Não é o que será.

 

Quem gosta de filosofia vai me entender e não ficará desconcertado com a afirmação do ser.

Entretanto não vamos comentar o ser como o entendia Heráclito dizendo que “o ser é e o não ser não é”. Estaremos mais próximos da perspectiva de Parmênides, dizendo que tudo flui, por esse motivo é “impossível ao homem banhar-se duas vezes no mesmo rio”. Não queremos fazer uma discussão da ontologia, mas fazer uma reflexão sobre o conhecimento. Seria isso uma epistemologia?

Não. Não se trata de uma reflexão do ponto de vista da filosofia sistemática. Vamos apenas brincar de entender o processo e a dinâmica do processo. Vamos nos divertir com o ato e a potência, de Aristóteles, mas sem nos prendermos a isso. Vamos apenas perceber que, se analisarmos bem cada realidade em sua dinâmica, veremos que estamos num mundo de aparências e, portanto, seremos levados a admitir de Platão tinha razão.

Procuremos, apenas, entender como podemos conhecer as coisas, as realidades, que agora vemos, mas que não eram a mesma coisa antes de ser o que são, nem serão, no futuro, o mesmo que são agora. Assim sendo, nos perguntamos: o que é aquilo que vemos?

Afinal de contas cada coisa, cada realidade, é o que é porque deixou de ser o que era, portanto não é mais o que já foi. Assim, por ter deixado de ser o que era passou a ser outra coisa, sendo o que é agora. Entretanto, por ser o que é atualmente, não sendo mais o que já foi, a coisa ou a realidade de que se fala ainda não é o que será. Mas quando se tornar o que pode ser, sendo o que será, deixará de ser o que é. Então voltamos a nos indagar: o que é aquilo que vemos? É o que é? É o que foi? É o que será?

Essa situação quase nunca é analisada pelas pessoas. De modo geral nós paramos no imediato sem nos ocuparmos em analisar ou verificar causas e consequências; sem entender o processo; sem nos determos em entender os mecanismos que fazem a coisa se apresentarem a nós como a vemos. Quase sempre nosso olhar sobre o objeto de nossa atenção estacionamos no óbvio, na realidade em sua atualidade, sem atentarmos para sua potencialidade. Esquecemos ou não nos damos conta de que as aparências podem ser apenas aparência. Ou seja, aparentemente isso é isso, mas na realidade é outra coisa e tem apenas uma aparência de ser o que parece ser, quando na verdade sua essência indica uma realidade que vai além do imediato, do ato, para indicar sua potencialidade.

Quer um exemplo?

Olhe para um fruto qualquer. Uma laranja, por exemplo.

Vemos a laranja, mas ela não é só isso, ou seja a laranja é laranja, mas se observarmos sua trajetória veremos que ela já foi uma semente, fez-se uma árvore e hoje é o fruto que chamamos de laranja. Mas essa laranja, só é laranja, só tem sentido de ser chamada ou vista como laranja por causa de sua finalidade: ser alimento. Então o que é a laranja? Uma semente que virou árvore e hoje é fruto que alimenta? Mas se ela é, neste momento, laranja, ainda não é alimento. E se ainda não é aquilo para o quê existe, não completou seu objetivo. Não é mais a semente, pois o que temos à nossa frente é a laranja; além do fato de que a semente só tem sentido de ser semente se transformar-se em árvore. Por isso é que se não tivesse existido a semente não haveria a laranja. Mas a laranja só tem sentido de ser o que é por ser o que será: alimento. Entretanto, ainda não é alimento, pois se já fosse alimento não seria mais laranja.

Então, o que agora é o que é, já foi algo diferente e, nessa dinâmica, ainda será algo diferente. Então não é o que será, nem é o que já foi. Mas sendo o que é potencializa-se para ser outra coisa.

Podemos dizer que a essência de cada coisa é possuir o potencial para vir a ser? Mas se sua essência é esse potencial, isso implica dizer que o que vemos não é a realidade em si mas apenas uma aparência do que pode ser e ainda não é. E, se não é o que é, como pode ser o que vemos? E como saber se será o que deve ser?

E se tudo é assim, como saber se cada coisa é o que é, pois sua essência é sua potencialidade e não o que aparece atualmente? Como resolver essa questão?

Primeiro sabendo que cada realidade é o que é porque sempre foi o processo. A laranja que se manifesta neste momento como fruto que se destina à alimentação, mas que só está aqui como fruto e alimento potencial porque antes foi semente e árvore.

Se não nos dermos conta do processo que produz e direciona a realidade atual para seu destino, nossa compreensão da realidade fica parcial, pois só veremos a aparência. E a aparência é uma convenção. Convencionamos que aquele fruto que ali vemos é uma laranja, não pela sua trajetória, mas porque é mais comodo chamá-la de laranja sem lhe descrever o processo de produção e destinação.

Por isso é que podemos dizer que estamos perdendo a capacidade de compreender a realidade não porque a realidade seja complexa, mas porque não nos damos do processo e estacionamos nas convenções. Vivemos e nos contentamos com as convenções sem mergulhar no dinamismo da realidade.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO