Eu não tenho a beleza das divas, o dinheiro das herdeiras, o palavreado das literatas, as ancas das parideiras.
Tenho ideias “muitas”, ideais pelos quais luto e faço com que minha vida valha a pena, sigo leis geralmente as minhas, mas também não me importo de seguir algumas convenções, fazer uma concessão aqui outra ali. Afinal o que são algumas pedras enquanto se está escalando uma montanha, senão obstáculos temporários.
Os motivos que levam alguém a me amar, talvez sejam os mesmos que levem outros a me odiarem. Se isso acontece comigo – creio que não seja diferente com os outros. Também se isto não ocorrer, não vou fazer nenhuma greve de fome ou passar dias sem falar com ninguém, já passei desta fase dramática, estou na fase da aceitação. 
_Se eu me odeio? “quem algum dia nunca se odiou?” – pensa. 
_Quando digo odiar, não é no sentido mortal, mas é em relação a não gostar de algo que se fez ou falou em um determinado momento – ele responde em tom paternal.
_Acredito que todos os mortais pensantes já passaram por esta situação e se não passaram, aguardem, pois um dia vão passar – sorri ironicamente.
_Qual foi seu último ódio profundo? – ela pergunta olhando fixamente nos seus olhos negros.
O relógio desperta.
_Nos vemos na semana que vem no mesmo horário? – ele pergunta com voz suave e acolhedora enquanto sorri rapidamente com os lábios fechados formalmente.
_Até mais – ela responde com voz submissa enquanto o olha com o rosto contraído e os lábios apertados.

 Helena Buarque