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RESUMO

O trabalho a seguir buscará dialogar diversas fontes musicais dos anos de 1960 e 1970 com o ensino de História do Brasil. A cultura popular e suas mais diversas representações aliadas com os Parâmetros Curriculares Nacionais dão margem a diversas interpretações do gênero brega que atingiu seu ápice do mercado fonográfico enquanto o país vivia uma política interna bastante conturbada. Propostas e práticas aos professores, interdisciplinaridade e ferramentas que buscarão aliar o brega aos mais diversos temas da história brasileira: sexualidade, pluralidade cultural, iconografia, gênero, baseados na realidade do aluno e na sua formação como cidadão ao mundo do trabalho como prega a Lei de Diretrizes e Base. A expressão nas músicas do cantor paraíbano Genival Santos abarcam esses diversos temas e o trabalho circulará nele, fugindo a outros compositores e artistas que fizeram parte dos anais da música popular brasileira.

Palavras-chave: Música Popular, Ensino de História, Brega

 

 

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INTRODUÇÃO

 

O título do trabalho já indica bastante seus rumos. A frase “quando o chifre dói, o diploma cai da parede” é do cantor e compositor pernambucano Reginaldo Rossi, muito divulgado como o “Rei do Brega”. A frase faz uma comparação de classes sociais, quebrando o paradigma da traição ser exclusividade dos mais pobres e que a música brega é de apropriação das massas alienadas. As diversas entrevistas concedidas por Reginaldo em programas de auditório como “Programa do Jô” e “Domingão do Faustão” pregam que o autor chama: “é brega porque é cantado em português, em francês e em inglês não é”. Sempre citando grandes nomes do romantismo como Elvis Presley, Edith Piaf e Frank Sinatra.

Odair José no documentário “Eu vou rifar meu coração” também partilha dessa ideia e como um dos maiores nomes da música brega romântica critica o rótulo que lhe foi dado através das décadas de sucesso. Uma indústria que vende milhões e milhões de cópias, alavanca diversos nomes que se eternizaram na História brasileira podem e devem ser mais estudados como aponta Paulo César de Araújo, seria romper os limites da canção de protesto, da classe média, do protesto à ditadura(não que o brega não tenha feito) e ver os “brasis” afora.

Dentro desse mar de cantores e compositores o trabalho focará boa parte no paraíbano Genival Santos, suas composições e interpretações durante a década de 1970 em que o cantor viveu uma explosão de bons trabalhos reconhecidos por todo Brasil, que estava em um período conturbado politicamente.

Aliando Genival Santos ao ensino de história do Brasil e da América Latina(muitos compositores conseguiram sucessos quando foram exilados como Lindomar Castilhoi, os temas de maior diversidade, bem característicos da música brega como: sexualidade, corpo, trabalho, espaços sociais e etc. Não deixando de lado os parâmetros curriculares nacionais e seus temas transversais. Este trabalho é direcionado aos docentes que lecionam turmas de adolescentes de ensino médio, visto seu maior desenvolvimento cognitivo, sua absorção de letras, arranjos e críticas será mais fácil.

O ensino de História cada rompe barreiras e este trabalho irá buscar diálogos e problematizações a fim de formar cidadãos cada vez mais críticos no espaço escolar atual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Cultura popular e música brasileira

A música brasileira com seus vários ritmos e agentes é apreciada em vários pontos do mundo, nessa multiplicidade de gêneros, compositores e artistas beberam de diversas fontes(muitas delas ligadas a História) para se consolidar.

Separar o que é popular, o que é brega, o que é samba de raiz é uma tarefa árdua visto que o público brasileiro consumidor de música é tão variado, como escreve Marcos Napolitano:

As relações entre música popular e história assim como a história da música popular no ocidente, devem ser pensadas dentro da esfera musical como um todo, sem as velhas dicotomias “erudito” versus “popular”ii

Logo o brega e suas demasiadas correntes(sambão-jóia, bolero e baladas)iii foram consumidos durante várias anos no mercado fonográfico nacional. Em entrevista ao programa de talk-show “Programa do Jô”, o cantor Reginaldo Rossi ao cantar uma música do artista americano Frank Sinatra indaga para plateia: “isto não é brega?”iv. A letra da música acompanhada com um arranjo bem lento tem as frases inciais:

Eu sei que disse que estava partindo

Mas eu simplesmente não poderia dizer adeus

Foi apenas meu engano

Caminhar para longe de alguém que

Significa tudo na Terra para você”v

O amor da composição interpretada por Frank Sinatra então seria diferente quando jogamos ao português? Frank Sinatra é tão brega quando o cantor brasileiro Reginaldo Rossi? Um dos maiores sucessos do cantor pernambucano é a canção Leviana:

