] Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará – FAP.