Na minha casa não havia livros.
Telas da natureza se via pela janela,
as portas eram de tramelas.

Um rio estreito passava, feito gente, todo dia, nos fundos da casa.
Todo dia não era a mesma água,
todo dia era a mesma gente.

O mar tão longe era.
O rio não subia, nem descia morros,
não virava cachoeira, não se alargava,
não se misturava, nem crescia,
acho que morria pelo caminho.

No bairro não havia escola,
depois madeiraram uma.
Bibliotecas na cidade não havia.

Não li livros,
nem senti seu cheiro,
nem deles fiz memorias.

Meu livro era um contador de estórias,
vindas de longe,
do fundo de sua cabeça,
ampliando-me toda.

Meu livro era uma árvore,
um bicho preguiça,
uma novena pra santo milagroso.

Meu livro era uma briga,
uma corrida de saco,
uma chuva salvadora,
um rio assoreado.

Meu livro era um cameleão,
uma troca de fantasia,
uma liberdade, um verso, uma vida.

Meu livro era cor de terra,
uma fruta proibida,
uma porta aberta para o nada.

Meu livro era uma frio,
uma neblina.