Tem gente que não acredita quando falo isto. Mas se, como diz o ditado, "tem coisa que até Deus duvida", então minha afirmação não é, de tudo, descabida.

E se é assim aqui vai ela. Não somos livres. Aliás, esse negócio de liberdade é algo muito confuso. Tem liberdades que nos aprisionam e proibições que nos libertam. E, para dizer a verdade, nem Deus é livre. Pelo menos em termos absolutos. Pelo menos como se popularizou a concepção de liberdade

Pronto! Prometi uma e fiz duas afirmações. A intenção era polemizar com uma e acabei fazendo duas que vão levar muita gente à loucura. E já que elas foram feitas, repito: não somos livres. E, o que é pior para muita gente, nem Deus é livre. Pode parecer loucura, mas me deixe explicar.

O problema é que a gente quer liberdade em situações em que ela não pode ser aplicada; ou a quer absoluta. Entretanto, poucas pessoas se dão conta de que a liberdade é circunstanciada. Ela não ocorre de forma e em termos absolutos. São as circunstâncias que definem a liberdade. Portanto, se ela depende das circunstâncias, não é absoluta. O que implicaria dizer que não podemos falar de Liberdade, mas de situações em que se age com liberdade ou sem ela.

São, portanto, as circunstâncias, as situações ou os momentos que mostram a possibilidade ou não de haver ou não condições em que ocorre liberdade. Isso pode indicar que a liberdade não existe em si mesma, mas somente nas circunstâncias, nos momentos ou nas situações.

Em síntese, o que determina a liberdade é a possibilidade de dizer sim ou não. É a possibilidade de escolha. Isso pode ser explicado da seguinte forma: um subalterno que recebe de seu superior uma ordem absurda ou que seja prejudicial a si ou a terceiros, está desobrigado de acatar a ordem, embora lhe deva obediência. Entretanto, para agir de tal forma deverá ser livre para tomar a decisão.Isso implica em pleno conhecimento de causa ou das intenções de quem deu a ordem e, mais ainda, das conseqüências de seu ato; consciência de que seu ato é prejudicial; deverá ser responsável pelo que está fazendo e pelo seu ato. Isso nos leva para o centro das decisões morais. E, com base nisso, podemos dizer que a liberdade tem razão de ser e fica mais facilmente compreendida, dentro de circunstâncias morais. Na imoralidade não há liberdade. Os atos imorais são resultantes não da liberdade, mas dos condicionamentos que levam à imoralidade. Quem age imoralmente é escravo dos seus atos.

Quando aplicamos esse raciocino a Deus e àquilo que podemos chamar de "atributos divinos" compreenderemos que até mesmo Deus está sujeito à circunstancialidade de seu pleno conhecimento, (onisciência).

Quais são os atributos divinos? Claro que não sabemos, exatamente o que ou quem é Deus, mas a partir de um raciocínio aristotélico-tomista (quer dizer: tendo por base a filosofia de Aristóteles e de Sto. Tomás de Aquino) podemos dizer que em Deus estão presentes, entre outros, os seguintes atributos: eternidade, onisciência, onipresença, bondade.

Aqui, para nosso propósito, tomemos a onisciência. Esse palavrão significa que Deus tem consciência de tudo, ultrapassando nossas limitações de tempo-espaço. E sabe tudo por ser eterno e onipresente. Eterno é o que não teve início nem fim: Deus sempre existiu. Onipresente significa que sua presença abarca todas as realidades. Isso implica dizer que Deus sabe de tudo em todos os tempos e lugares, simultaneamente. E, mais ainda, é sumamente bondoso.

Dizemos que Deus criou o ser humano e deu-lhe a possibilidade de manter-se na santidade ou afastar-se dela. Bem, se Deus é onisciente (sabendo tudo) sabe que alguns seres humanos se afastariam Dele, e, com isso se perderiam. Entretanto, em sua extrema bondade, e, para respeitar a capacidade humana de tomar decisões, Deus não interfere nelas. Caso interferisse mataria o livre arbítrio (capacidade/possibilidade de tomar decisões, dentro das circunstâncias) para entrar na predestinação. Isso significa que: ou interfere nas ações humanas e restringe a liberdade de suas criaturas ou não interfere e suas criaturas, os seres humanos, poderão se perder. Assim sendo, por saber tudo (onisciência) sabe que essa ou aquela pessoa fará isso ou aquilo. Entretanto, em nome do livre arbítrio, não interfere nas ações humanas.

Isso faz com que também os atos divinos sejam circunstanciados. Ou seja, a liberdade da ação divina depende da liberdade humana. Da mesma forma que o ser humano é limitado pelas circunstâncias, também Deus, por conceber e conceder livre arbítrio aos humanos, precisa limitar-se. E em virtude dessa limitação, limita, também sua liberdade. Por isso, mesmo sabendo que esta ou aquela pessoa se afastará de Si, a bondade divina lhe permite a liberdade de não retornar. Assim Deus se limita e depende das circunstâncias e das decisões do homem.

Isso tudo para dizer que esse princípio, esse sonho, essa utopia, essa aspiração mais profunda que move a humanidade e a trouxe até este ponto da história, isso que chamamos de liberdade só existe nas circunstâncias. E isso é o que nos permite perceber nossas limitações e alimentar nossas aspirações. Isso é o que alimenta a expectativa de liberdade: queremos o que não temos e por que não a possuímos lutamos por ela.

Só por Deus...

Neri de Paula Carneiro

Filósofo, Teólogo, Historiador

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