Segundo Ana Paula de Barcellos, o prefixo neo sugere uma nova teoria acerca da interpretação do direito, como se o constitucionalismo contemporâneo estivesse sendo desenvolvido sob bases contrapostas ao seu passado histórico. A autora evidencia que:

De fato, é possível visualizar elementos particulares que justificam a sensação geral compartilhada pela doutrina de que algo diverso se desenvolve diante de nossos olhos e, nesse sentido, não seria incorreto falar de um novo período ou momento no direito constitucional.[1]

Nesse mesmo sentido, Luis Prieto Sanchís entende o neoconstitucionalismo como algo novo que está se propagando em toda doutrina jurídica. Ele afirma que:

Neoconstitucionalismo, constitucionalismo contemporáneo o, a veces tambíen, constitucionalismo a secas son expresiones o rubricas de uso cada dia más difudido y que se aplican de un modo tanto confuso para aludir a distintos aspectos de un modo tanto confuso para aludir a distintos aspectos de una presuntamente nueva cultura jurídica.[2]

O professor italiano Paolo Comanducci, no intuito de caracterizar melhor o neoconstitucionalismo, faz uma comparação com a sistemática utilizada por Bobbio para distinguir o positivismo jurídico sob três aspectos: o positivismo teórico, o ideológico e o metodológico.

Nesse sentido, partindo dessa classificação, Comanducci também sistematiza o neoconstitucinalismo em três sentidos: o neoconstitucionalismo teórico, o ideológico e o metodológico.

Segundo o autor o neoconstitucionalismo teórico deseja descrever o sucesso do processo da constitucionalização do direito que operou uma imensa transformação dos sistemas jurídicos contemporâneos. Ele afirma que:

[...] El modelo de sistema jurídico que emerge de la reconstrucción del neoconstituciolismo está caracterizado, además de por una Constitución <<invasora>>, por la positivación de un catálogo de derechos fundamentales, por la omnipresencia en la Constitución de princípios y reglas y por algunas peculiaridades de la interpretación y de la aplicación de las normas constitucionales respecto a la interpretación y aplicación de la ley. [...][3]

Comanducci enfatiza que esse sistema jurídico contemporâneo, mediante as características apontadas, não reflete mais as teses formalistas positivistas, as quais não podem ser mais sustentadas. Ele demonstra ainda que o neoconstitucionalismo teórico tem duas formas de conceber a constituição, [...]"como el modelo descriptivo de la Constitución como norma, y a veces, por el contrario, el modelo axiológico de la Constitución como norma".[4]

A adoção de um modelo ou de outro irá interferir na maneira como se interpreta as normas constitucionais. Se se adota o modelo descritivo, a constituição é interpretada como qualquer lei, diversamente, se o modelo adotado for o axiológico, a constituição é interpretada de acordo com valores morais a serem perseguidos. Conforme esse último modelo "la constitución está cargada de un valor intrínseco: la Constitución es un valor em si".[5]

Comanducci faz uma crítica a esse modo de conceber a constituição. Para ele quando o neoconstitucionalismo é apresentado dessa forma, apesar dele ter uma pretensão teórica, se comporta como verdadeira ideologia na medida em que considera a constituição como um valor fundante.[6]

Já o neoconstitucionalismo ideológico, destacado por Comanducci, não se limita a "describir los logros del proceso de constitucionalización, sino que los valora positivamente y propugna su defensa y ampliación".[7]Dessa forma propõe um modelo axiológico de conceber a constituição e evidencia a obrigação dos poderes públicos de protegerem os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Ainda segundo o autor:

[...] en los ordenamientos democráticos y constitucionalizados contemporâneos, se produce una conexión necesaria entre Derecho y moral, el neoconstitucionalismo ideológico se muestra proclive a entender que puede subsistir hoy una obligación moral de obedecer la Conatitución y a las leyes que son conformes a la Constitución. Y en este específico sentido el neoconstitucionalismo puede ser considerado como una moderna variante del positivismo ideológico del siglo XIX, que predicaba la obligación moral de obedecer la ley.[8]

Nesta forma, o neoconstitucionalismo se aproxima do positivismo ideológico porque defende também uma obrigação moral de obedecer à constituição. Por isso, ao defender um modelo axiológico de constituição, demonstra uma versão taxativa quanto à especificidade da aplicação e interpretação das normas constitucionais.

Comanducci aponta que o neoconstitucionalismo metodológico se contrapõe ao positivismo conceitual, sua versão semelhante, por defender um conceito de direito separado da moral. Ele evidencia que:

El neoconstitucionalismo metodológico sostiene por el contrario – ao menos respecto a situaciones de Derecho constitucionalizado, donde los principios constitucionales y los derechos fundamentales constituirían un puente entre Derecho y moral – la tesis de la conexión necesaria, identificativa y/o justificativa, entre Derecho y moral.[9]

Portanto, o neoconstitucinalismo ao estabelecer o enlace necessário entre princípios fundamentais e o conteúdo constitucional, identifica e justifica como direito um ordenamento que esteja de acordo com juízos morais. As normas somente serão consideradas jurídicas se tiverem um fundamento ético.

Écio Oto[10] sistematiza em seu livro "Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico" algumas características importantes sobre o neoconstitucionalismo que podem ajudar na identificação de um novo paradigma proposto pelo constitucionalismo contemporâneo.

A primeira delas é o "pragmatismo"que evidencia um direito voltado para a prática. A constituição concebida como norma jurídica prevê em seu texto uma série de direitos fundamentais e regras de organização governamentais que efetivamente devem ser aplicados. Segundo o autor a ciência do direito voltado para a prática "impulsiona o paradigma neoconstitucionalista à inclusão, também, da dimensão política do direito".[11]

O "ecletismo (sincretismo) metodológico" é outro traço da doutrina neoconstitucionalista que propõe a junção de dois métodos de interpretação do direito, ou seja, o analítico e o hermenêutico, para que se possam justificar as decisões judiciais.

