Não haverá invasão na Síria 

Autor: Jefté Brandão Januário

            Já faz semanas que a comunidade internacional está dividida entre atacar ou não a Síria. Países como França, Arábia Saudita, Quatar, Israel (embora não manifeste abertamente uma ação militar), Reino Unido (embora o parlamento tenha vetado de primeira mão um ataque), Jordânia (de forma ambígua, pois não sabe de que forma uma ação militar no país vizinho vai respingar no seu reino), Turquia (que apoia também como uma forma de acelerar a sua adesão ao bloco da União Européia)  e é claro, o próprio EUA, almejam por uma intervenção militar.

            Outros países como Rússia, China, Irã e Brasil são contra. Falando em Brasil, todos sabemos que o governo é antiestadunidense, muito antes do escândalo de espionagem vazar na mídia internacional, embora diplomaticamente o governo brasileiro não deixe transparecer isso. Isso de forma alguma deve ser visto como algo problemático. Na verdade, o Brasil quer apenas se desvencilhar de uma postura servil que por décadas é obrigada a tomar em relação aos norte americanos.

            O meu objetivo não é discutir aqui se foi o governo de Bashar al-Assad ou os rebeldes que usaram o gás sarin contra a sua população. Se um ou outro lado fizeram uso de armas químicas, isso pode ter explicação de ambos os lados. Se foram os rebeldes (que é composto de ex-militares que sabem manipular tais armamentos, e que sabem onde essas armas estão) que usaram o gás, fizeram-no com o objetivo de países estrangeiros intervir militarmente no país, e acabar com o governo vigente. Se foi o governo sírio que usou o gás, fez com o objetivo de acelerar a derrocada da resistência rebelde em seu território.

            Porém, o exército Sírio não é fraco. Embora a mídia ocidental venha de vez em quando usar imagens de tanques e soldados sírios sendo abatidos, isso só representa fatos isolados (das 14 províncias da Síria, só 6 é que estão rebeladas contra o governo de fato. São elas: Homs, Latakia, Aleppo, Hama, Tartus e uma parte de Damasco). Se for somada o total do contingente militar sírio, teremos 325 mil homens - divididos entre Exército, Marinha e Aeronáutica -. 110 mil deles estariam no Exército, 5 mil na Marinha e 27 mil na Força Aérea. Fora o efetivo que compõem as forças paramilitares, e da defesa aérea.[1]

            Durante dez anos, entre 2000 e 2010, o governo sírio foi o sétimo comprador de armamentos da Rússia. Essa parceria militar Moscou/Damasco, movimentou mas de 1 bilhão de dólares. Esse gasto significou não somente compras de armamentos, mas a modernização dos recursos de defesa da Síria. Sobre essa parceria entre Síria e Rússia, ela se estende desde os tempos da Guerra Fria, quando quem governava a Síria era Hafez al-Assad o pai do atual presidente.

            Durante os anos acima citados, a Rússia modernizou a velha frota de tanques sírios T-72 e forneceu 24 novos caças MIG-29 de combate, bem como fornecimento de uma gama de mísseis antiaéreos, mísseis anti-tanque e pequenas embarcações. Em maio desse ano, 2013, a Síria recebeu por parte da Rússia um lote de mísseis S-300, provocando a reação indignada de certos países, que reclamavam sanções contra o governo sírio.[2] Uma invasão na Síria significaria a derrubada do atual governo, e o fim de um lucrativo comércio bélico para a Rússia. Ainda perdura entre os dois países negociações para uma compra de 3,5 bilhões de dólares em armas russas. Nesse contrato está previsto a venda por parte do governo de Moscou de dois submarinos diesel-elétricos, mais caças MIG-29, mísseis móveis Iskander -E, modernos tanques T-90 e várias outras armas, incluindo navios de superfície e helicópteros.

            Sutilmente o príncipe Bandar ben Sultan, da Arábia Saudita, tentou abduzir o presidente Russo Vladimir Putin a negar apoio a Síria, e em troca o governo saudita compraria armamentos russos no valor de 15 bilhões de dólares. Porém, isso não fará o governo russo mudar de lado. O que está envolvido na Síria não é só a permanência de Assad no poder. Está envolvido a base militar da marinha russa em Tartus, litoral sírio, um dos locais de combate entre as forças leais ao governo e os rebeldes sírios. Um novo governo na Síria pode significar o fim dessa base naval russa, que é ponto estratégico no mediterrâneo. Não há preço que pague a perda dessa base.

