Não foi para isso

 

Quando Thomas Hobbes escreveu que o Estado é um monstro (Leviatã); quando disse que na sociedade existe uma “guerra de todos contra todos”; quando disse que o “homem é o lobo do homem”, seus contemporâneos disseram que ele estava exagerando, que ele estava enganado. Disseram que nem tudo estava perdido.

Mas os que o contestaram estavam enganados e Hobbes estava certo. E hoje, mais do que nunca, podemos constatar que ele não se enganou: o homem é um ser monstruoso e produziu um monstro ao criar a entidade chamada Estado.

O homem é monstruoso porque se satisfaz e se sente feliz na medida em que provoca o sofrimento e a dor dos outros. Aliás, essa afirmação hobbesiana foi reformulada por Nietzsche, no livro “Genealogia da Moral”, ao dizer que “ver sofrer faz bem; fazer sofrer, melhor ainda”. E o ser humano se diverte com a dor alheia; tira vantagem do sofrimento dos outros (note que algumas das profissões mais rendosas são aquelas que os profissionais exploram a dor, o sofrimento ou a desgraça dos outros. Médicos e advogados ganham mais na medida em que seus clientes estão em situação debilitada).

Porque o Estado é um monstro? Por ser criação humana e porque o homem o produziu não em situação de felicidade e tranquilidade, mas justamente porque havia problemas na sociedade. O Estado (e toda a máquina pública) nasceu, portanto, para encaminhar soluções de problemas que atingiam a população. Entretanto não se tratava de uma solução que satisfazia à população atingida pelo problema, mas privilegiava aqueles que haviam encaminhado a solução. Por esse motivo, para existir Estado tem que existir um grupo de privilegiados que conduzirão as ações desse estado.

Esse grupo de privilegiado tanto pode se alojar no sistema executivo como no legislativo. E as pessoas que estão subordinadas ao Estado, na esperança de verem seus problemas solucionados, votam delegando poderes a esse grupo de privilegiados. Só que, ao receberem os poderes dos eleitores, os privilegiados se apropriam desse poder como se isso fosse o supremo bem. E agem pelo bem não de quem os elegeu, mas em nome de interesses particulares ou corporativos.

Exemplo típico e vergonhoso, dessa situação é o que seguidamente ocorre no Congresso Nacional. Uns gatos malhados, dizendo que representam ao povo, tomam atitudes que nos levam a, cada vez mais, desacreditar e desmerecer aquela “casa de leis”. Leis que nos lesam seguidamente... e seguidamente deputados e senadores fazem aquela palavra que começa com “ca” e termina com “gada” contra a expectativa popular. Só um exemplo: Renan Calheiros “vergonhosamente absolvido” pelo congresso (em setembro de 2007), nos últimos dias se postou de “paladino” da decência depois que Natan Donadon (agosto de 2013) também foi absolvido. O senador que se beneficiou do voto secreto, em entrevista sobre o deputado beneficiado pelo mesmo sistema deu entrevista dizendo que é necessário mudar o voto secreto do congresso para um sistema aberto.

Outra situação que pede posicionamento popular refere-se aos médicos estrangeiros. Inúmeros médicos se concentram nos grandes centros urbanos; vários deles fazem as mais absurdas lambaças; não são poucos os negligentes e mercenários... enquanto nas periferias e nas regiões distantes o povo morre sem assistência médica. E quando alguns médicos de outros países aceitam prestar serviço em nosso país ocorre um alarido de esbravejamento e outros siricoticos entre os médicos brasileiros... que continuam sem prestar atendimento ao povo que necessita. Os mesmos que não adentram as brenhas sangrentas e sofridas do Brasil. Se os médicos daqui fizessem o que em sua formatura juraram fazer, não precisaríamos dos médicos de lá. Então se há médicos fazendo passeata contra a “importação” de profissionais da saúde, façamos passeatas contra a negligência de médicos que matam nossos concidadãos.

Veja o que é pior. Sabia que dá cadeia e multa cortar uma árvore. No trânsito dá multa grave transportar criança sem a devida cadeirinha. Também é grave a infração da não utilização do cinto de segurança. É crime ambiental, inafiançável, o ato de matar um animal silvestre. Mas, veja o absurdo: os condenados do mensalão arrastaram recursos e artimanhas e brechas na lei para adiar sua punição... tudo dentro da lei. O congresso absolve Donadon, mesmo o deputado estando preso em regime fechado (ou seja, os que o absolveram são mais bandidos do que ele!)... e vários outros absurdos como usar as legítimas manifestações de indignação como pretexto para prender inocentes... ou alguns policiais espancarem os prisioneiros depois de algemá-los...

Mas o pior de todos os absurdos é que nós, a população deste “gigante pela própria natureza” continuarmos a eleger aqueles que zombam de nós. A indignação fez o gigante adormecido se movimentar em seu “berço esplêndido”.

Entretanto só passeatas não resolvem os problemas. É necessário sair da indignação para a ação, afinal não foi para nos fazer de bobos que os elegemos. E, se estamos numa guerra, precisamos nos organizar contra esse inimigo que já está organizado e usa a lei contra nós... e não foi para isso que os elegemos!

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO