NEXOS E PROCESSOS DE HIBRIDAÇÃO ESTABELECIDOS ENTRE A CULTURA CHIQUITANO E A CULTURA NACIONAL (BRASIL) ESPACIALIZADAS NESSA REGIÃO DE FRONTEIRA

Natanael Vieira de Souza

Descrever e compreender os nexos e/ou processos de hibridação estabelecidos entre a cultura Chiquitano e a cultura nacional (Brasil) espacializados nesta região de fronteira, requer que, antes de seguir adiante possamos nos situar dentro do conceito de hibridações descrito por Néstor García Canclini , pois, segundo o autor p. XXVII este conceito não se aplica onde existe um processo "fundacional", mas onde existe um processo moderno de interculturalidade. Não se trata de fusões biológicas; "... produção de fenótipos a partir de cruzamentos genéticos ? como cultural: mistura de hábitos, crenças e formas de pensamento...".
Os processos de hibridação, segundo Canclini, "? surge da criatividade individual e coletiva.", se dá em práticas sociais discretas, busca se reconverter; termo usado para explicar "? as estratégias mediantes as quais um pintor se converte em designer ou as burguesias nacionais adquirem os idiomas e outras competências necessárias para reinvestir seus capitais econômicos e simbólicos em circuitos transnacionais (Bourdieu).".
Creio que seguindo esta conceituação demonstrada nestes dois parágrafos talvez possamos entender um pouco deste processo de hibridação do povo chiquitano nesta espacialidade, analisando seus vários aspectos e peculariedades marcantes neste contexto/tempo marcado pela globalização e conceitos de modernidade/pós-modernidade onde muitos de nós ainda não nos encontramos, dada toda tecnologia e informações que surgem a todo instante sem termos tempo de absorvê-la, como se estivéssemos no loop da montanha russa onde tudo passa tão rápido, que nos impede a visão, nos deixando amortecidos (Nicolai Sevchenko).
Segundo Joana Aparecida Fernandes Silva Antropóloga e professora na Universidade Federal de Goiás - Departamento de Ciências Sociais e José Eduardo Moreira da Costa - Especialista em Antropologia Social e Indigenista da Funai/Cuiabá - janeiro, 2000. "O povo Chiquitano foi constituído a partir de um amálgama de grupos indígenas aldeados no século XVII pelas missões jesuíticas. Habitantes da região de fronteira entre Brasil e Bolívia, foram compulsoriamente envolvidos em conflitos políticos e diferenças culturais decorrentes de uma divisão territorial que não lhes dizia respeito.".
Segundo Canclini, não é o fato deste povo ser constituído desta amálgama de grupos indígenas que poderemos tirar a conclusão de que este povo viveu um processo de hibridação, como podemos ver anteriormente o processo de hibridação se dá em práticas sociais discretas p.XXII, o fenômeno causado por esta amálgama Canclini denomina mestiçagem. Não será o fato de botar 25 ou 42 (como alguns dizem) grupos indígenas dentro de um "liquidificador" e bater até que tudo se misture, que poderemos dizer que houve tal processo e, se um processo de hibridação surge junto com o conceito de globalização (conceito contemporâneo), podemos tirar a conclusão de que para haver hibridação temos que estar contextualizado com o conceito de globalização.
Sem generalizações, a partir da década de 80, o movimento indigenista se fortaleceu substancialmente e, com ele o movimento identitário, ao passo que começam a surgir teses anti-identitarias também; o próprio Canclini diz: "A ênfase na hibridação não enclausura apenas a pretensão de estabelecer identidades ?puras? ou ?autenticas?. Além disso, põe em evidência o risco de delimitar identidades locais autocontidas ou que tentem afirmar-se como radicalmente opostas a sociedade nacional ou à globalização. p. XXIII".
No caso deste fenômeno chamado de processo de hibridação do povo Chiquitano, podemos notar nos dias de hoje e em seu cotidiano as várias práticas sociais discretas, como assinalaremos: a) o caso da Chicha (Cauim: é uma bebida alcoólica tradicional dos povos indígenas do Brasil desde tempos pré-colombianos, feita de milho ou mandioca) ainda muito usada nos dias de hoje, porém há alguns Chiquitanos que diferentemente dos seus antepassados, usam esta bebida com açúcar. b) em algumas localidades há o uso de energia elétrica, que por si só se constitui numa prática social discreta. c) o uso de diversos eletrodomésticos e veículos de transporte. d) a absorção e prática de vários aspectos culturais dos não índios, enfim são tantos os fatores que evidenciam este processo de hibridação que para analisarmos teríamos que fazer vários recortes, inclusive temporais, pois já há uma farta historiografia a respeito dos Chiquitanos em temporalidades diferentes, sob várias perspectivas a qual se destaca mais, o discurso sobre a identidade e demarcação de terras (espacialidade) pleiteado por parte deste povo, não havendo ainda consenso entre eles.
Quero concluir este pequeno texto levantando alguns questionamentos que me chamaram atenção; nesta curta análise que fiz, fica evidente não só o processo de hibridação como também o processo de mestiçagem, já que o povo Chiquitano foi constituído a partir de um amálgama de grupos indígenas nas reduções jesuíticas; e sincretismo, como diz o texto a seguir: "Esta raça (os chiquitos) é oriunda da Bolívia onde constituiu um elemento respeitável gozando já de foros de civilizada. São os Chiquitos relativamente catechisados, embora misturem ainda ao Christianismo algumas práticas supersticiosas o que não é para admirar." , o que mais me chama a atenção é o fato de historiadores, antropólogos e o estado (MDA, Ministério do Desenvolvimento Agrário) ter tanto interesse em fixar uma identidade para o povo Chiquitano, não sou contra direitos adquiridos, porém vejo com suspeita o discurso identitario, que fixa, hierarquiza e homogeneíza. Concordo quando Canclini diz: "Quero dizer que reivindicar a heterogeneidade e a possibilidade de múltiplas hibridações é um primeiro movimento político para que o mundo não fique preso sob a lógica homogeneizadora com que o capital financeiro tende a emparelhar os mercados, a fim de facilitar os lucros. p. XXXVIII".