INTRODUÇÃO

A falta de conhecimento sobre neoplasias hepáticas faz deste trabalho, uma forma de compartilhar informações, que poucos médicos veterinários têm acesso, no Brasil, principalmente em algumas regiões, os recursos para o diagnóstico e o tratamento do câncer estão em desenvolvimento. A terapia requer idas freqüentes ao veterinário e pode ser bastante oneroso. A cirurgia e a quimioterapia, associadas desempenham um papel fundamental no diagnóstico e tratamento do câncer (WITHROW e O?BRIEN, 1997). Quando diagnosticado precocemente, e com o tratamento adequado, pode-se, com um esforço cooperativo, ser obtida melhor compreensão do comportamento cancerígeno e de seu tratamento.
Com isso assegura-se uma sobrevida melhor ao animal, com o conforto do proprietário, em saber que está se fazendo tudo ao alcance para proporcionar uma melhor qualidade de vida dentro da ética médica e profissional.
FÍGADO

O fígado é a maior víscera do corpo, corresponde a três por cento (3%) do peso corporal dos caninos. Nos cães domésticos, situa-se no quadrante cranial direito do abdômen, aderido à superfície caudal do diafragma. É, essencialmente, uma massa de células permeada por um complexo, mas, organizado sistema de canais, que transportam o suprimento sangüíneo e a bile. É composto por cinco lóbulos anatômicos separados pelo ligamento falciforme e coronário. Cirurgicamente, divididos em direito e esquerdo, esta divisão é feita ao nível do porta-hepatis (local onde a artéria hepática e a veia porta se dividem em ramos direito e esquerdo). Pela veia porta chega ao fígado todo material absorvido nos intestinos, com exceção de parte dos lipídios que é transportada por via linfática. Graças a essa característica, ele se encontra em posição privilegiada para metabolizar e acumular nutrientes e neutralizar e eliminar substâncias tóxicas absorvidas. (JORGE, 2006)

NEOPLASIAS HEPÁTICAS

As neoplasias hepáticas podem, alem de ser por formação do próprio órgão, ser derivadas a partir de muitos órgãos circunvizinhos, incluindo pâncreas, baço, trato gastrointestinal, glândulas adrenais, glândulas mamárias e pulmões.
"Os tumores primários são observados nos animais idosos (acima de 10 anos de idade) e podem ser malignos ou benignos. Eles compreendem adenomas e carcinomas hepatocelulares, adenomas e carcinomas biliares e hemangiossarcomas. Os carcinomas hepatocelulares são os tumores hepáticos primários mais comuns em cães. Os carcinomas biliares são mais descritos nas cadelas. Os tumores malignos primários podem ocorrer como uma massa única em um lobo hepático, com ou sem massas menores nos outros lobos, como nódulos discretos localizados em lobos múltiplos ou como uma doença infiltrativa por todo o fígado, sem a presença de nódulos difusos. A forma maciça é a mais comum nos cães. A doença metastática decorrente de tumores hepáticos primários é comum e pode envolver os linfonodos, peritônio e os pulmões". (MERCK, 2001)


