NEGÓCIOS E OPERAÇÕES NO COMÉRCIO INTERNACIONAL:
Regulação jurídica dos contratos internacionais*

 

                                                                                                                                                  Fabiane Ricardi                                                                                                                                                                     Mittyz Rodrigues**

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1. Do Direito Contratual Internacional; 1.1 Princípios; 1.2 Foro e Jurisdição; 1.3 Escolha da Lei Aplicável; 2. Aspectos Destacados dos Contratos Internacionais; 3. Arbitragem; Considerações Finais.

 

 

RESUMO

Neste trabalho buscar-se-á fazer uma breve abordagem acerca dos contratos internacionais, sua importância, formas de resolução de possíveis controvérsias, tendo em vista a existência de uma problemática que toca diretamente o objeto do Direito Internacional Privado, que é o conflito de leis do espaço, o que faz com que surjam questões centrais como: Qual lei regerá o contrato internacional? Poderão as partes livremente, ou seja, de acordo com a sua autonomia escolhê-la?

 

Palavras-chave: Contratos Internacionais; Princípio da Autonomia da Vontade;

 

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho buscou explorar o mundo do Direito Internacional, detendo-se especificamente às formas de regulação jurídica dos contratos internacionais, apresentando seus princípios, âmbito de atuação, objeto e finalidade, jurisdição, bem como destacando a escolha da lei a ser aplicada em casos que possa a vir ocorrer divergências.

           Atualmente, não se pode imaginar o mundo sem o contrato, uma vez que superado o estágio primitivo da barbárie, onde as apropriações dos bens da vida se davam pela força ou violência implantou-se a convivência pacífica, fazendo-se o contrato presente a partir daí. Com isso, houve o crescimento da civilização e o aumento das relações negociais, mostrando-se, o contrato, um importante instrumento no sentido de harmonizar vontades não coincidentes, passando a ser, portanto, um valioso aliado para o desenvolvimento econômico dos povos.

            À medida que começaram a existir sistemas jurídicos diferentes, bem como conveniência de relações econômicas, familiares e patrimoniais de pessoas de nacionalidade ou domicílios diversos, devido à facilidade e rapidez dos meios de comunicação, cada vez mais eficientes, passou a haver a possibilidade do surgimento de uma nova ramificação do contrato, a do contrato internacional, o qual passou a ser habilitado, a partir da formação de certas relações jurídicas, de modo a gerar eficácia em outros territórios e se sujeitando com isso a ordenamento jurídico diferente.

No entanto, esse mesmo advento globalizador e de avanço econômico mundial, que gerou um crescimento incontrolável nas relações contratuais, também trouxe consigo uma incerteza acerca de qual Legislação e Foro lhes serão aplicáveis, fato que os levou a ser um dos enfoques deste trabalho. 

 

1. DO DIREITO CONTRATUAL INTERNACIONAL

 

Chegar-se a uma definição única, quando se trata de contratos internacionais não é tarefa das mais simples, uma vez que a própria doutrina não apresenta uma solução satisfatória para a questão, não conseguindo nem mesmo a legislação pôr fim às divergências que a matéria comporta. Por isso, vale ressaltar, que na caracterização dos contratos internacionais, surgiram na doutrina francesa duas correntes: a econômica e a jurídica.

Segundo a corrente econômica considera-se como internacional aquele contrato que simplesmente possibilita um duplo trânsito de bens ou valores, do país para o exterior ou vice-versa. Mais abrangente que a primeira, a corrente jurídica atribui como critérios para caracterização dos contratos internacionais a existência, nos mesmos, de algum “elemento de estraneidade”, ou seja, não natural ao país onde esteja sendo celebrado, que pode ser o domicílio das partes, o local da execução de seu objeto ou outro equivalente, sendo essa a linha de pensamento que prevalece no Brasil quando se trata do assunto em questão.

