Natal, etc.

Pode parecer que perdi a esperança e a fé no ser humano.

Mas não é só isso. É que me parece contraproducente enfrentar o “monstro sist” (como cantou Raul Seixas) que tem garras afiada e dentes impregnados com o veneno mortal do consumo, usando somente um canivete amolado na pedra crítica da consciência.

Por isso não mais atacarei o monstro sist do capital. Vou apenas desafiar aquele ser  amorfo e despersonalizado que responde pelo apelido de cristão, mas que deveria ser meu parceiro de luta. Não necessariamente luta contra o poder do capital, pois se assim fosse nos chamariam de socialistas. Não que isso fosse uma ofensa, pois na essência o socialismo é mais cristão do que muitos cristãos.

Por isso começo apelando. Na bíblia – e o pseudo cristão gosta de se fundamentar na bíblia – os primeiros cristãos receberam esse apelido porque faziam algo que desconcertava a sociedade da época: viviam a radicalidade dos ensinamentos de Jesus. Naquela comunidade idealizada os seguidores de Cristo – os primeiros cristãos – praticavam a caridade, a fraternidade e o amor ao ponto de incomodar sociedade. E, em virtude dessa sua loucura, receberam o apelido de cristãos. E a fé cristã virou cristianismo.

Os séculos passaram e aquela denominação (cristãos) que nasceu como um deboche diante da profundidade, da verdade e da utopia de um grupo de seguidores e praticantes de uma ideia, de uma filosofia de vida, de uma nova postura em sociedade... criaram uma religião: o cristianismo. E o cristianismo inventou o Natal.

Num primeiro momento o Natal foi apenas isso: uma celebração religiosa festiva, pois era a festa do nascimento de Jesus; uma celebração da esperançosa, pois com o nascimento de Jesus, o Cristo de Nazaré, passava-se a ter certeza de que Deus ainda tinha fé na humanidade. Mas os séculos passaram e o Natal se complexificou. E virou isso que está aí: uma festa de aniversário onde o aniversariante é o que menos importa.

Como o aniversariante não tem espaço em sua festa de aniversário a festa perdeu o rumo. Daí que as pessoas passam a enviar mensagens de Natal. Dar presentes de Natal. Fazer ceia de Natal. Lembrando que para tudo isso se depende de dinheiro.

E assim as coisas se tornaram mais complexas e distantes do seu sentido original. Chegamos ao ponto de nos distanciarmos tanto do espírito do Natal que em algumas mensagens se fala no desejo de que seja “Natal todo dia”. Ou seja, vivemos tão longe do espírito do Natal que quando ele chega ficamos tão envolvidos com esse clima de amor e fraternidade que nos damos conta de que esse clima deveria acontecer todos os dias.

Mas aí vem o gaiato e diz: “se fosse natal todo dia tudo seria bom e a gente ficaria esperando o dia que não fosse natal”. Não que não queiramos amor e paz todo dia, o que não queremos é ter as despesas de Natal todo dia. Pois foi nisso que se tornou o natal: Não uma festa de paz, amor e felicidade, mas um dia de despesas. Natal deixou de ser festa do aniversário de Jesus, para se transformar em festa dedicada ao deus consumo. O que implica em despesas sem preocupação com o centro da mensagem cristã.

Pior de tudo: introduziu-se a figura ridícula do Papai Noel: um ser de ficção; de mentira; da propaganda. Um ser do consumo; que nega a essência do natal. E se o Papai Noel – ser de ficção – é usado como símbolo natalino, o que sobra para Jesus? Se uma empresa ou produto se valem do Papai Noel para valorizar aquilo que oferecem, significa que estão confessando que esse produto ofertado não presta, é pura ficção, é de mentira. Empresa ou produto que afiançam sua publicidade com o Papai Noel estão confessando que a qualidade do produto oferecido é uma farsa, como farsa é o Papai Noel.

Pode parecer que perdi a esperança e a fé no ser humano. Mas não é só isso. A humanidade está perdendo o rumo. E o pior é que aqueles que se apelidam de cristãos estão deixado tudo isso acontecer.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, Filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO