Na hipótese de omissão de socorro para atendimento médico hospitalar emergencial, quem deveria ser o verdadeiro sujeito ativo do crime?

Ana Beatriz Araújo Portela

Roberto Almeida Mendes Junior

Sumário: Introdução; 1 Definição de crime omissivo 1.1 Crimes omissivos próprios 1.2 crimes omissivos impróprios; 2 Localização dos sujeitos ativos e passivos; 3 Concurso de pessoas nos crimes omissivos 4 Obrigação solidaria de prestar socorro; 5 Sanção penal e causas de aumento de pena; 6 Anexo; Conclusão

RESUMO

Em um primeiro momento, define-se os crimes omissivos como sanção penal, procurando defini-la pelos parâmetros legislativos e doutrinários. Posteriormente percorre-se pelos sujeitos ativos e passivos da relação, inclusive explanando possíveis partícipes, procurando desta forma explanar os possíveis responsáveis pelo crime de omissão, propondo assim a sanção penal cabível a cada pessoa. Elucidou-se o caráter comissivo do crime de omissão estabelecido doutrinariamente, que propõe que em determinados caos a omissão de dá de forma comissiva, ou seja, por uma agir e não por um não agir. Trata-se também dos fatores de aumento de pena, explanando a relação do resultado e agravantes da pena.

 

PALAVRAS CHAVE: OMISSÃO. SUJEITOS. SANÇÃO. MAJORANTES. 

Introdução:

            A vida em sociedade pressupõe uma série de relações humanas, uma delas é a de ajudar, que muitas vezes é sustentada por uma força moral, mas que tem bastante apoio também no mundo jurídico. Mesmo havendo algumas vezes pontos de confluência entre a moral e o direito, não devemos contar somente com os aspectos morais de solidariedade, e assim, torna-se necessário a positivação de do que se chama de crime de omissão de socorro, e no trabalho a ser proposto discute-se principalmente nos casos de omissão de socorro oriundo do condicionamento de atendimento médico hospitalar emergencial.

Desta forma, presente paper versará sobre quem realmente é o sujeito ativo no crime previsto na lei nº 12.653/2012, que estabelece sanções para quem obstaculizar o atendimento médico emergencial, além disso, institui a obrigação da fixação de cartaz que indique a criminalização de tal atitude. Questiona-se sobre a licitude de punir quem cumpre com as formalidades requeridas pela própria empresa prestadora de serviço de saúde, levantando questionamentos de até onde quem atendeu ordens de outrem hierarquicamente superior, exigindo cheque caução, como norma obrigatória da empresa, se encaixa como sujeito ativo, na forma de concorrência de pessoas, neste novo crime.

Questiona-se a quem cabe a criminalização no ato de omissão de socorro, propondo estabelecer fatos e condutas que realmente possam servir de base para a mensuração da responsabilidade do crime. Portanto, sendo necessário discernir quem deverá responder pelo crime, se é o dir\etor do estabelecimento hospitalar ou o funcionário responsável pelo atendimento preliminar, faz-se uma analise de quem realmente feriu o bem jurídico vida, ou ainda, se caberá de pessoas nesse caso em especifico. Tratar-se-á da culpabilidade ou não do funcionário que realiza pre-atendimento administrativo, nos casos de cheque caução, responder como concorrência de pessoas nos crimes omissivos realizados a mando do diretor.

1. Definição de crime omissivo:

           

O crime de omissão de socorro previsto no art. 135, CP é uma crime oriundo de uma dever social, o dever de solidariedade. Pois uma sociedade para manter-se precisa da corroboração de seus integrantes, ou seja, quando se fala em direitos e deveres sociais, a correlação existente entre esses dois é imprescindível. O dever de um indivíduo é conexo a um direito garantido aos outros indivíduos. Rogério Greco trabalha de forma bastante coesa.

O fato de vivermos em sociedade implica em uma série de direitos e deveres de uns para com os outros. É melhor que seja assim. Mesmo que pensemos egoisticamente somente em nossos direitos, fato é que, em determinadas situações, seremos chamados a agir até mesmo contra a nossa vontade. Existe um dever maior, necessário não somente ao convívio social, mas à manutenção da própria sociedade em si, que é o dever de solidariedade. (GRECO, Rogério, 2007, p.357)

            Assim, prevendo que não é possível contar com a boa vontade de todo e qualquer cidadão, o legislador, antecipou-se e, previu o dever de solidariedade como norma penal. Norma esta que, por óbvio, gera uma sanção repressora àquele que se enquadrar no ato ilícito previsto.

            O art. 135, CP prevê o crime de omissão como uma falta de prestação de assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal. Ou seja, o constituinte não exige que ninguém coloque sua própria vida em risco para que preste socorro a outrem. Destarte, é punido quem devia e podia prestar a assistência mencionada no artigo em questão. Mirabete trabalha essa limitação em sua obra “Manual de direito Penal”, “o socorro que está obrigado o sujeito é somente aquele que, por sua capacidade e circunstâncias vigentes, lhe for possível prestar”. Tendo em vista tais restrições, é escusável aquele que comprova que colocar-se-ia em risco para ajudar um terceiro, e a categoria penal que o escusa da culpa é sem duvida a de estado de necessidade.

Omissão de socorro. Médico que ao não receber quantia cobrada abusivamente do enfermo, recusa-se a prestar-lhe assistência. Delito configurado. Condenação mantida. Pena de multa fixada excessivamente. Diminuição. Recurso provido parcialmente. (TJSC. Apelação crime 31.188. Rel. Genésio Nolli. Data do julgamento: 24/05/1994).

            É importante grifar, ainda Mirabete, quando diz: “limita-se a lei a excluir o dever de assistência quando se tratar de risco pessoal. Persiste o dever de agir no caso de risco a outro bem jurídico (patrimonial, moral etc.)”.

Nesse contexto, é possível distinguir o crime omissivo do comissivo: aquele deriva da violação de uma norma mandamental, preceptiva; este, por sua vez, da violação de uma norma proibitiva. Justamente por isso, o delito omissivo representa um impacto maior na liberdade do sujeito. (ABRÃO, Guilherme; RIEGER, Renata, 2010).

            Adiante, perceber-se-á uma subdivisão do crime de omissão de socorro, no quais os critérios para distinguir são resultado e tipo legal. Este delito subdivide-se em crime omissivo próprio e impróprio, o que, neste trabalho, se faz mister diferenciá-los mais afinco.

 

1.1.  Crimes omissivos próprios:

            Este delito acontece quando a omissão foi expressada no tipo penal, conforme a revista liberdades, em sua publicação “Crimes Omissivos: Estudos dogmáticos introdutórios” diz que “Compreende-se que os crimes omissivos próprios consistem na desobediência ao mandamento legal (aquilo que é imposto pela lei), independentemente de ocorrer o resultado”. São chamados de próprios ou puro porque são previstos em tipos penais específicos, como exemplo o crime de omissão de socorro previsto no Estatuto do Idoso, e o previsto no Código de Trânsito Brasileiro.

Para que o agente (médico) responda por tais crimes basta a abstenção da conduta devida (omissão do dever imposto normativamente), pois os crimes omissivos são de mera conduta, que independem de resultado para se consumar. Assim, “o resultado que eventualmente surgir dessa omissão será irrelevante para a consumação do crime”, podendo apenas configurar uma majorante ou uma qualificadora, quando houver previsão legal. (SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de, 2009, p.33)

            Se com a omissão de socorro, a vítima venha a falecer, o agente terá sua pena aumentada, mas caso não aconteça nada, ainda sim este responde pelo crime de omissão de socorro, pois este crime é considerado sem resultado, o crime é configurado pela mera conduta, mesmo que em nada altere, no mundo exterior, esta conduta.