Outro aspecto importante da teoria neoconstitucionalista segundo o autor é o "principialismo". Com a inclusão dos princípios na interpretação constitucional e a revelação da diferença entre eles e as regras, ocorre à aproximação do direito com a moral. Segundo Écio[12] "esta conexão é expressa através dos princípios fundamentais que servem como pautas morais e jurídicas" para conferir a legitimidade das decisões judiciais.

A quarta característica descrita pelo autor é o "estatalismo garantista" que evidencia o Estado como garantidor de direitos fundamentais apto a interferir nos conflitos sociais prezando com justiça o bem comum da sociedade. No paradigma neoconstitucionalista, contrário ao Estado liberal, "o que cobra maior importância é a garantia da existência de mecanismos institucionais de tutela dos direitos fundamentais".[13]

Segundo Écio, outro traço importante do neoconstitucionalismo é o "judicialismo ético". Essa tese "propugna que a dimensão de justiça pretendida pela aplicação judicial comporta a conjunção de elementos éticos aos elementos estritamente jurídicos"[14]. Por tanto os juízes não estão mais presos ao método subsuntivo na aplicação do direito, podendo utilizar preceitos morais para justificar seu posicionamento.

O autor identifica ainda o "interpretativismo moral-constitucional" ou leitura moral da constituição. Ele afirma que:

A perspectiva interpretativa da moralidade da Constituição pressupõe que o intérprete constitucional considere que a iniludível intervenção dos juízos de valor levados a efeito no exercício da discricionariedade judicial deve levar em conta os valores morais da pessoa humana e conferir, em última instância, a efetivação desses na aplicação da Constituição.[15]

Dessa forma a interpretação moral da constituição não pode levar os juízes ao arbítrio. Mesmo que o juiz considere juízos de valor em suas decisões estará sempre vinculado ao texto constitucional e à promoção do princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que, a constituição elege este princípio como valor supremo.

Outra característica apontada por Écio é o "pós- positivismo". Segundo o autor essa corrente filosófica proporcionou a inclusão de princípios morais no ordenamento jurídico exigindo uma interpretação "axiológica-normativa" do direito[16]. O neoconstitucionalismo, fundamentado no princípio do estado de direito democrático não é compatível com o método positivista que aplica o direito de forma descritiva e nega a tese da identificação do direito com a moral. Conforme Garcia Figueroa "el constitucionalismo tradicional era sobre todo uma ideologia, uma teoria meramente normativa, mientras que el constitucionalismo actual se há convertido em uma teoria del Derecho opuesta al positivismo jurídico como método".[17]

O "juízo de ponderação" é outro traço fundamental no constitucionalismo contemporâneo. Conforme Écio, a aplicação da ponderação como técnica de interpretação é feita nos casos difíceis "nos quais nenhuma regra estabelecida dita uma decisão em qualquer direção"[18]. O juiz precisa escolher entre um princípio e outro, ponderando. Pietro Sanchís demonstra muito bem o juízo de ponderação quando afirma que:

[...] Ciertamente, en el mundo del Derecho el resultado de la ponderación no há de ser necesariamente el equilibrio entre tales intereses, razones o normas; al contrario, lo habitual es que la ponderación desemboque en el triunfo de alguno de ellos en el caso concreto. Em cambio, donde si hay de existir equilibrio es en el plano abstracto: en principio, han de ser todos del mismo valor, pues de otro modo no habría nada que ponderar; sencillamente, en caso de conflito se impodría el de más valor. Ponderar es, pues, buscar la mejor decisíon (la mejor sentencia, por ejemplo) cuando em la argumentacíon concurren razones justificatorias conflictivas y del mismo valor.[19]

Isso ocorre principalmente na Constituição, pois ela está impregnada de princípios morais que no plano abstrato convivem harmonicamente, mas no plano concreto podem se chocar, exigindo que o juiz analise interesses conflitantes de mesma hierarquia no texto constitucional, mas que precisam ser ponderados na atividade decisional.

Já a "especificidade interpretativa" caracteriza o neoconstitucionalismo como uma teoria que defende uma forma específica de interpretar as normas constitucionais. Segundo Écio, o constitucionalismo contemporâneo "encontra amparo no argumento neoconstitucionalista que adota o modelo prescritivo de Constituição concebida como norma"[20]. Suzanna Pozzolo tem uma boa definição do que seja esse modelo:

[...] de acordo com uma concepção prescritiva, "Constituição" designa um conjunto de regras jurídicas positivas expressas e fundamentais em relação em relação às outras regras, mas que atingem o status constitucional em razão do particular conteúdo que expressam. [...] A carta constitucional é concebida como um documento normativo que apresenta características e conteúdos específicos pelos quais se distingue dos demais documentos jurídicos.[21]

Concebendo a constituição dessa forma se faz necessária a utilização de técnicas de interpretação específicas que levem em consideração o conteúdo moral das normas constitucionais.

A "ampliação do conteúdo da grundnorm" é mais uma característica apontada por Écio e evidencia que:

Ultrapassando o esquema positivista kelseniano, que fundamenta a validez de todas as normas a partir de uma norma fundamental completamente neutra, no que respeita ao seu conteúdo, o neoconstituionalismo defende que a obrigatoriedade jurídica assumida em função da Constituição se deve a inclusão, no conceito de grundnorm, de conteúdos morais.[22]

Portanto, os fundamentos de validade e legitimidade das normas jurídicas passam por um crivo moral exigido pela constituição. Se a norma fundamental tem um conteúdo moral que legitima todo ordenamento as outras normas só poderão ser consideradas jurídicas estando conforme aos princípios norteadores estabelecidos pela Constituição.