Para Irineu Strenger:

“ ...são contratos internacionais do comércio todas as manifestações bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de Direito aplicável.” [1]

 

Então, tomando-se por base a corrente jurídica, o contrato é visto como internacional se devido aos atos que dizem respeito à sua conclusão ou execução, à situação da nacionalidade ou domicílio das partes ou ainda à localização de seu objeto, faz-se com que haja nele conexão[2] com mais de um sistema jurídico, sendo justamente esse o fator que servirá como divisor de águas para classificar-se, numa relação jurídica, estar-se diante ou não de um contrato internacional, pois quando naquela houver contato somente com um sistema jurídico ter-se-á, nesse caso, a caracterização de um contrato nacional.

 

1.1 Princípios

 

Há entendimentos, acerca dos princípios de Direito Contratual Internacional, onde se acredita serem os mesmos normas fundamentais que regem as transações internacionais e que possuem uma hegemonia sobre as leis de Direito Internacional aplicáveis, sendo estas somente utilizadas de forma subsidiária. Nádia de Araújo diz que: “sem uma uniformização jurídica não se pode fazer a integração econômica ou política, pois é preciso garantir aos atores desse processo uma base normativa com regras comuns, especialmente as regras conflituais de Direito Internacional Privado.”[3]

No entanto, na visão de José Afonso da Silva, princípios não são normas, mas sim,

“... preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.”[4]

 

Uma vez que, ainda para este mesmo autor, os princípios são, “ordenações que se irradicam e imantam os sistemas de normas, são [...] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”. [5] Então, por esse prisma, há que se entender a norma como sendo a reguladora das situações jurídicas, enquanto que os princípios seriam os valores, os bens que aquelas visão proteger, resguardar ou apreciar.

Mas, apesar desse entendimento ser apresentado sob um ângulo constitucionalista, não se pode deixar de verificar sua aplicabilidade frente às relações internacionais, apesar de com algumas merecidas ressalvas, principalmente no que tange ao mundo dos contratos internacionais, onde pouco há em termos de normas que possam atuar como fator regulamentador entre os contratantes. Pois, o fato de existirem poucas normas não quer dizer também que poucos princípios são aplicáveis às obrigações contratuais entre partes alienígenas, pelo contrário, são os próprios princípios que tendem a conduzir os contratantes, seja orientando-os, dirimindo suas dúvidas, ou até mesmo vindo a regulamentar situações em que a completa ausência de um ordenamento jurídico próprio pode vir a tornar insegura a obrigação contratada.

Então, pelas razões já expostas, entende-se que alguns princípios terão uma especial importância por serem responsáveis por regerem os contratos internacionais, pois àqueles, enquanto ausentes às normas reguladoras, serão a principal base jurídica orientadora de tais negócios.

 Sem dúvida, o principal princípio do Direito Contratual Internacional é o da autonomia da vontade, ele é o responsável pela regulação e estruturação do conteúdo dos contratos, abrangendo com quem e sobre o que contratar, permitindo ainda, a escolha da lei a ser aplicada quando de uma provável e futura lide. No entanto, a essa vontade das partes, existe um limite imposto através da supremacia da ordem pública, o qual também vem a ser um princípio basilar do Direito Contratual Internacional devendo prevalecer em todos os casos, tendo em vista que a liberdade de manipulação de uma relação jurídica deve sempre está atrelada a limites que não permitam uma anarquia no campo contratual.   

 

Como bem nos explica Strenger, que apesar de reconhecer a alta receptividade da autonomia da vontade entre os contratualistas do comércio internacional, salienta que ela não é ilimitada. “Entre os elementos limitadores da vontade, colocam-se as leis imperativas internas do território no qual o contrato deve ser executado, e as regras de ordem pública.”[6]

A convenção entre as partes oriunda do princípio pacta sunt servanda, é outro princípio que surge quase que como uma imposição nos contratos internacionais, uma vez que visa à necessidade de segurança nos negócios jurídicos, quer sejam eles de direito interno ou internacional. Mas, apesar de ter este princípio um conteúdo intangível e que faz lei entre as partes, poderá ele ser relativizado quando da ocorrência de caso fortuito ou situação de força maior que venha a impedir execução do contrato, porém essa relativização nunca se dará em face de decisão unilateral das partes.