1.2. Crimes omissivos impróprios:

            Em contrapartida ao já exposto, os crimes omissivos impróprios são crimes materiais, ou seja, exige o resultado para que haja a consumação do crime. O agente tem o dever de agir para evitar o resultado.  Essa modalidade do crime por omissão é também chamado de crime comissivo por omissão, pois por não terem um tipo penal próprio, uma vez que o art. 135 refere-se a crime omissivo próprio, adéquam-se ao tipo penal do crime comissivo. Juarez Tavarez, além elucidar melhor o crime omissivo impróprio, também o atribui outra nomenclatura para ambas as modalidades aqui dispostas.

 Diz-se, na verdade, que os crimes omissivos impróprios são crimes de omissão qualificada porque os sujeitos devem possuir uma qualidade específica, que não é inerente e nem existe nas pessoas em geral. O sujeito deve ter com a vítima uma vinculação de tal ordem, para a proteção de seus bens jurídicos, que o situe na qualidade de garantidor desses bens jurídicos. Portanto, a posição de garantidor é característica específica dos crimes omissivos impróprios, daí dizer-se que a omissão, no caso, é qualificada. (TAVAREZ, Juarez, 1996, p.65)

            Os crimes omissivos qualificados não estão tipificados na lei penal, o que determina o agente como garantidor é uma norma de extensão, um dispositivo diverso que alcança a esse crime, mas que em seu enunciado normativo só qualifica certo agente como garantidor dos bens jurídicos de terceiros. Rogério Greco trata rapidamente, desta norma de extensão, no trecho:

Ao contrário, os crimes omissivos impróprios não se encontram tipificados expressamente na lei penal. Na verdade, somente podemos visualizar o comportamento omissivo do agente no tipo penal em razão do fato de que a norma que transforma o agente em garantidor é considerada como norma de extensão, vale dizer, aquela que tem por finalidade ampliar a figura típica, a fim de que nela sejam abrangidos casos que ela não previu expressamente. (GRECO, Rogério, 2007, p.358)

           

Depois de analisado minuciosamente os conceitos jurídicos, partir-se-á para uma analise do caso específico do condicionamento do atendimento médico-hospitalar, incluído pela lei nº 12.653, de 2012.

Art. 135-A.  Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:  

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 

Parágrafo único.  A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte. 

           

Observando uma pratica recorrente dos hospitais em exigir uma garantia financeira para então prestar um serviço de saúde emergencial, que o legislador resolve tipificar penalmente tal conduto. Pois com a ocorrência da piora do quadro do paciente, inclusive a morte, devido a esta cobrança, não pode ser simplesmente aceita, tendo em vista que se trata da saúde/vida de alguém. Além disso, a tipificação penal serviu para que diminuísse o desrespeito a uma norma existente desde 2003, prevista na Resolução Normativa nº 44, de 24 de julho de 2003, da Agência Nacional de Saúde, que assegurava ao paciente que este podia receber o socorro necessário antes de se ater aos assuntos burocráticos.

Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.

            Como nem o Código Civil e nem o código de Defesa do Consumidor foi suficiente para repelir tal prática, em 2012 uma repressão a esse comportamento foi necessária. A numeração deste novo ilícito penal foi a 135-A devido a considerar-se omissão de socorro deixar de atender um paciente em estado emergencial por causa de cheque-caução ou outras garantias. Em verdade, o problema não se concentra em exigir caução, mas sim em omitir-se ou negar-se a prestar assistência à quem encontra-se em situação médico-hospitalar emergencial. Essa conduta nos remete ao dever de solidariedade já trabalhada, em que não devia sequer está tipificada, tendo em vista a boa-fé da sociedade. Entretanto, a história em seu decorrer já mostrou que a tipificação é imprescindível, pois o que ocorre é uma inversão de valores.

Aqui, devemos ressalvar que a instituição de saúde não está proibida de levar a efeito o preenchimento de tais formulários que, na verdade, deverão ser produzidos para que os dados fundamentais do pacientes sejam por ela conhecido. O que se proíbe, na verdade, é que se priorize esse ato burocrático em detrimento do socorro que deve ser imediatamente prestado. Uma vez atendido o paciente, ele próprio, ou as pessoas que lhe são próximas (amigos e familiares), devem cumprir essa obrigação administrativa. Percebe-se, com clareza, que o que se procura evitar é o agravamento da situação do paciente, que não pode esperar o cumprimento de exigências burocráticas para que venha, efetivamente, a ser atendido. (GRECO, Rogério, 2012)

2. Localização dos sujeitos ativos e passivos:

           

A priori, far-se-á uma analise do art. 135 no que tange os sujeitos envolvidos no delito, segundo Mirabete (2003), para depois adentrar-se ao 135-A, o caso específico estudado. O sujeito ativo no crime de omissão de socorro pode ser qualquer pessoa, independe de vinculo entre os sujeitos do delito. No geral, a pessoa mais próxima da vitima que necessita de auxilio é o sujeito ativo, mas outros doutrinadores ponderam que o ausente, se souber com precisão da seriedade em que se encontra a vitima e que sua intervenção é necessária, e se omitir também responde como sujeito ativo do crime previsto no art. 135. O autor também destaca que o art. 135 exige que o sujeito ativo não seja o próprio causador das lesões, se assim for, aquele em que cometeu as lesões e omitir-se a prestar socorro após, responderá apenas por lesão corporal, tentativa de homicídio ou homicídio, dependendo do que resultar sua ação.

            Rogério Greco (2007) complementa, a respeito do sujeito ativo delito de omissão ser comum, “podendo, portanto, ser praticado por qualquer pessoa  que não goze do status de garantidora, uma vez que, nesse caso, o agente teria que responder pelo resultado que devia e podia ter evitado”.

            Quanto ao sujeito passivo, na primeira premissa o legislador traz o seguinte sujeito, criança abandonada ou extraviada, toda via a divergência doutrinaria no entendimento de criança, tem uma corrente que adota critério objetivo, ou seja, criança é aquela que ainda não completou 12 anos, segundo o Estatuto da Criança e do adolescente; enquanto outra corrente posiciona-se a favor de critérios subjetivos, os quais criança, para efeito penal, será toda aquela que for incapaz de autodefesa.

            Em seguida, o disposto menciona a pessoa inválida, aquela pessoa que por cuja alguma debilidade, seja física ou psíquica, não dispõe de forças para dominar o perigo, e por fim menciona a pessoa ferida, ou seja, aquela que tenha sua integridade lesionada. Mirabete (2003) ressalva, “tem-se entendido que basta estar a pessoas em perigo, não sendo necessário que seja ela inválida ou ferida”.

            Partindo ao caso particular do art. 135-A, basearemos nos estudos de Rogério Greco (2012) para definir que nesse caso o sujeito ativo é qualquer pessoa que exija quaisquer garantia burocrática como condição obrigatória para o atendimento médico-hospitalar, pois este estar se omitindo a prestar o auxilio vital à saúde ou à vida de alguém em detrimento de valores financeiros. Normalmente, quem estipula essas condições para efeitos de atendimento é o diretor do estabelecimento de saúde, ou qualquer outro gestor que esteja à frente da administração. Conforme Greco, não é necessário que a pessoa exija ao enfermo o cheque-caução, nota promissória ou alguma garantia, basta que ele estipule essa norma em seu estabelecimento para que responda. No entanto, isso não significa que aquela pessoa que trabalha como recepcionista, e cumpre as ordens estipuladas pelo estabelecimento, não responderá pelo crime também, ao contrário, responderão por concurso de pessoas no crime de omissão de socorro, todavia, esse assunto será objeto de estudo mais a frente.

            O sujeito passivo, por sua vez, será aquele que necessita da prestação de auxílio imediato, e, no entanto, é lhe exigido submeter-se a uma burocracia administrativa.