HEPATOCARCINOMA

O hepatocarcinoma é uma neoplasia de caráter maligno que provém das células hepáticas denominadas hepatócitos e que se manifesta como uma massa solitária, geralmente assimétrica (RASKIN; MEYER, 2003).
A primeira descrição científica foi feita por Eggel (1901), mostrando o resultado de mais de 200 autópsias. Hoje, 100 anos após, sabemos mais sobre o processo que leva ao seu surgimento; como cresce; como fazer o diagnóstico precoce; e o mais importante, como tratá-lo. O hepatocarcinoma, em média, dobra o seu volume a cada 180 dias. Mesmo em seu estágio inicial, ou seja, um tumor pequeno, localizado em um fígado com bom funcionamento, dá ao seu portador apenas cerca de oito meses de vida após ser encontrado, se não for realizado nenhum tratamento. No estágio mais avançado, a previsão média é de menos de três semanas de vida após o diagnóstico. Por este motivo dar-se a necessidade de diagnóstico precoce, devido à possibilidade de tratamento e de boas chances de cura. (JORGE, 2006)
É de rara ocorrência em cães; corresponde a 0,6% de todas as neoplasias e apresenta metástases em 61% dos casos (MOULTON, 1990). Citologicamente encontramos hepatócitos de aparência relativamente normal ou claramente malignos. Quando o tipo celular é bem diferenciado pode-se visualizar marcada anisocariose e anisocitose, alta proporção núcleo citoplasma e nucléolos evidentes atípicos (COWELL; TYLER, 1993). Quando o tumor é indiferenciado, as células possuem variações no diâmetro, conteúdo citoplasmático (gordura e glicogênio), mitoses e núcleos aumentados (WEISS e MORITZ, 2002). Alguns tumores são tão indiferenciados a ponto de ser difícil identificar as células tumorais como provenientes de células hepáticas (BAKER; LUMSDEN, 2000).
Uma vez diagnosticado, o hepatocarcinoma precoce, ou seja, menor que 2 cm de diâmetro e sem sinais de acometer outros órgãos, há várias opções de tratamento. A melhor opção, apesar de muito agressiva, ainda é o transplante do fígado, onde o órgão doente é substituído por outro sadio, que infelizmente na medicina veterinária ainda é uma opção utópica. A segunda opção é a hepatectomia, cirurgia onde é retirada a porção do fígado onde está localizado o tumor, de maior utilização e amplamente difundido, porém só utilizada quando a neoplasia acometer apenas partes ou lóbulos isolados. Uma terceira opção, muito utilizada pelos japoneses e que aos poucos vem se tornando difundida pelo mundo é o tratamento percutâneo do tumor. Nessa modalidade terapêutica, o tumor é destruído sem a necessidade de cirurgia. A injeção percutânea de etanol (PEI) é um método simples, realizado sob anestesia local e com raras complicações. Com o auxílio do ultra-som, é introduzida uma agulha 30x7, 40x12 ou agulha espinhal (BD spinal), a mesma utilizada em aspirações citológicas, no centro do tumor, através da pele, onde é administrado álcool absoluto (a 100%), provocando a destruição do câncer. (COWELL; TYLER, 1993) Outro método é a introdução de uma agulha que emite microondas no centro da lesão, com efeito semelhante. Apesar de simples, rápido e seguro, o tratamento percutâneo não é tão eficaz quanto o cirúrgico, podendo ser utilizado antes da cirurgia ou em circunstancias que não possa ou não se aceite a cirurgia. (SISSON, 1979)
Os sinais e sintomas dos pacientes com o carcinoma hepatocelular são de forma geral os seguintes: dor abdominal (40 a 60%), massa abdominal, distensão (30 a 40%), anorexia, mal estar, icterícia e ascite (20%). Alguns pacientes poderão evoluir com ruptura espontânea do tumor caracterizada por dor súbita no hipocôndrio direito de forte intensidade, seguida de choque hipovolemico seguido de morte caso não haja uma intervenção em tempo abil. (KLAUSNER; HARDY, 1998)

