Crônica

                          NEGÓCIO PRÓPRIO

                                         Edevaldo Leal

                           Estava eu na fila do banco esperando a minha vez para dirigir-me ao caixa. A mulher ao meu lado puxou conversa.

                               — Qual o número da sua senha?

                          — Seiscentos e quarenta — É preferencial, acrescentei, sem medo de esconder a idade.

                            Ela olhou para a minha senha.

                        —  Ah, o senhor vai para o caixa. Eu vou para o empréstimo. As senhas são diferentes. Pensei que, se eu lhe desse a minha, pudesse ajudar.

                         — Me dar a sua senha para ajudar? — Perguntei, sem entender.

                       —  Estou cansada de esperar e vou embora para voltar mais cedo no outro dia — explicou e mostrou o número da senha que trazia apertada entre os dedos da mão esquerda:970.

                         Ela ainda teria que esperar quarenta  pessoas  serem atendidas até chegar a sua vez; eu, apenas quinze. Levaria menos tempo se o caixa não demorasse, às vezes, até vinte minutos ou mais para  atender uma única pessoa. Alguns clientes são verdadeiros despachantes: por alguns trocados resolvem os problemas bancários deles e de outros, que nem se dão ao trabalho de ir ao banco . Por que ir, se estão pagando pelo serviço?

                        A mulher ao meu lado tinha um sonho: queria ter o próprio negócio. Não deixaria o emprego público de dois salários mínimos pelo menos até enquanto o negócio não lhe rendesse um fixo mensal superior ao que recebia como funcionária. E fez uma revelação: deu-se a si mesma o prazo de um mês para inaugurar uma lanchonete .Aproveitaria a irmã como sócia, excelente cozinheira, mas por enquanto sem empego.

                       A conversa ia ficar por aí, não fora algo dentro de mim pedir-me que fizesse uma boa ação naquela hora .Então desenrolei o fio de algumas noções sobre negócios que todo candidato a empresário precisa saber,porém sempre de olho no telão, para não perder de vista a sequencia lenta das senhas. Lembrei-lhe da necessidade de planejamento ,discorri sobre a importância de conhecer o produto ou serviço a ser oferecido , o público alvo, a  concorrência, a escolha do ponto comercial e fiz-lhe uma pergunta, sugerindo que  refletisse e respondesse para si mesma até o retorno ao banco , se houvesse retorno.

                      — O que é melhor: tomar emprestado esse dinheiro e começar o negócio já com uma dívida, ou adiar o projeto, economizar e poupar até juntar capital financeiro enquanto planeja, estuda a concorrência e se qualifica para enfrentar o mercado em cursos como os oferecidos pelo Sebrae ?

                      Para testar-lhe o nível de conhecimento , fiz  outra pergunta e lhe disse que, ao contrário da anterior,  teria que responder logo, sem muito tempo para pensar:

                     — Qual a diferença entre começar um negócio com uma pequena lanchonete e abrir um restaurante  para paladares refinados?

                   —  A diferença é muito grande — respondeu-me, demonstrando segurança.

                   —  Não existe diferença. Em qualquer negócio os cuidados a serem tomados são os mesmos quanto à identificação das oportunidades , à escolha do ponto comercial ,à observação atenta da concorrência,  a resposta às expectativas dos clientes,  ao conhecimento do produto ou serviço e ao planejamento — redargui, desapontando-a. Aliás, sem planejamento financeiro adequado é melhor nem começar, porque todo negócio — pequeno, médio ou grande — tem custos fixos e variáveis. Sem avaliação da viabilidade financeira o negócio morre de morte prematura .Abrir um negócio sem planejar é como tentar cruzar o oceano sem bússola :  não se chega a lugar nenhum. O plano de negócios  é o solo firme da construção do sonho;  o plano de marketing,  a segurança contra  tempestades a que bem poucas empresas resistem.

                      Mas não é só. Ultrapassada a fase de implantação , é preciso fazer o negócio gerar lucro, um ponto delicado que requer cuidadosa atenção a outros detalhes , como a qualidade do produto ou serviço , garantia, pontualidade, ambiente organizado, limpo e agradável , excelência na relação com o cliente e divulgação inteligente. Nem uma empresa sobrevive por muito tempo sem cultivar esses detalhes. Que empresa pode prosperar, se não se apresenta regularmente ao seu público ou se o que  divulga vai deixar o cliente frustrado lá na frente ? Dê ao cliente a garantia da qualidade, atendimento inesquecível  e solução rápida para o que ele  busca e sua empresa será forte candidata a ficar ao lado das que nasceram para durar.

                    Para ser empresário — continuei — é preciso mover-se em  uma onda  de coragem permanente e nutrir-se com o entusiasmo dos otimistas. É difícil ser empresário no Brasil, uma profissão de risco num país  que deveria criar programas de estímulo  à iniciação empresarial , a começar pelo ensino obrigatório de disciplina específica de empreendedorismo nas escolas públicas e privadas. Aquele leão do imposto de renda é real .A carga tributária praticada no país é quase insuportável. Embora não seja a única razão da morte prematura das empresas ( 80% morrem até o 5º ano de funcionamento, segundo pesquisa do Sebrae) ,é um dos principais motivos.

                    — Seus clientes — acrescentei — devem ser tratados de forma especial , se quiser que eles lembrem de sua empresa. Ofereça-lhes, de quando em quando, um mimo, um agrado , um tratamento surpreendente e eles voltarão. Treine seus funcionários para oferecer aos clientes experiências inesquecíveis e sua empresa terá clientes fiéis. Trate seus empregados com a mesma importância com que trata um membro da família e eles encantarão os clientes.

                  Ainda ia falar sobre a importância da fé como requisito fundamental para o êxito nos negócios, mas o aviso na tela indicava que a próxima senha era a minha. Fiz-lhe, então, a última  pergunta:

                 — A lanchonete já tem nome ?

                 — Milagre de Deus! — exclamou, confiante.

                 — Despedi-me e saí, não sem me dar conta de que a fé salvaria aquela mulher do fracasso.

                                                Ananindeua PA, 21 de janeiro de 2013.