Eu te amei

Me entreguei

Do jeito que ninguém jamais se entregou

Amor igual ao meu jamais vai encontrar

Amar como eu e te amo ninguém vai te amar

Por que você?”vi

O sucesso da música brega se deu nas classes populares brasileiras como aponta Paulo César de Araújovii, ao contrário das músicas de protesto que conviveram no mesmo espaço de tempo, porém as canções de Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Belchior atingiram uma classe média mais letrada. Não é separar os estilos musicais para cada classe, certamente existiram casos de classes diferentes procurarem músicas que não estavam em sua realidade, mas os estudos apontam uma maior parcela da música brega as massas. Importante ressaltar que ambas as músicas protestavam contra o regime civil-militar dos anos 60 e 70, certamente em proporções e de maneiras diferentes. Enquanto o cantor Odair José era levado para depor nos órgãos de censura, Chico Buarque de Holanda também era. A arte como um todo foi uma das estratégias para criticar o momento de repressão que a sociedade brasileira passava, nomes como Glauber Rocha no cinemaviii levantaram diversas bandeiras para o processo de redemocratização do país.

Enquanto a música popular brasileira(MPB), conhecida mundialmente se destacou, a cultura brega teve sua imensa repercussão no terríorio nacional e nas Americas devido os exílios e adaptações de músicas ao idioma espanhol. Citando o professor João Ernani Furtado:

O popular é popular. Tautologia e constatação. O truísmo remete ao artifício de a palavra 'popular' servir como substantivo e predicado[...], como adjetivo, seu sentido oscila entre cargas positivas e deletérias. A constatação é que o termo designa muitas coisas e que pode ter a força do conceito, como quando justaposto aos temas de religiosidade, medicina, educação ou cultura, dentre outros.”ix

As cargas negativas de certa forma foram jogadas na música brega por diversos anos e ainda hoje constata uma música levada a boemia, aos clubes e prostíbulos. A medicina popular às vezes tão jogada de lado por alguns cientistas torce o nariz quando notícias de ervas medicinais e curas são descobertas pelo senso comum, os que nos dá a chama que a música popular brega também não se extinguirá do cotidiano, apesar do mercado fonográfico atual se voltar cada vez mais para músicas simples e de fácil absorção, é fácil encontrar senhores e senhoras com idade mais avançadasx relatarem que a música brega e romântica “tem letra”.

Assim o popular se faz presente na obra de Genival Santos, cantor nascido no interior da Paraíba, na cidade de Campina Grande, mas como outros buscou melhores condições de vida no Rio de Janeiro, local que as grandes gravadoras se faziam presentesxi. Genival não é exceção da regra de cantores famosos no meio brega nordestinos, outros nomes como do baiano Waldik Soriano, do paraíbano Bartô Galeno, dos irmãos cearenses Don & Ravel, do pernambucano Reginaldo Rossi e entre outros que fazem ou faziam parte do gênero.

O estudo das letras e interpretações de Genival Santos com o contexto da época valeriam um trabalho por si só, mas sua obra ligada ao ensino de história tão rica quanto. Os álbuns de grande destaque do cantor(assim como a maioria dos cantores bregas) estão inseridos nos anos de 1970, clássico como “Eu não sou brinquedo” de 1975 e “Se for preciso” de 1977, período próximo da anistia em 1979. mas que ainda sofriam censuras e cortes no ramo musical. Clássicos que até hoje são apresentados em shows como “Se errar outra vez” são oriundos da década de ouro do cantor:

Mulher, a um homem como eu

Você não deve enganar

e sou um escravo do trabalho 4

e que só vive para o lar

Não é simplesmente com palavras

que eu posso ser feliz

E por esse motivo vou lhe dizer agora

O que o outro não lhe diz

Se erra uma vez...”

Outro sucesso que é sempre lembrado nas apresentações e nas coletâneas do artista é canção “Eu te peguei no flagra”

Eu te peguei no fraga(sic)

E não quero explicação

Você beijando um cara

Com que cara vou lhe dar o meu perdão?”

O mercado fonográfico nos anos de 1960 e 1970 eram bastante restritos e existiam diversas dificuldades como relata o próprio Genival Santos em entrevistaxii, porém alavancar somente na década de 70 seis álbuns mostra o valor e o alcance da música brega no Brasil.