CASO CLÍNICO

Canina fêmea, de nome LILI, sete (7) anos, raça Basset Hound, data de nascimento seis de dezembro de mil novecentos e noventa e oito, deu entrada, numa quarta-feira dia dois de agosto de dois mil e seis às onze horas e trinta minutos.
A queixa principal, segundo um funcionário da fazenda onde residia o animal, era que ele estava sem se alimentar há dois ou três dias (inapetência), não conseguia se locomover e tinha alterações na urina e nas fezes. Foi constatado na anamnese que o animal estava apresentando icterícia generalizada, distensão abdominal, sensibilidade abdominal, dispnéia, desidratação severa e arritmia cardíaca. Foi solicitado Raio-X abdominal, que apresentou imagem uniforme, característico de efusão peritonial. Fez-se hidratação endovenosa, com ringer-lactato, adicionou-se 10mL de BIONIL®, 10mL de glicose a 50%, 5mL de TRANSAMIM® e 2mL de LASIZ®. Foi administrada via subcutânea 1mL de AZIUM® e 2mL de AGROVET PS®.
Coletou-se sangue para hemograma e verificação das funções renais e hepáticas através das seguintes taxas: Bilirrubina (CONJUGADA / DIRETA 4,80 mg/dL, Ñ CONJUGADA / INDIRETA 0,40 mg/dL, TOTAL 5,20 mg/dL); Creatinina (1,0mg/dL); Fosfatase Alcalina (590 U/L); Uréia(95,0mg/dL); TGO (105 UI/L); TGP (270 UI/L); e para cultura de Leptospirose (NEGATIVO), porque segundo o dono do animal, na fazenda havia muitos ratos e o animal tinha por costume caçá-los
Puncionou-se o abdômen (abdominocentese) para verificar o tipo de liquido presente. E foi constatado que se tratava de sangue (hemoperitôneo). Realizaram-se alguns testes com parte do liquido puncionado, que foram: teste de coagulação ao ar livre, sedimentação lenta e centrifugação. Não houve coagulação em nenhum dos testes. Foi puncionado pela abdominocentese aproximadamente 100mL.
Enquanto aguardava-se a chegada dos exames, foi dado suporte para tentar fortalecer o animal, já que o mesmo se encontrava muito debilitado. Foi realizada hidratação durante quarenta e oito horas, com isso, estabilizamos o paciente para realização de procedimento cirúrgico, já que tínhamos a suspeita de provável ruptura de algum órgão (baço ou fígado), o que explicaria o hemoperitôneo sem coagulação. Até ser iniciado o procedimento cirúrgico, foi realizado os procedimentos normais da clínica para manutenção do animal. A cirurgia foi realizada dia quatro de Agosto de dois mil e seis (04/08/2006), uma sexta-feira. Iniciou-se com a medicação pré-anestésica, com Atropina® e Acepran 0,2%®, via intramuscular; soroterapia com Ringer-lactato; tricotomia, durante a qual foi evidenciado um grande hematoma na região abdominal esquerda, iniciando na borda caudal das costelas indo até a inserção do membro posterior esquerdo; a assepsia do animal foi realizada com álcool iodado e clorexide. O anestésico utilizado na cirurgia foi o Zoletil 50®.
A cirurgia foi iniciada com uma incisão na região abdominal caudal a cicatriz umbilical, evidenciando a diferença de coloração da musculatura do antímero esquerdo a linha Alba com o direito, incisou-se a linha Alba, por onde se teve acesso ao abdômen que se apresentava repleto de efusão (sangue), localizamos então o baço evidenciando que o mesmo estava aumentado (esplenomegalia), porém intacto, apresentando apenas uma cicatriz aparentemente antiga, teve-se então que iniciar uma exploração mais profunda de todos os órgãos para descobrir qual estava rompido. Foi necessário ampliar a incisão abdominal, e ao fazer isso, observou-se um aumento de tamanho e volume considerável do fígado (hepatomegalia), ao examinarmos, esclareceu-se de onde vinha a hemorragia, devido a uma hepatorrexe, e por infelicidade e decepção, não era apenas um lóbulo acometido, e sim todos os lóbulos, o que impossibilitava qualquer tentativa de hepatotomia unilobular.
Com estas evidências, entramos em contato com o proprietário do animal, informando a gravidade da situação e solicitando a autorização para realizar a eutanásia do animal, já que não havia o que ser feito, dentro das condições do animal, que era idoso e muito debilitado. O proprietário nos autorizou a realizar a eutanásia, e imediatamente, iniciaram-se os procedimento para a realização. Após isso, foi realizada uma necropsia para retirar parte do fígado e a enviar para análise histopatológica, constatou-se ulcerações hepáticas, além disso, não foi observado mais nenhuma alteração digna de nota.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Com este trabalho podemos concluir que a oncologia é uma área em expansão na Medicina Veterinária. A neoplasia que mais ocorre é o linfoma hepático segundo Fighera (2000) e Machachlan et al.(1998). Porém, apesar do carcinoma hepático ou hepatocarcinoma não ser uma das neoplasias mais freqüentes observadas nos caninos e corresponder a menos de um por cento dos casos, Segundo Moulton (1990), é uma das formações neoplásicas mais graves por ser uma alteração de crescimento acelerado, dobrando de tamanho em aproximadamente seis meses. Sabe-se que o tratamento inicial deste tipo de tumor é possível e geralmente com bom prognóstico, se for diagnosticado precocemente. Infelizmente, em estágios avançados as chances de sobrevivência são reduzidas, o que nos leva a necessidade de maior interação entre o proprietário do animal e o médico veterinário.

CONCLUSÃO

Os estudos realizados durante o período de preparação deste trabalho apontaram dentre todos os pontos de pesquisa, apresentam como única alternativa para aumentar as chances de vida e melhorias na perspectiva de sobrevivência é o diagnóstico precoce.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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