Ana Paula de Barcellos também sistematiza algumas características fundamentais do neoconstitucionalismo. A autora reúne essas características em dois grupos:

Do ponto de vista metodológico-formal, o constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais, das quais depende em boa parte a compreensão dos sistemas jurídicos ocidentais contemporâneos. São elas: (i) a normatividade da constituição, isto é, o reconhecimento de que as disposições constitucionais são normas jurídicas, dotadas, como as demais, de imperativiadade; (ii) a superioridade da Constituição sobre o restante da ordem jurídica (cuida-se aqui de Constituições rígidas, portanto); e (iii) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, por força do fato de que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição.[23]

Essas três características assinalam a passagem do constitucionalismo moderno para o contemporâneo ou neoconstitucionalismo. A constituição deixa de ser conhecida no Estado liberal como documento político e passa a ser concebida como norma jurídica superior no Estado de direito democrático. Essa força normativa da constituição vincula todo ordenamento jurídico aos valores supremos eleitos pelo texto constitucional. O direito nesse paradigma é instrumento de transformação social comprometido com a promoção dos direitos fundamentais. Ainda conforme a autora, outro grande grupo merece destaque:

Do ponto de vista material, ao menos dois elementos caracterizam o neoconstitucionalismo e merecem nota: (i) a incorporação explicita de valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais; e (ii) a expansão de conflitos específicos e gerais entre as opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio sistema constitucional.[24]

Dessa forma a constituição contemporânea inclui no seu conteúdo material princípios morais que irão orientar todo sistema jurídico na aplicação direta do princípio da dignidade da pessoa humana. Como foi dito anteriormente, no plano abstrato, esses valores convivem em harmonia na constituição, mas no plano concreto podem se chocar exigindo que o juiz utilize a ponderação de interesses para solucionar o conflito entre princípios. Barcellos conclui que:

[...] O neoconstitucionalismo vive essa passagem, do teórico ao concreto, de feérica, instável e em muitas ocasiões inacabada construção de instrumentos por meio dos quais se poderá transformar os ideais da normatividade, superioridade e centralidade da Constituição, em técnica dogmaticamente consistente e utilizável na prática.[25]

Todas as características apontadas por esses autores levam à conclusão de que esse novo momento constitucional necessita de técnicas específicas que atendam ao conteúdo axiológico da Constituição. Por isso o neoconstitucionalismo defende a leitura moral da constituição e uma interpretação específica de suas normas. É o que tentarei demonstrar adiante.

1. ESPECIFICIDADE DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

O neoconstitucionalismo adotando um modelo prescritivo de constituição concebida como norma, sustenta a necessidade de uma interpretação específica da constituição. O conteúdo da norma constitucional é diferente das demais leis, na medida em que estabelece valores supremos que irão legitimar a produção das outras regras jurídicas. Somente estará no texto constitucional aquilo que a Carta Suprema eleger como conteúdo constitucionalmente relevante.[26]

Nesse sentido, Pozzoloevidencia que "a constituição, aqui, não é moldura e garantia, mas constitui uma espécie de ponte entre o discurso jurídico e o discurso moral, motivo pelo qual a sua interpretação e aplicação não podem prescindir de valoração ética"[27]. A constituição prescritiva não se configura apenas como uma carta política que define regras estruturais e declara direito. É mais que isso, ela estabelece princípios morais a serem seguidos por todos, principalmente, pelo poder público.

O conteúdo constitucional imerso em princípios éticos não comporta mais o modelo subsuntivo de aplicação das normas jurídicas defendidas pelo método positivista. Conforme Barroso:

Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo. Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se co-participante do processo de criação do Direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis.[28]

Por isso, ao definir o objeto da constituição com forte carga axiológica o neoconstitucionalismo preza pela interpretação específica do texto constitucional. Pozzolo sistematiza algumas formulações que identificam a peculiaridade da nova interpretação constitucional. Ela enumera da seguinte forma:

1) "Princípios versus normas". Essa tese sustenta que o ordenamento jurídico é composto de regras e princípios. Estes, por apresentarem uma carga valorativa muito grande, e por estarem presentes em uma maior quantidade nas constituições contemporâneas, são expressos "en un lenguaje extremadamente vago y con un alto nivel de abstraccíon"[29]. Segundo Pozzolo essa tese sustenta que os juízes devem utilizar os princípios para justificar cada vez mais suas decisões.

2) "Ponderação versus subsunção". Com essa formulação Pozzolo evidencia um método específico para aplicação dos princípios.[30] Eles convivem harmonicamente no texto constitucional, mas por terem um conteúdo vago e abarcarem valores morais, quando aplicáveis em um caso concreto podem colidir. Um princípio constitucional não pode ser invalidado em relação ao outro, pois gozam do mesmo status hierárquico. Por isso, o método subsuntivo aplicado as regras não serve para dirimir a colisão entre princípios, pois uma regra não pode ser declarada inválida em relação à outra, na medida em que, no ordenamento jurídico só podem coexistir regras coerentes entre si. Pozzolo enfatiza que " La relación axiológica, pues, se da cada vez para cada caso individual en base a los juicios de valor formulados por el juez individual.[31]

3) "Constituição versus independência do legislador". Segundo essa concepção o conteúdo constitucional que agora é detentor de uma forte carga axiológica vincula o poder legislativo na produção de normas jurídicas compatíveis com a "vontade" da constituição. Para Pozzolo, "La ley, pues, cede el passo a la constitución y se convierte en un instrumento de mediación entre exigencias prácticas y exigencias constitucionales".[32]

4) "Juizes versus liberdade do legislador". Conforme essa formulação, Pozzolo se refere à função criativa dos juizes, na medida em que, interpretam as normas constitucionais buscando valores morais para justificar suas decisões. No caso concreto os juízes tentam adequar os valores que a Constituição informa como sendo justos com as exigências de justiça do caso proposto. Dentro desse contexto, de uma específica interpretação da constituição, os juizes assumem um peculiar papel de conferir racionalidade ao sistema jurídico.[33] Nesse sentido, a autora evidencia que:

O intérprete constitucional, por atribuir significado às disposições constitucionais, e em primeiro lugar àquelas principiológicas, deve se referir a uma tese moral: a linguagem constitucional não é interpretável com os instrumentos comumente utilizados para a interpretação do direito infraconstitucional. A diversidade do objeto "constituição" se baseia fundamentalmente sobre a presença dos princípios que, uma vez caracterizados como valores morais positivados, para serem compreendidos necessitam de considerações morais, resolvendo o problema interpretativo do direito constitucional em uma interpretação moral da Constituição.[34]

Portanto, o neoconstitucionalismo sustenta a especificidade de interpretação constitucional na medida em que propõe uma "leitura moral da constituição".

1.1 Leitura moral da constituição

É impossível falar de leitura moral da constituição sem me referir a Ronald Dworkin. Esse ilustre jurista americano sustenta que a constituição, por sua própria natureza, ou seja, por radicar-se sobre direitos fundamentais, pressupõe uma leitura especial diferente das demais normas jurídicas.

A constituição contemporânea enquadrada no modelo de estado democrático de direito contem certos conceitos e valores que identificam esse tipo de regime político. As constituições longas e densas são caracterizadas por uma forte carga axiológica no que se refere à constante presença, em seus textos, de princípios e garantias fundamentais erguidos sob valores ideais de justiça.

O neoconstitucionalismo tem como objeto de estudo esse tipo de constituição e, por isso, defende a interpretação dela através de uma leitura moral que faça referencia a princípios morais de decência e justiça. "A leitura moral, assim, insere a moralidade política no próprio âmago do direito constitucional". [35]

Em sua ilustre obra "O Direito da Liberdade", Dworkin demonstra que valores como a igualdade, liberdade e solidariedade devem fundamentar o ordenamento jurídico de uma maneira que a produção e aplicação das normas jurídicas aspirem sempre esses valores democráticos.[36]Dessa maneira constitucionalismo e democracia estariam próximos.

Entretanto, Dworkin evidencia que essa aproximação só seria legítima se a democracia fosse desvinculada do que ele chama de "premissa majoritária". Essa tese sustenta, segundo o autor, que a democracia se confunde com a vontade da maioria, ou seja, como se "a meta de que as leis geradas pelo complexo processo democrático e os cursos da ação por ele seguidos sejam, no fim, os aprovados pela maioria dos cidadãos".[37]

Para o autor a democracia nesse sentido levaria a supressão de direitos individuais dos quais o constitucionalismo tanto lutou para incorporar e proteger nos textos constitucionais. Conforme o professor americano "quando compreendemos melhor a democracia, vemos que a leitura moral de uma constituição política não só não é antidemocrática como também, pelo contrário, é praticamente indispensávelpara a democracia".[38]

Isso ocorre porque, com a leitura moral da constituição, podemos compreender melhor a dimensão que ela dar aos valores como a liberdade, igualdade e solidariedade, cabendo ao judiciário a função da leitura desses princípios. No entanto, esses valores, não podem ser declarados pelos juízes de acordo com suas convicções morais e sim com o que a Constituição estabelece. Dworkin afirma que "os juízes devem submeter-se à opinião geral e estabelecida acerca do caráter do poder que a Constituição lhes confere. A leitura moral lhes pede que encontrem a melhor concepção dos princípios morais constitucionais".[39]

A concepção constitucional de democracia para Dworkin impõe condições democráticas de igualdade para todos os indivíduos que mesmo considerados numa maioria possam ser respeitados individualmente. A leitura moral da constituição não pode permitir que a "vontade da maioria" despreze os direitos fundamentais de uma minoria, seria injusto e contrário aos ideais constitucionais.[40]

Muitos juristas tecem críticas à leitura moral da constituição afirmando que seria conferir um poder supremo aos juízes de criar direitos, o que seria antidemocrático, pois os juízes não são eleitos pelo povo. Dworkin afirma que essa crítica não tem fundamento, pois é baseada numa concepção de democracia reduzida a vontade da maioria e não na idéia de democracia constitucional que ele defende. Entretanto haverá um momento específico para estudar melhor as críticas da leitura moral da constituição.

O interessante desse tópico foi notar a importante contribuição da tese sustentada por Ronald Dworkin importada pelo neoconstitucionalismo. Essa teoria, ainda em construção, utiliza a leitura moral da constituição para orientar uma interpretação específica das normas constitucionais comprometida com valores morais e políticos.

A interpretação feita pelo juiz deve sempre buscar os valores de igualdade, liberdade e solidariedade que a constituição estabelece. No entanto, princípios morais, tendem a abstração podendo dificultar o trabalho do juiz. O neoconstitucionalismo, então, trás a discussão sobre algumas técnicas principalmente utilizadas na interpretação de princípios, que podem ajudar o intérprete na busca de uma solução mais justa exigida por um caso concreto. Irei analisar agora cada uma dessas técnicas.

1.2 Ponderação, razoabilidade e proporcionalidade.

Partindo da classificação proposta por Humberto Ávila em seu livro "Teoria dos Princípios", ponderação, razoabilidade e proporcionalidade serão aqui identificadas como postulados normativos. São assim caracterizadas porque estabelecem o modo de aplicação das normas jurídicas, ou seja, são "normas estruturantes da aplicação de princípios e regras".[41]

O neoconstitucionalismo utiliza essas técnicas, principalmente a ponderação, com intuito de conferir mais racionalidade às decisões judiciais que envolvem questões constitucionais. Não se está aqui dizendo que a ponderação é uma técnica exclusiva para dirimir princípios conflitantes de mesmo peso, como queria Robert alexy.[42]É, assim, considerada por Barcellos como "técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais".[43]

Sendo assim, como a interpretação dos princípios envolve valorações políticas, morais e etc., por sua própria natureza, a eles poderá ser aplicada a ponderação como técnica sempre que o caso concreto exigir. Barcellos propõe um modelo em três etapas, aplicáveis a técnica da ponderação, dirigida ao juiz para que ele possa controlar melhor suas decisões e não se perder na arbitrariedade. Conforme Barroso:

A ponderação, como mecanismo de convivência de normas que tutelam valores ou bem jurídicos contrapostos, conquistou amplamente a doutrina e já repercute nas decisões dos tribunais. A vanguarda do pensamento jurídico dedica-se, na quadra atual, à busca de parâmetros de alguma objetividade, para que a ponderação não se torne uma fórmula vazia, legitimadora de escolhas arbitrárias. É preciso demarcar o que pode ser ponderado e como deve sê-lo.[44]

Nesse sentido, Barcellos desenvolveu as três etapas da seguinte forma: A primeira fase consiste na identificação dos enunciados normativos em tensão, a segunda é a identificação dos fatos relevantes e, por fim, a decisão.[45]Será explicada cada uma delas.