        Sujeito passivo será tanto a vítima/paciente, que necessita do imediato atendimento médico-hospitalar, quanto aquele de quem, em virtude de alguma impossibilidade da vítima/paciente, foi exigida a entrega do cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. (GRECO, Rogério, 2012)

 

3. Concurso de pessoas nos crimes omissivos:

 

            A obrigação de não omissão de socorro cabe não só a quem está imediatamente envolvido na situação, como o recepcionista, ou responsável por um pré-atendimento administrativo, mas também envolve todos que estão envolvidos nesse fato determinado, como médicos, enfermeiros, e outros funcionários do hospital e é desta forma que os que não prestaram socorro, mas deveriam, haverá então concurso de pessoas no crime de omissão de socorro, no caso previsto pelo art. 135-A.

O problema surge quando o empregado, que trabalha no setor de admissão de pacientes, cumpre as ordens emanadas da direção e não permite o atendimento daquele que se encontrava em situação de emergência. Nesse caso, entendemos que haverá o concurso de pessoas, devendo, ambos (diretor e empregado) responder pela infração penal em estudo. (GRECO, 2012)

Assim é necessário salientar que a prestação de socorro por uma pessoa exime a responsabilidade de os demais também prestem socorro, isso evita que muitos prestem socorro a fim de não serem responsabilizados por um crime e acabem por dificultar o atendimento emergencial de saúde. Rogério Greco (2007), “na qualidade de obrigação solidária, se algum dos sujeitos se habilita a prestar o socorro, não se exige que os demais pratiquem o mesmo comportamento”.

 Há a obrigação desde que não haja risco pessoal a quem deve prestar socorro, no caso trabalhado, é praticamente inviável falar em risco pessoal, uma vez que se presume que o ambiente hospitalar possua os requisitos mínimos para a prestação de atendimento de saúde emergencial, não tendo como o médico se esquivar de prestar o socorro, já que devido a sua profissão ele goza do status de garantidor. Porem é necessário destacar que o atendimento direto ao médico é condicionado a uma garantia financeira ao hospital, para que o paciente arque com as despesas ali geradas, o que responsabiliza quem obstaculizou que o enfermo chegasse ao atendimento junto ao médico, desta forma o médico não teria a possibilidade de conduta, ou seja, não teria o poder de agir, que é definido por César Bitencourt (2011) da seguinte maneira.

Poder de agir é um pressuposto básico de todo comportamento humano. Também na omissão, evidentemente, é necessário que o sujeito tenha a possibilidade física de agir, para que se possa afirmar que não agiu voluntariamente. É insuficiente, pois, o dever de agir. É necessário que, além do dever, haja também a possibilidade física do agir, ainda que com risco pessoal. Essa possibilidade física falta, por exemplo, na hipótese de coação física irresistível, não se podendo falar em omissão penalmente relevante, por que o omitente não tinha a possibilidade física de agir (BITENCOURT, 2011, p. 290-291).

O que se costuma alegar é que tal atitude se deu por conta de uma ordem superior, que é norma da empresa, porém isso não exime a responsabilidade do recepcionista, mas alarga o polo ativo, ou seja, quem responderá pelo delito, adotando a doutrina de Greco e Bittencour no que tange concurso de pessoas. Por o crime estar condicionado a um ambiente hospitalar, pressupõe-se que nesse ambiente se tem todos, ou praticamente todos os requisitos mínimos necessários ao socorro de uma pessoa, portanto não caberia aqui risco pessoal quanto à vida do médico, ou das possíveis pessoas que poderiam prestar socorro. Cabendo a todos agir da forma solidaria, que se espera de todo e qualquer indivíduo, a obrigação de prestar socorro, isso inclui as pessoas que realizam pré-atendimento, médicos, enfermeiros, e os outros profissionais de saúde que ali estiverem, podendo caber até aos outros pacientes, desta forma, no caso de exigência de qualquer garantia pecuniária como garantia ao atendimento emergencial, e correr risco à vitima, é necessário que todos prestem socorro, independente de autorização ou não por parte do hospital de fornecer o serviço de saúde.

A doutrina é dividida quando se trata de concurso de pessoas nos crimes omissivos, Greco elenca uma serie de doutrinadores que divergem nesse tema, como Juarez Tavarez que não admite co-autoria ou partícipe, entende que cada individuo responde pela omissão individualmente, com base no dever que lhe é imposto; Na mesma linha Luiz Regis Prado afirma “o crime de omissão de socorro não dá lugar ao concurso de pessoas (nem co-autoria, nem participação)”. Greco assim como nos traz a doutrina divergente, nos apresenta o pensamento de Cezar Roberto Bitencourt que compactuam com seu pensamento, cujo quais defendem o concurso de pessoa nos crimes omissivos próprios ou impróprios, se várias pessoas, em comum acordo, deixam de prestar auxilio à vitima. Para estes quando uns anuem a vontade dos outros, responderam todos pelo mesmo crime, em co-autoria ou participação.

            O bem a ser tutelado aqui é a vida e a saúde, e não o patrimônio, o que deve ser resguardado é a vida e a saúde, então neste caso é diferente, por exemplo, se alguém está sendo furtado e uma terceira pessoa olha, e nada faz, pois ai o bem jurídico a ser tutelado é o patrimônio, e apesar de haver uma reprovação moral por tal omissão, não há qualquer sanção jurídica a ser imposta.

5. Sanção penal e causas de aumento de pena:

            A lei 12.653/2012 que introduz o art. 135-A traz sanções penais mais graves que a já estabelecida no art. 135, que trata de deixar de prestar assistência em caso de risco à saúde, que é o mesmo que a omissão de socorro. No art.135 a pena é de detenção de um a seis meses, ou multa, já o art.135-A traz uma pena de três meses a um ano e multa, ou seja, além de aumentar o tempo máximo não dá a opção de multa, mas a impões como sanção. Percebe-se há uma necessidade de especificar mais as leis para que as mesmas abarquem situações adversas que as já positivadas, deste modo, além de especificar mais o crime de omissão de socorro, há uma sanção mais híspida, aumentando o tempo máximo e impondo a multa.

            Há ainda os casos de aumento de pena, em que devem ser analisadas a título de culpa, uma vez que a omissão de socorro em si é um crime doloso, porém os o resultado se deu por culpa, o que faz com que seja um crime preterdoloso, nesse pensamento que Rogério Greco trata do crime do art. 135, mas é possível interpreta-lo da mesma maneira com relação ao art. 135-A.

A doutrina, majoritariamente, aduz que as causas de aumento de pena previstas no transcrito parágrafo único somente poderão ser atribuídas ao agente a titulo de culpa, tratando-se, portanto, de um crime preterdoloso, ou seja, um dolo com relação à omissão, e culpa no que diz respeito ao resultado: lesão corporal de natureza grave ou morte (GRECO, 2007, p.371).

                Desta forma deve-se apreciar as circunstancias de aumento de pena para a aplicação da pena, que são no caso de lesão corporal de natureza grave a pena é aumentada até o dobro, e se resultar em morte será aumentada o triplo.

Conclusão:

            Depreende-se, portanto, que apesar de haver um sentimento moral de solidariedade não há como obrigar que todos possuam tal virtude, desta forma o legislador resolveu impor um comportamento que até então era visto como uma obrigação simplesmente ética. A omissão de socorro e o condicionamento de atendimento médico hospitalar passaram a serem crimes, a omissão de socorro já era prevista, mas surgiu uma importante necessidade de também positivar outra conduta humana reprovável socialmente, que é a omissão de socorro em que o enfermo é dirigido a um hospital particular e tem seu atendimento condicionado a uma garantia financeira, que é comumente representada por um cheque caução.

            O que restava duvida era quem poderia responder pelo crime de omissão de socorro, porém é necessário estabelecer os envolvidos na situação fática, e analisar que realmente deixou de prestar assistência enquanto deveria prestar socorro. É necessário estabelecer quais são as regras que o hospital segue e saber se dentre ela há alguma em que diga que é necessária a exigência de qualquer tipo de garantia pecuniária para que alguém em caso de urgência seja atendido por alguém, pois caso haja é necessário punir também quem emanou essa regra, pois tal ordem torna a conduto de quem faz o atendimento prévio administrativo um crime.