Outro princípio de suma importância e que atualmente está em voga, devido à impessoalidade das relações jurídicas internas e internacionais modernas é o princípio da Boa-fé. Presume-se que as partes procederam com lealdade e confiança recíprocas na intenção de contratar (boa-fé subjetiva), assim como se exige que as mesmas atuem segundo determinados padrões (boa-fé objetiva).

 

1.2 Foro e Jurisdição

 

Partindo-se do entendimento de que contrato internacional é aquele em que as partes ou o objeto contratado se vincula a mais de um ordenamento jurídico, torna-se evidente a necessidade de se estabelecer no contrato internacional as cláusulas relativas ao foro do contrato. Para Strenger,

“Os contratos internacionais de comércio, em poucas hipóteses, têm dispensado a chamada cláusula atributiva de jurisdição. Trata-se de parte fundamental, não só na fase das negociações, como da conclusão dos contratos. Um contrato internacional, que seja omisso nesse particular, é falho e sujeito a severos contratempos, principalmente porque, na prática, o problema jurisdicional tem estimulado múltiplas controvérsias.”[7]

 

Faz-se muito importante atentar-se ao foro na realização do contrato, pois eventuais omissões ou dualidades a respeito podem vir a causar sérios danos aos contratantes, até a rescisão, resilição ou mesmo a inexecução contratual e, provavelmente, a ruptura nas relações comerciais.

Então, quando se tratar de um litígio internacional a primeira questão que deve ser resolvida pelos juristas é a determinação do local onde deverá ser proposta a ação, pois nesses litígios quando não existirem regras internacionais que venham a determinar a competência jurisdicional internacional, todos os países envolvidos na contenda poderão argumentar conjuntamente ter competência sobre o mesmo. Então, poderá o jurista decidir qual a jurisdição internacional que mais se adequa ao seu cliente, cabendo a solução final ao juiz do local onde o autor propôs a ação, onde aquele decidirá a sua jurisdição internacional com base nas normas processuais internacionais de seu país. 

            A questão da determinação da jurisdição consiste apenas na necessidade de descobrir se um tribunal de país soberano qualquer pode julgar disputas que envolvam ou afetem pessoas, território, interesses ou leis de um outro país soberano.

 

1.3 Escolha da Lei Aplicável

 

Após a determinação da jurisdição internacional pode-se então, determinar-se a lei a ser aplicada à lide em questão, a lei aplicável pode ser a nacional ou a estrangeira, caberá ao jurista de acordo com a lei indicada conhecer o conteúdo da lei e a razão desta aplicação para resolução da lide. Porém, antes que se venha a recorrer à jurisdição internacional, é importante verificar-se qual jurisdição traria maior benefício para o seu cliente, uma vez que a determinação da jurisdição internacional é o que definirá o destino do litígio internacional em virtude da aplicação da lex fori, que é a lei do local onde corre a ação judicial, para indicação da lei aplicável.

 

2. ASPECTOS DESTACADOS DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

 

O autor Luis Henrique Ventura destaca alguns aspectos que considera como sendo tanto particulares como diferenciadores desses contratos em relação aos nacionais, dentre eles têm-se: o alcance, a submissão, a arbitragem, o idioma, a lei aplicável, a jurisdição e foros competentes, registro.

De acordo com o referido autor, os contratos internacionais seriam, quanto ao alcance, extraterritoriais; quanto à submissão, submissos, uma vez que alguém na relação, bem como o próprio contrato deverá se submeter a uma lei estrangeira. Menciona ainda, a arbitragem por esta ser usual nesses tipos de negócios, já o idioma, por ser praxe, cita o uso do inglês, mas ressalta que qualquer outro pode ser utilizado. Ao referir-se à lei a ser aplicada, nos diz que diferentemente dos contratos nacionais, existe a possibilidade de que as partes escolham a que melhor lhes aprouver, isso ocorre exatamente pelo fato de inexistir um regime jurídico próprio e especial para os contratos internacionais. Da mesma forma, é possível que as partes elejam a jurisdição e o foro competente para dirimir qualquer dúvida, não ficando restritas aos limites territoriais impostos aos contratos nacionais. Por fim, quanto ao registro, é importante salientar a necessidade do mesmo em relação ao contrato, o qual deverá está registrado no segundo país, para que tenha validade nele, ou seja, é necessário que o contrato seja consularizado, algo equivalente ao registro no cartório de títulos e documentos. Mas, isso não é regra absoluta de validade, mas sim garantia de segurança aos negociantes que, diligentes para o cumprimento do contrato, exigem esse registro para segurança em futura discussão judicial ou arbitral.

 

3. ARBITRAGEM

 

 Tendo em vista a inexistência de um tribunal internacional específico para dirimirem-se as lides dos contratos internacionais, às partes envolvidas optaram por utilizar a arbitragem, através da qual conseguem, via de regra, resolver de maneira rápida e com baixos custos os problemas e discussões relativas aos contratos.

 STRENGER salienta que “arbitragem é técnica que visa a dar solução de questão interessando às relações entre duas ou várias pessoas, por uma ou mais pessoas [...] as quais têm poderes resultantes de convenção privada e estatuem, na base dessa convenção, sem estar investidos dessa missão pelo Estado.”[8]

Portanto, a arbitragem refere-se a um acordo, um compromisso firmado entre as partes sob o qual se determina que caso venha ocorrer à inexecução da obrigação contratada, ambas se submetem a solucioná-lo através de um juízo arbitral pré-estabelecido. Em termos internacionais, é pela arbitragem que se decidem o maior número de lides, o que evidencia o sucesso da mesma em termos internacionais.

             Por fim, destaca-se que a arbitragem, na esteira da própria teoria dos contratos internacionais, bem como da teoria processual de forma geral, orienta-se por princípios básicos. Segundo nos explica o autor Antonio Carlos Amaral, tais princípios seriam: autonomia da vontade, boa-fé, devido processo legal, imparcialidade, livre convencimento do árbitro, motivação da sentença arbitral, autonomia da lei arbitral ou cláusula compromissória, e princípio da competência.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conforme pôde ser observado ao longo desse trabalho, há pouco ou quase nenhum alinhamento entre os contratos internacionais e os nacionais, isso ocorre devido ao fato de inexistir no cenário internacional uma legislação específica que venha a regulamentar de forma uma sua confecção.

 Portanto, quando se fala em celebração de contrato internacional, há que se observar a interpretação dos princípios internacionais, os costumes e até a própria cultura dos contratantes, uma vez que devido à escassez de normas que possam vir a orientar essa relação jurídica aqueles terão importante papel quando da necessidade de se vir solucionar um possível conflito.

 

  BIBLIOGRAFIA

 

AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Direito do comércio internacional: aspectos fundamentais. São Paulo: Aduaneiras, 2004.

ARAÚJO, Nádia de. Contratos Internacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2003.

VENTURA, Luis Henrique. Contratos internacionais empresariais: teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

 

* Artigo apresentado ao curso de Direito, na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, para obtenção de 2ª nota da disciplina Contratos Comerciais.

** Alunas do 4º período, do Curso de Direito noturno, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[1] STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2003. p. 84.

[2] ARAÚJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 2 ed. Rio de

Janeiro: Renovar, 2004. p. 318.

[3] _____________. Contratos Internacionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

 

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 91.

[5] ________________. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 92.

[6] STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2003. p.97.

[7]________________. Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2003. p.237.

[8] STRENGER, Irineu. Direito Internacional Privado. São Paulo: Ltr, 2003. p 196.