A primeira etapa como foi dito é realizada através da busca dos enunciados normativos em conflito. O intérprete primeiramente tentará esgotar as formas tradicionais de aplicação da norma jurídica, somente depois irá partir para a ponderação. Logo após, identificará os enunciados e os interesses contrários que só serão legítimos se puderem ser reportados a cada enunciado normativo específico. O juiz não deve considerar qualquer interesse, pois a ponderação pode resultar em uma análise estritamente política.[46]

Ainda nessa fase, é importante que o intérprete compreenda a distinção entre enunciado normativo e norma. O primeiro é composto dos textos normativos enquanto a norma é síntese, é atribuição de sentido, pelo juiz aos enunciados normativos. Cabe a ele destacar quais os princípios e regras referentes aos enunciados e que estejam compatíveis com o caso concreto ordenando cada um deles. Segundo Barcellos, "o propósito de ordenar e explicitar as etapas do raciocínio ponderativo é precisamente submeter à intuição a controles de juridicidade e racionalidade".[47]

Já na segunda etapa o intérprete deve buscar os fatos relevantes do caso proposto e demonstrar quais as possíveis influencias desses fatos sobre os enunciados normativos. Conforme Barcellos:

Nesta segunda fase, e sempre que isso seja possível, o intérprete deverá cogitar de todas as possibilidades fáticas por meio das quais as diferentes soluções indicadas pelos grupos normativos da primeira fase podem ser realizadas, desde a que atende mais amplamente às suas pretensões, até a que as restringe de forma importante. Cada uma dessas soluções, na verdade, corresponde a uma norma possível, isto é, a uma possibilidade normativa a ser extraída do conjunto de enunciados pertinentes no caso.[48]

Finalmente cabe a terceira a fase a decisão. Nessa etapa os variados grupos de normativos formados na primeira fase serão analisados conjuntamente com as circunstancias fáticas relevantes do caso, "de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve ponderar no caso". [49]Ainda nessa fase, o interprete deve graduar o alcance da solução escolhida, cabendo a ele ainda demonstrar qual o grau e em que grau a solução será aplicada. Nesse sentido, conforme Barroso, os postulados normativos da proporcionalidade e razoabilidade podem servir como instrumentos de graduação da ponderação.[50]

A razoabilidade é um postulado normativo que condiciona principalmente a aplicação de regras. Segundo Humberto Ávila, ela e utilizada em três acepções: como equidade, como congruência e equivalência.[51]

Aplicada como equidade, a razoabilidade "exige a harmonização da norma geral com a do caso individual".[52] Dessa forma pode se apurar se os fatos previstos na norma jurídica ocorreram de fato e se são relevantes para sua incidência. No entanto, quando esse postulado é aplicado como congruência o que se busca harmonizar é as condições externas das normas jurídicas que irão equacionar a sua aplicação. Nesse caso, Ávila evidencia que o que será estudado nesse aspecto é a relação de distinção existente entre critério e medida.[53]

A razoabilidade entendida com equivalência é estudada a partir da contraposição de duas grandezas. Outro postulado normativo indicado por Ávila é o da proporcionalidade, que além de estabelecer uma relação de meio e fim a ser alcançado, identifica a diferença entre fins externos e internos. Conforme o autor:

[...] a aplicabilidade do postulado da proporcionalidade depende de uma relação de causalidade entre meio e fim. Se assim é, sua força estruturadora reside na forma como podem ser precisados os efeitos da utilização do meio e de como é definido o fim justificativo da medida. Um meio cujos efeitos são indefinidos e um fim cujos contornos são indeterminados, se não impedem a utilização da proporcionalidade, certamente enfraquecem seu poder de controle sobre os atos do Poder Público.[54]

A proporcionalidade é um grande instrumento contra as decisões do poder público que extrapolam os limites ou o alcance dos enunciados normativos. Dessa forma, ele se apresenta como meio adequado quando proporciona um fim mínimo. Segundo Ávila, "o controle da adequação deve limitar-se em razão do princípio da separação dos poderes, à anulação dos meios manifestamente inadequados".[55]

Para o ilustre autor a proporcionalidade ainda deve ser enquadrada como necessidade. Dessa forma um meio é necessário quando não existem outros possíveis para regular o caso concreto, mas ele só deve ser considerado pelo intérprete se não mitigar direitos fundamentais que possam ser afetados pelo caso em examinado.[56]

Finalmente, para Ávila o postulado normativo em questão deve ser analisado sobre uma proporcionalidade estrita. Dessa maneira, "o meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais".[57]

Todos os postulados normativos aqui discutidos são instrumentos de aplicação de outras normas jurídicas que podem ajudar o intérprete na busca de uma melhor decisão. O neoconstitucionalismo propõe que esses aplicativos sejam utilizados para conferir legitimidade e racionalidade a uma interpretação tão específica como a das normas constitucionais.

2 DESAFIOS/ PROBLEMAS/ PERSPECTIVAS

O neoconstitucionalismo ainda é uma teoria inacabada e em constante construção. Concebe a constituição como uma estrutura axiológica comprometida com a garantia e aplicabilidade dos direitos fundamentais, e por ter essa característica implica numa necessária e específica interpretação de suas normas.

Por se estar diante de algo novo, o neoconstituionalismo enfrenta muitos questionamentos por parte da doutrina jurídica. O constitucionalismo contemporâneo é acusado de ser antidemocrático, de estabelecer o "governo dos juízes", de ferir a separação dos três poderes e de causar a insegurança jurídica. Toda crítica bem formulada e fundamentada é bem vinda, vejamos então as principais, ou especiais, para o estudo em questão.

Primeiramente, Susanna Pozzolo evidencia que a leitura moral da constituição torna o direito ainda mais vago e incerto. Conforme a autora:

Segundo a doutrina neoconstitucionalista, agente consciente da mudança constitucional é juiz (ou da necessária evolução da interpretação constitucional) é o juiz constitucional. Mas se observa que vem investido da mesma função também é o juiz ordinário na medida em que o texto constitucional é sujeito a uma interpretação direta a desvendar normas diretamente aplicáveis às controvérsias.[58]

Nesse sentido, na medida em que o trabalho de interpretação do juiz envolve escolhas nas decisões que comportam conflitos constitucionais, é certo que o intérprete pondera valores e se reporta a uma tese moral. Dessa forma estaria "inventando" direito usurpando do legislador essa função, conferida a ele pela própria constituição: "A configuração da Constituição neoconstitucionalista, (...), retira a tarefa das escolhas políticas das mãos do legislador, aumentado o poder da jurisdição".[59]

A autora ainda faz uma crítica à locução identificada por Dworkin como "democracia constitucional". Esse modelo proposto pelo ilustre autor americano tem como fundamento a leitura moral da constituição. Para Pozzolo, essa interpretação delegada aos juízes enfraquece os princípios democráticos de igualdade, autonomia e autodeterminação. No entanto, para Dworkin democracia é muito mais que um governo reduzido à maioria, ou a "tirania da maioria", como ela própria cita.

Pozzolo ainda evidencia que no processo democrático, o controle de constitucionalidade das leis pode limitar possíveis atos arbitrários do poder legislativo na produção normativa. Entretanto, no paradigma proposto pelo neoconstitucionalismo, não haveria uma instituição constitucionalmente competente para controlar a interpretação moral dos juízes. Para a autora seria interferir demasiadamente na sistemática dos três poderes causando insegurança jurídica.[60]

Garcia Figueroa também aponta que muitos autores na doutrina jurídica criticam o neoconstitucionalsimo por ele ferir o processo democrático. Segundo ele, para esses críticos, os direitos fundamentais incorporados pelo Estado democrático de direito deveriam impor limites ao poder legislativo e também ao judiciário[61]. Figueroa explica melhor essa crítica se referindo à natureza dúplice que a interpretação dos princípios encerra. Dessa forma, os princípios constitucionais:

[...] por un lado constituyen un límite en la medida en que encierran un núcleo de significado irrenunciable, pero al mismo tiempo su ponderación confiere un mayor margem de discreción. Aparentemente, los principios constitucionales han exhibido, pues, un comportamiento selectivo que les há llevado a mostrar su rostro más severo, más restrictivo, al legislador, y su rostro más amable, más concesivo, al aplicador del Derecho.[62]

Para Figueroa, sob essa perspectiva apontada acima, os princípios conferem uma maior liberdade para o discurso do juiz no momento em que for decidir um caso concreto e, isso proporciona um risco para o processo democrático.

Outro problema apontado pelos críticos do neoconstitucionalismo é direcionado à ponderação como técnica na aplicação dos princípios constitucionais. É sabido que a ponderação envolve valorações morais nas decisões jurídicas e que, por isso, podem comportar escolhas políticas feitas pelo juiz no momento interpretativo. Como afirma Comanducci "os princípios não diminuem, mas sim incrementam a indeterminação do direito".[63] Dessa forma também se estaria violando processo democrático. Harbermas evidencia que a poderação de princípos:

[...] convierte al Tribunal en un negociador de valores, en una instancia autortaria que invade las competencias del legislador y que aumenta el peligro de juicios irracionales porque con ello cobran primácia los argumentos funcionalistas a costa de los argumentos normativos.[64]

Segundo Prieto Sanchís, as críticas direcionadas à ponderação sempre estão relacionadas à subjetividade do juiz, ao decisionismo, como sendo produto de uma lógica irracional. Para ele as críticas não devem ser excluídas, mas sim mitigadas: primeiro por que o juízo de ponderação informa como o juiz deve interpretar, o trabalho é feito no plano do dever ser e não do ser, e segundo, para o autor, "parece que una ponderación que lo sea de verdad no puede dar lugar a cualquier solución".[65] Para Prieto os questionamentos apontados a ponderação seriam reportados a qualquer teoria da argumentação.

Prieto ainda afirma que mesmo o neoconstitucionalismo conferindo uma maior liberdade ao poder judiciário não está completamente dissociado do Estado democrático de direito, pelo contrário, a forma com que essa teoria concebe a constituição, ela só poderia estar associada a esse tipo regime político. Dessa forma "reclama entre outras coisas uma depurada teoria da argumentação capaz de garantir a racionalidade e de suscitar o consenso em torno das decisões judiciais". Para o autor, nesse sentido, a ponderação, como técnica de aplicação do direito, só pode ser entendida como um método racional.[66]

É fato que os sistemas constitucionais contemporâneos ampliam as opções valorativas na interpretação do direito, permitindo cada vez mais que os juízes criem direitos, principalmente, quando se refere à ponderação. No entanto, isso não impede que seja conferida racionalidade as decisões judiciais, nem tampouco, limita a sua justificação. Além disso, a própria constituição obriga que os juízes motivem suas decisões. [67]

Ana Paula de Barcellos afirma que se o juiz, ao utilizar a ponderação, descobre mais de uma solução possível, se faz necessário que ele indique como chegou a um posicionamento ou outro. Dessa forma, se o intérprete seguir as três etapas da técnica ponderativa estudada no tópico anterior aprimorará seu processo decisório conferido uma maior legitimidade as suas decisões.[68]

O neoconstitucionalismo é uma teoria nova, ainda não há um consenso sobre as técnicas que ele utiliza no processo de argumentação judicial. Ainda assim, essa teoria, percorrendo todas as dificuldades impostas a ela, ao menos procurou oferecer algumas respostas aos questionamentos que, ao longo de séculos, se desenvolveram acerca da interpretação/aplicação do direito. Nesse sentido, superou o positivismo jurídico, que mesmo com muito esforço, ainda não ofereceu uma explicação plausível que reporta, mais uma vez, à defesa da separação do direito da moral. Como indica Cláudio Pereira de Souza Neto:

A resolução desses problemas, no entanto, certamente não será obtida recusando-se a enfrentá-los, continuando-se a se insistir que a atividade judicial é neutra no sentido que o positivismo tradicional atribui à neutralidade. Isso não implica também que se recaia no extremo oposto de se entender que a legitimação democrática e a separação dos poderes são incompatíveis com uma concepção construtivista do ato jurisdicional. A tarefa imposta à teoria do direito é justamente estabelecer critérios para que a atividade construtiva se dê de maneira racional, deixando a deliberação volitiva às maiorias legitimadas democraticamente.[69]

Nesse sentido, é justa a conclusão que Pietro Sanchís chegou em relação à teoria neoconstitucionalista:

Sea como fuere, de lo que expuesto hasta aqui se desprende que el neoconstitucionalismo requiere una nueva teoría de lãs fuentes alejada del legalismo, una nueva teoría de la norma que dé entrada al problema de los principios, y una reforzada teoría de la interpretación, ni puramente mecanicista ni puramente discrecional, donde los riesgos que comporta la interpretación constitucional puedan ser conjurados por un esquema plausible de argumentación jurídica.[70]

Dessa forma, o neoconstitucionalismo vivencia a perspectiva de equilibrar o discurso moral com a aplicação do direito, não incorrendo em um discurso antidemocrático, e sim em favor da democracia. O interprete está vinculado aos juízos morais estabelecidos pela Constituição como relevantes. Os princípios da igualdade, liberdade e solidariedade não devem ser utilizados pelos juízes em causa própria e sim como instrumentos de transformação social.

CONCLUSÃO

A redemocratização da Europa após a segunda guerra mundial proporcionou o surgimento de constituições democráticas, erguidas sobre valores e princípios fundamentais. As constituições contemporâneas, longas e densas, têm um forte conteúdo axiológico, na medida em que expressam, através dos princípios constitucionais, a preocupação com o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária.

Dentro desse contexto, a Constituição passou por uma grande transformação, tanto na sua estrutura como no seu aspecto material. A constituição deixou de ser concebida como um documento meramente político para configurar, no cenário atual, como uma constituição social, dirigente, programática e, acima de tudo, construtiva.

Entretanto, antes da Segunda Guerra Mundial, a constituição serviu aos ideais do Estado Liberal ou do Estado Legislativo do Direito. Esse regime político se aproveitou de princípios iluministas, como a igualdade, liberdade e fraternidade, para instaurar a revolução e se insurgir contra o Estado Absolutista, fundamentado no poder divino dos reis.

A idéia de limitar o poder estatal e declarar direitos individuais positivados em um texto constitucional serviu para que o Estado Liberal fosse consolidado, tanto no plano político como no econômico. Esse modelo de estado preza pela livre concorrência e iniciativa privada, o estado não pode intervir na economia muito menos na sociedade. Já no plano político, as idéias liberais preconizam um modelo de estado separado em três poderes, de forma que um não interfira sobre o outro, para que se possam proteger os direitos individuais.

O Estado Legislativo se consolidou utilizando os pontos principais da doutrina positivista. Nesse sentido, a lei passa ser expressão superior da razão e serve como instrumento de garantia da ordem pretendida pelo Estado Liberal.

Dentro desse paradigma, o estado assume toda produção legislativa e se intitula o único detentor do poder coercitivo. Conforme essa concepção monista, onde Estado e Direito se confundem, o Direito é reduzido a normas jurídicas que regulam a sociedade, sem preocupação com seu conteúdo e com seus fins. O Direito é calcado nos pilares da segurança jurídica e da separação dos poderes e para tanto não pode ser vinculado a princípios axiológicos. O positivismo jurídico utiliza o método científico na compreensão do ordenamento jurídico.

O método empirista foi utilizado para conferir neutralidade axiológica na observação dos fatos pelo juiz. Partindo de um ângulo estritamente empírico, o Direito limita-se ao positivamente dado, apenas descrevendo a realidade. O direito é separado da moral e o interprete assume uma postura mecânica ao aplicar o direito.

A interpretação do direito pelo positivismo jurídico é reduzida a um silogismo. Aqui texto e norma se confundem e o juiz utiliza o método subsuntivo para interpretar o direito identificando a regra e a aplicando ao caso concreto. Nesse sentido não se deve falar em interpretação e sim aplicação, pois interpretar é construir sentidos: A norma é produto da interpretação.

Além disso, o positivismo considera o ordenamento como um sistema, completo e coerente, de normas jurídicas. Por tanto, o positivismo fecha o sistema a discricionariedade judicial, separa o direito da moral, não reconhece a normatividade dos princípios e nega que o direito possa ser justificado a partir de juízos de valor.

O positivismo jurídico não foi capaz de oferecer uma teoria da interpretação satisfatória, sobretudo para os sistemas constitucionais contemporâneos. O constitucionalismo atual propõe um modelo de constituição axiológica, imersa em valores e princípios morais incompatíveis com o método de se fazer ciência jurídica dos positivistas: um método empírico, descritivo e com pretensão de neutralidade que se perdeu no tempo.

O constitucionalismo contemporâneo necessita de técnicas de argumentação jurídica que estejam compatíveis com esse modelo de constituição. Nesse sentido o neoconstitucionalismo, é uma teoria que propõe uma leitura moral da constituição atentando para natureza específica de suas normas.

O neoconstitucionalismo é identificado como uma teoria do direito, como ideologia e como método: como teoria pretendeu descrever o sucesso da constitucionalização do direito, colocando a constituição como núcleo definidor de todo sistema jurídico.

Como ideologia, propõe o modelo axiológico de constituição, obrigando a todos a obedecer aos preceitos morais estabelecidos por ela. Dessa forma se confunde com o neoconstitucionalismo teórico.

O neoconstitucionalismo metodológico sustenta a conexão do direito e da moral, na medida em que, estabelece o enlace necessário entre os princípios fundamentais e o conteúdo constitucional. Essa teoria inova porque inclui os princípios constitucionais na pauta interpretativa dos juízes. Nesse paradigma, o interprete constrói a norma jurídica fazendo a concretização dos princípios.

O neoconstitucionalismo propõe a ponderação como uma técnica específica para interpretação dos princípios constitucionais. No entanto, o juízo de ponderação permite que o juiz faça escolhas e confira valorações morais no seu julgamento.

Esse é um dos problemas apontados pelos críticos do neoconstitucionalismo: a ponderação permite a discricionariedade judicial estabelecendo o "governo dos juízes". Dessa forma essa teoria seria antidemocrática, na medida em que, fere a separação dos poderes, conferindo ao judiciário o poder inconstitucional de legislar.