            É necessário também averiguar se o medico que estava no hospital deixou de prestar socorro por também exigir uma garantia pecuniária, ou se não houve o poder de agir por que o mesmo nem sabia da situação, e que por isso não prestou uma assistência médica, uma vez que o mesmo possui o status de garantidor.

            É pelo auferimento de várias hipóteses da constituição desse crime que se pode averigua quem poderá configurar o agente ativo desse crime à luz do art. 135-A, desta forma, posterior à averiguação do sujeito ativo que se aplica as sanções penais cabíveis e se analisa as circunstancias de aumento de pena.

Anexo:

               

Como forma de trazer uma exposição fática do crime de omissão, buscamos a apelação criminal n. 30.415, de Pinhalzinho. Relator: Des. Nilton Macedo Machado.

OMISSÃO DE SOCORRO - MÉDICO QUE RECUSA ASSISTÊNCIA A MENOR VÍTIMA DE PEQUENO ACIDENTE, A PRETEXTO DE SER A MÃE DAQUELA, QUE A ACOMPANHAVA, DEVEDORA DE HONORÁRIOS -MOTIVO EGOÍSTICO - CRIME CARACTERIZADO -CONDENAÇÃO MANTIDA - PENA REDUZIDA ANTE O RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.

Caracteriza o crime do artigo 135, do CP, a conduta do médico que recusa assistência a menor vítima de pequeno acidente, a pretexto de falta de pagamento de cirurgia realizada anteriormente na progenitora da vítima; não importa que o ferimento seja leve, desde que, embora passageiramente, reduza à vítima à situação de não poder valer-se a si mesma, ensejando-se, assim, a agravação do perigo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 30.415, da comarca de Pinhalzinho, em que é apelante João Carlos Tretto, sendo apelada a Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, dar provimento parcial ao recurso.

Custas na forma da lei.

Na comarca de Pinhalzinho, JOÃO CARLOS TRETTO, médico, dado como incurso nas sanções do artigo 135, do Código Penal, restou condenado ao cumprimento de 3 (três) meses de prestação de serviços à comunidade (atendimento médico no posto de saúde daquela localidade às pessoas carentes), substitutiva de 3 (três) meses de detenção (a imputação básica mais as agravantes do artigo 61, II, g e h , do CP), isto por que no dia 13.8.92, recusou-se a prestar devido atendimento médico ao menor Leandro Carlos Cerezolli, de 11 anos de idade.

Não conformado apelou, objetivando absolvição, ao argumento da inexistência de dolo, pois estava para atender um outro paciente com um ferimento no olho; que a vítima não apresentava ferimentos graves, inexistindo comprovação de corpo de delito; aduziu, ainda, que a criança não estava abandonada nem extraviada, mas acompanhada de sua mãe e, por fim, que a pena foi aplicada com rigor excessivo.

 

 

 

 

 

 

 

Referencia:

ABRÃO, Guilherme Rodrigues; RIEGER, Renata Jardim da Cunha. Crimes omissivos: estudos dogmáticos introdutórios. Revista Liberdades-nº4: 2010. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/site/revistaLiberdades/_pdf/04/artigo1.pdf> Acesso em: 02/11/2012

BITENCOURT, CEZAR ROBERTO. Tratado de Direito Penal: parte especial. V.2. 11°ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GRECO, Rogério. Comentários ao crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial (lei nº 12.653/2012). Atualidades do direito: 2012. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/rogeriogreco/category/ficha-de-conteudo/> acesso em: 05/11/2012

__________, Rogerio. Curso de Direito Penal: parte especial. V. 2. 3°ed. Niterói: Impetus, 2007

SIENA, David Pimentel Barbosa de. Lei nº 12.653/2012: criminalização do “condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial”. Jus Navigandi, Teresina, ano 17n. 325429 maio 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21900>. Acesso em: 05/11/2012.

 SOUZA, Paulo Vinicius Sporleder de. Direito penal médico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.