            Assim como Israel hoje é o símbolo do trinfo norte americano no pós Guerra Fria, a Síria também o é para a Rússia. A Síria é o único bastião que sobrou da ex União Soviética no Oriente Médio. Os outros países como Egito e Jordânia, fiéis parceiros do governo soviético na região, passaram para o lado americano em meados da década de 1980. Isso explica não só a preocupação da Rússia em salvaguardar a integridade territorial do seu mais fiel aliado, como a forte adesão do Irã e do Hezbollah  em preservar o status quo do governo sírio.

            Um outro motivo pelo qual a Síria não será invadida, não é só pela proteção que recebe da Rússia (por motivos comerciais e estratégicos, como já discuti), mas por ela ter mesmo as armas químicas. Coitado daqueles que pensam que a Síria vai entregar os seus arsenais químicos para a comunidade internacional, como está sendo veiculado na imprensa. A Síria adquiriu essas armas primeiro com o Egito, que tinha adquirido essas armas químicas com os britânicos, após estes saírem do Egito após o término da Segunda Guerra Mundial. Os egípcios usaram essas armas na guerra civil do Iêmem em 1960, quando o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser enviou o seu exército para apoiar os republicanos daquele país, contra os monarquistas apoiados pela Arábia Saudita. A partir de 1970, os egípcios foram abastecidos pela União Soviética. Até hoje, mas de forma discreta, o governo Egípcio tem agentes químicos do gás mostarda VX.[3]

            A partir de meados de 1980, a Síria já dispunha de suas próprias usinas de produção de agentes químicos - cinco centros enterrados perto de Damasco, de Hama e de Alepo - . Os sírios dominam, graças a ajuda dada pelos antigos cientistas soviéticos, a fabricação do agente químico VX.[4] Mas por que a Síria e Egito, países de peso do Oriente Médio, tem essas armas químicas? "Nem o Egito, nem a Síria assinaram a convenção de 1993, proibindo as armas químicas. Uma recusa que é justificada em Damasco e também no Cairo por esta outra ameaça: a bomba atômica israelense. Os egípcios e sírios concordam nesse ponto, declara Jean François Daguzan, pesquisador  do CREST [ Centro de pesquisas e Estudos sobre as Estratégias e as Tecnologias]. Eles não querem se privar de um armamento que possa lhes permitir aproximar-se do equilíbrio com Israel. Tanto um quanto o outro buscam uma negociação global sobre todas as armas de destruição em massa na região".[5] Tecnicamente a Síria e Israel estão em guerra, devido a tomada das Colinas de Golã, que pertencem a Síria, por Israel em 1967 na Guerra dos seis dias.

            Israel não só possui a bomba atômica, como domina a produção de gás mostarda e gás neurotóxico nos centros de pesquisa em Dimona e Neguev. Os EUA sabem que invadindo a Síria, o governo de Assad pode mandar mísseis com armas químicas para Israel. Israel nesse caso veria a necessidade de atacar a Síria. Por outro lado, a Rússia poderia se ver na obrigação de entrar no conflito para proteger o governo de Assad. Enfim, estaríamos perto de presenciar um grande conflito. Se pensarmos bem, a Guerra Fria só deu uma pausa.

            Mesmo que a Síria entregue as armas químicas que estão sob controle do governo, elas não representarão a totalidade delas. O governo sírio ficará com uma pequena parte considerável para se proteger. Por que eu digo isso? Em 2009, Barack Obama e o então presidente Russo Dmitry Medvedev, assinaram uma declaração para redução de armas nucleares. De mais de duas mil armas nucleares que ambos possuíam, eles ficariam limitados a aproximadamente mil ogivas atômicas. [6] Isso significou uma diminuição de 30% no arsenal atômico dos dois países.[7] Porém, essas ogivas não foram destruídas, mas sim armazenadas em outros locais nos seus respectivos países.

            A Síria seguirá com a mesma lógica. O que os Estados Unidos conseguirão com a rodada de negociações que está havendo entre o Secretário de Estado norte americano John Kerry e o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, será no máximo mais uma rodada de sanções contra a Síria.

            Porém, como a política é uma caixa de surpresa (e as vezes uma caixa de pandora), podemos nos surpreender com aquilo que ela nos reserva. Enquanto isso, infelizmente mais vítimas inocentes morrerão nesse conflito.

           

 

 [3] DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime iraquiano / Patrick Denaud; entrevistas com Tarek Aziz. Rio de Janeiro. Qualitymark, 2003. p.96-97.

[4] DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime iraquiano / Patrick Denaud; entrevistas com Tarek Aziz. Rio de Janeiro. Qualitymark, 2003. p.96-97.

 [5] Vicente Hugueux, L'Express. Apud. DENAUD, Patrick. Iraque, a guerra permanente: a posição do regime iraquiano / Patrick Denaud; entrevistas com Tarek Aziz. Rio de Janeiro. Qualitymark, 2003. p.96-97.