Esse gênero musical atingia também um público-alvo consumidor: a boemia. As letras e o ritmo de balada romântica como lembra Paulo César de Araújo, baseada na balada americana acompanharam a música brega. O bolero deixou cantores famosos em todo território nacional, tornaram lendas artistas como Waldik Soriano e Lindomar Castilho, que em muitos lugares eram lembrados por “cantores de cabaré”, já que a cultura brega fazia parte da prostitução, a música de Odair José “Eu vou tirar você desse lugar”, as vestimentas dos cantores, o alcoolismo relatado e as noitadas faziam parte da cultura brega.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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O Brega no ensino de História: desafios e práticas

Corpo, sexualidade, traição, cultura, gênero. Os temas debatidos na música brega se mostram um dos mais perfeitos aliados do professor de História em sala de aula. A escola como espaço de vivência de diversos tipos de pessoas e seus mais diversos cotidianos encontram na música um entretenimento, uma profissão, um hobby. Os parâmetros curriculares nacionais(PCN's) indicam a trilha ao docente nos mais diversos temas transversais, mas que na música podem e devem ser aproveitados de uma forma satisfatória. Dois dos temas que fazem parte dos transversais, o da pluralidade cultural e o da orientação sexual, chocam diretamente com a música popular brega já explorada anteriormente.

Muito dos artistas bregas não são estudados dentro da academia e quando são levados a sala de aula podem causar estranhamento pelo fato de que muito deles estarem fora dos holofotes da atual indústria fonográfica. Algumas experiências realizadas no Estágio Supervisionado em História nos últimos semestres e nas próprias salas de aula mostram que os alunos são leigos em alguns assuntos, mas nem por isso menos interessados. Ao contrário de grandes nomes atuais da música brasileira que vivem muito bem financeiramente, muitos dos artistas bregas não possuem tantos bens ou riquezas como ressalta Genival Santos: “qual dos artistas de minha época está rico hoje?”.

A indústria fonográfica muda e modela com o tempo. O caso do cantor Leonardo é bem característico, o cantor após ter o irmão falecido modificou seus shows de sertanejo e hoje envereda no “sertanejo-brega”, ligado as parcerias com o cantor de muito sucesso Eduardo Costa. As expressões artísticas e os PCN's indicam os caminhos a tratar de um mercado e relações sociais tão complexas:

É necessário considerar outros modos de comunicação, como a linguagem do corpo e a linguagem das artes em geral, permitindo transversalizar em particular com educação física e arte. A música e a dança, as artes em geral, vinculadas aos diferentes grupos étnicos e as composições regionais típicas, são manifestações culturais que a criança e o adolescente poderão conhecer e vivenciar. Dessa forma enriquecerão seu conhecimento sobre a diversidade presente no Brasil.”xiii

As possibilidades da História e música dialogarem com outras disciplinas além da educação física e artes são compreensíveis. A língua portuguesa certamente auxiliará muitos nas análises das composições, a geografia identificaria as regionalidades, o público e suas relações com o espaço, a língua inglesa com as críticas e traduções das músicas românticas fora do Brasil que formaram a base do bolero brasileiro.

Tomamos como exemplo a Geografia, ciência humana aliada da História. O compositor paraíbano Bartô Galeno na música “Essa cidade é uma selva sem você nos canta:

Essa cidade é uma selva sem você

E desse jeito sei que vou enlouquecer

Pago tão caro o valor dessa saudade

Vivo sem felicidade

Desse jeito vou morrer

Vivendo tão distante....”

A composição de Bartô dá margem para diversas interpretações, umas delas que poderia ser trabalhada conjuntamente entre historiadores e geográfos seria o espaço das cidades, a distância, a migração dos nordestinos. Vale ressaltar que Bartô viverá na cidade do Rio de Janeiroxiv e foi parceiro de Genival Santos em alguns discos do cantor campinense.

Paralelo aos temas de pluralidade cultural, os temas transverais de Orientação sexual, os cantores brega fazem aqui sua principal contribuição. O romance e a traição são frequentes nas músicas tanto de Genival Santos como de outros artistas. Os parâmetros curriculares nacionais indicam que a sexualidade está no cotidiano dos alunos:

As expressões de sexualidade, assim como a intensificação das vivências amorosas, são aspectos centrais na vida dos adolescentes. A sensualidade e a malícia estão presentes nos seus movimentos e gestos, nas roupas que usam, na música que produzem e consomem, na produção gráfica e artistítica, nos esportes e no humor por eles cultivado.” xv

Em várias entrevistas consultadas, nas entrevistas públicas no canal Youtube, nos grandes programas de televisão, documentáriosxvi, a maioria dos cantores brega de grande nome como Odair José, Genival Santos, Bartô Galeno se dizem cantores românticos. E o romance está diretamente ligado ao sexo, o cantor goiano Odair José ganhou o título de “Rei das empregadas” e muitas músicas suas o sexo não é tratado de forma implícita nas letras, um dos hinos da música brega e que sofreu várias censuras pela ditadura militarxvii foi “Pare de Tomar a Pílula”:

Você me diz que me adora

Que tudo nessa vida sou eu

Então eu quero ver você

Esperando um filho meu

Pare de tomar a pílula”

A música de Odair rompe os limites da ditadura, um choque de costumes e cotidiano que entra no aparelho de censura:

É um dos casos clássicos da repressão do período da ditadura militar: a canção, que ocupava os primeiros lugares das paradas, foi silenciada de um dia para outro. Foi proibida sua execução pública em todos os meios de comunicação”

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As discussões de gênero são temáticas correntes e podem enriquecer as críticas e aulas. Uma das maiores vozes da música popular brega foi a cantora carioca Ana Maria Siqueira Lorio, conhecida como Diana, que apaixonou e apaixona vários corações com suas canções. Uma mulher que atinge um grande sucesso no meio de tantos homens ligados a boemia merece destaque, uma de suas principais canções é “Porque Brigamos” do LP de 1972 “Diana”:

Ó meu amado porque brigamos

Não posso mais viver assim sempre chorando

A minha paz estou perdendo

A nossa vida deve ser de alegria

Pois eu lhe amo tanto”

O amor feminino, o direto das mulheres sobre seu corpo, os costumes da época, Diana abre um leque de críticas em apenas uma estrofe que possibilita o despertar do interesse do aluno em seu próprio cotidiano musical. Seria ultrapassar a ponte de simplesmente ouvir e reproduzir, mas de criticar e pensar a música como aponta Circe Bittencourtxviii. Criticar o brega em sala de aula pode levar o aluno a criticar seus funks, que hoje em dia são tão massificados e que muito discutem em suas letras a riqueza, o sexo e os problemas sociais brasileiros.

As problematizações em torno da música brega são inúmeros, porém uma delas pode entrar no repertório do professor. A cultura brega não acabou e uma delas entra nas vestimentas e caracterizações tanto dos cantores como dos ouvintes, ou o próprio estilo brega de ser. Vários cantores se utilizaram da moda extravagante para se apresentar nos shows e capas de discos, um dos exemplos clássicos é de Waldik Soriano:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Waldik Soriano

 

Camisas coloridas, paletós bem alinhados, óculos escuros, a música brega utilizou diversas artimanhas e que acabou se perpetuando nos costumes de seus ouvintes. Um dos maiores nomes da atual música brega e do humor brasileiro é do cantor cearense Falcão, com sua irreverência e o estilo bem peculiar de se vestir.

Nesse estilo brega de ser, encontramos outro grande representante da cultura, o comunicador Silvino Neves, que comanda o programa “Clube do Brega”, programa semanal da emissora TV Diário, ligada ao grupo Verdes Mares, um dos maiores da televisão aberta nordestina. Um programa que conta com bastante irreverência e participação especiais de grandes nomes da música brega, além do popular show de calouros. Muito dos cantores, e não só os bregas, relatam que devem muito aos programas de calouros como o de Flávio Cavalcanti ao nascimento de seus sucessos.

Desafios e práticas que fazem parte do cotidiano do professor podem ser auxiliados não somente na música, mas na literatura, no cinema, na mídia impressa, na história oral, levando um conhecimento maior ao aluno, como lembraria Paulo Freire:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago.”

 

 

 

 

 

 

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Genival Santos e sua diversidade cultural aos alunos

Os elementos encontrados nas mais diversas fontes apresentadas no capítulo anterior como sexualidade, corpo, traição, romantismo, que está presente nas mais diversas obras da canção brega no Brasil é representada em Genival Santos. A discografia de dezoito álbuns contando compactos, coletâneas e lp's mistura a mais diversa cultura brasileira, transitando do bolero mais romântico, ao carimbó, ao ritmo mais puxado do baião. Genival buscou em seus álbuns uma aproximação com mais diversos gêneros, porém se formos analisar suas coletâneas e shows, a música brega foi aquela que predominou.