É fato que os sistemas constitucionais contemporâneos ampliam as opções valorativas na interpretação do direito, permitindo cada vez mais que os juízes criem direitos, principalmente, quando se refere à ponderação. No entanto, isso não impede que seja conferida racionalidade as decisões judiciais, nem tampouco, limita a sua justificação. Além disso, a própria constituição obriga que os juízes motivem suas decisões.

O juiz não pode fazer escolhas políticas de acordo com suas próprias convicções e sim de acordo com o que o texto constitucional prescreve. Se antes era seguida a vontade do legislador, nos sistemas jurídicos contemporâneos, é confirmada a vontade da Constituição.

O que identificamos com o estudo abordado, é que o neoconstitucionalismo ainda é uma teoria em construção e, realmente, não há um consenso sobre ela. O que é interessante notar é a sua contribuição para a formação de uma teoria da argumentação preocupada com a legitimidade das decisões judiciais.

Não se nega nesse estudo as técnicas tradicionais de aplicação do direito, o que a teoria neoconstitucionalista propõe é uma nova forma de se pensar em interpretação, comprometida com o desenvolvimento da sociedade como um todo.

O neoconstitucionalismo concebe o direito como instrumento de transformação social e nesse contexto, os operadores do direito são um meio para alcançar o ideal de justiça prescrito na Constituição.

Como evidencia nosso ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau para quem "interpretar o direito é uma prudência", creio que a argumentação jurídica seja, também, uma questão de bom senso.

REFERÊNCIAS

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[1] BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucinalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. In: http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf, acesso em 14 de novembro de 2007.

[2] SANCHÍS, Luis Pietro. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: CARBONELL, Miguel (Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 123.

[3] COMANDUCCI, Paolo. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. In: CARBONELL, Miguel (Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 83

[4] COMANDUCCI, op. Cit.. p. 84.

[5] DOGLIANI apud COMANDUCCI, 2003. p. 84.

[6] Cfr.COMANDUCCI, op. Cit., p. 84

[7] COMANDUCCI, op. Cit., p. 85.

[8] COMANDUCCI, op. Cit., p. 86.

[9] COMANDUCCI, op. Cit., p. 87.

[10] DUARTE, Écio Oto Ramos, POZZOLO, Suzanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico. As faces da teoria do Direito em tempos de interpretação moral da constituição. São Paulo: Landy, 2006. p. 64-73.

[11] Idem, p. 65.

[12] Idem, p. 66.

[13] Idem, p. 67.

[14] Idem, p. 67.

[15] Idem, p. 68.

[16] Idem, p. 68-69.

[17] FIGUEROA, Alfonso Garcia. La teoria del Derecho em tiempos de constitucionalismo. In: CARBONELL, Miguel (Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 165.

[18] DUARTE, Écio Oto Ramos, op. Cit. p. 69-70.

[19] SANCHÍS, Luis Pietro. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial. In: CARBONELL, Miguel (Ed.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003. p. 137.

[20] DUARTE, op. Cit. p. 71.

[21] DUARTE, Écio Oto Ramos, POZZOLO, Suzanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico. As faces da teoria do Direito em tempos de interpretação moral da constituição. São Paulo: Landy, 2006. p.89.

[22]BONGIOVANNI apude DUARTE, op. Cit. p. 71.

[23] BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucinalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas. In: http://www.mundojuridico.adv.br/cgi-bin/upload/texto853.pdf, acesso em 14 de novembro de 2007.

[24] Idem.

[25] Idem.

[26] DUARTE, Écio Oto Ramos, POZZOLO, Suzanna. Neoconstitucionalismo e Positivismo Jurídico. As faces da teoria do Direito em tempos de interpretação moral da constituição. São Paulo: Landy, 2006. p.97.

[27] POZZOLO, op. Cit. p. 98.

[28] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. JUSNAVIGANDI. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547 Acesso em: 04 nov. 2007.

[29]POZZOLO, Susanna. Neoconstitucionalismo y Especificidad de la Interpretación Constitucional, in Doxa: Cuadernos del filosia del derecho. Espanha: Doxa 21-II, 1998, p.339-353.

[30] Ibidem, p. 340.

[31] Ibidem, p. 340.

[32] Ibidem, p. 341.

[33] Ibidem, p. 342.

[34] Idem, 2006, p. 98.

[35] DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. A leitura moral da constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 2.

[36] Ibidem, p. 1-59.

[37] Ibidem, p. 24.

[38] Ibidem. P. 10.

[39] Ibidem. P. 16.

[40] Ibidem. P. 26.

[41] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 82.

[42] BARCELOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 36.

[43] Ibidem, p. 35.

[44] BARROSO, 2006, p. 33.

[45] BARCELLOS, op. Cit. 92.

[46] Ibidem, p. 98.

[47] Ibidem, p. 112.

[48] Ibidem, p. 122-123.

[49] BARROSO, 2006, p. 347.

[50] Ibidem, p. 348.

[51] ÁVILA, op. Cit. p. 95.

[52] Ibidem, p. 95.

[53] Ibidem, p. 101.

[54] Ibidem, p. 106.

[55] Ibidem, p. 121.

[56] Ibidem, p. 121.

[57] Ibidem, p. 121.

[58] POZZOLO, 2006, p. 99-100.

[59] Ibidem, p. 100.

[60] Ibidem, p. 102.

[61] FIGUEROA, op. Cit. p. 167.

[62] Ibidem, p. 168.

[63] COMANDUCCI apud SANCHÍS, 2006, p. 151.

[64] HABERMAS apude SANCHÍS, 2006, p. 153.

[65] SANCHÍS, op. Cit p. 152.

[66] Ibidem, p. 157.

[67]BARCELLOS, 2005, p. 47-48

[68] Ibidem

[69] NETO, Cláudio Pereira de Souza. A Iterpretação Constitucional Contemporânea entre o Construtivismo e o Pragmatismo, In Perspectivas Atuais da Filosofia do Direito. Antônio Cavalcanti, Carolina Melo, Gisele Cittadino e Thamy Pogrebinschi (Orgs.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 483.

[70] SANCHÍS, op.cit p. 158.