A popularidade da música de Genival, “a música de corno”, entra em choque diretamente com os PCN's. Sua melodia, representação cultural e étnica, bases para que o aluno critique e aguce o sentido de pesquisa que é tão defendido na acadêmia mas que algumas vezes se distancia nas escolas de ensino fundamental e médio pelo Brasil.

É possível encontrar diferentes formas de expressão das identidades étnicas. Na música, há possibilidades de explorar essa expressão pelas origens dos ritmos, pelas características melódicas e pelos instrumentos utilizados. Nos ritos, a representação e a estética dos movimentos oferecem subsídios para compreensão das identidades culturais.”xix

Identidades que devem ser manejadas, avaliadas e supervisionadas pelo professor-historiador todo período. Um dos problemas encontradas em sala de aula nos estágios e no trabalho é a ideia fixa que documentos passam a ideia da verdade. Um filme, um jornal e a até uma música podem se fixar no aluno como verdade absoluta. As músicas de Genival criticam boa parte da sociedade da ditadura, mas boa parte das famílias estavam alheias aos movimentos de repressão e buscavam como já foi dito anteriormente um mero entretenimento. Quando tomamos a canção, “Ladrão que rouba ladrão”:

Ladrão que rouba ladrão

Não merece castigo

Se eu robei seu amor

Você fez o mesmo comigo”

A mulher aqui age como sujeito. E isso é uma das marcas da música de Genival, a mulher trai, sai de casa, trabalha, é agente do seu tempo. Critica social direta ao sistema da ditadura militar que pregava costumes e moldes aos brasileiros, basta avaliar as disciplinas da época como de “Moral e Cívica”. Uma pesquisa maior renderia entrevistas diretas ao cantor se sua obra de alguma forma foi censurada ou cortada pelos órgãos do Governo, mas como o aluno graduado em História em seu TCC, Thiego Pereira Bento, problematiza, boa parte da música brega e sertaneja no período da ditadura não sofreu repressões tão pesadas como da Tropicália por exemplo.

Boa parte dos alunos do ensino médio se encontram no período de grande produção hormonal e também começam a viver suas primeiras relações sexuais, propor para a direção e coordenação da escola a utilização da música de Genival Santos para tratar de sexualidade inicial ou tardia é capaz de render outros olhares ao tema. Talvez não seja substituir palestras, manuais ou livros, mas relacionar outras fontes com um tema que é tão falado e divulgado nas escolas públicas e particulares, os PCN's mostram:

É comum nos primeiros ciclos a curiosidade sobre concepção e parto, relacionamento sexual e Aids. Muitas vezes a curiosidade se expressa de forma direta. Outras, surge encoberta em brincadeiras erotizadas, piadas, expressões verbais, músicas, etc.”

Uma música que pode ser trabalhada com o tema sexual, acoolismo e relações sociais é “Dupla Traição”. A música com letra bem direta com um ritmo bem lento, marca do brega como já foi discutido, fala de uma traição da mulher do autor com seu melhor amigo. O refrão explica bastante as intenções:

Ele estava com ela, meu melhor amigo

Dupla traição

É por isso que eu vivo bebendo na mesa de um bar

É por isso que em mais ninguém eu posso confiar

Por isso que eu vivo sem ter um carinho

Sem lar, sem amigos é por isso que vivo sozinho”

A solidão após a traição, a falta de carinhos. Certamente uma traição consumada entre adultos termina em relações sexuais, criticar a música de Genival nas entrelinhas.

Um elemento que é defendido na academia e nos PCN's é sua interdisciplinaridade. As músicas de Genival ligadas à literatura renderiam diversas indagações. Um dos conteúdos da literatura brasileira em sua gênese é o estudo das cantigas que formaram a literatura lusitana, sejam elas de amor ou amigo. As cantigas podem ser trabalhadas juntamente com a obra de Genival, claro que com algumas diferenças de tempo e espaço que devem ser deixadas claras nas discussões nas salas de aula. Utilizar músicas como “Se for preciso”, “Meu coração está em greve”, “Cada coração sabe o que quer” e outras mostram como repertório de Genival é apaixonado e tem muitas semelhanças aos poemas amorosos. Em “Na velocidade do meu pensamento” do álbum “Se for preciso”, Genival busca o amor da amada em seus pensamentos destruídos pela distância:

Na velocidade do meu pensamento, te vejo constante

que felicidade o meu sofrimento vai num instante

Mas o meu desejo, é vê-la de perto

Pra lhe dar meu beijo, como todo afeto

 

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Além das cantigas medievais lusitanas, outros temas como o romantismo no Brasil e na Europa podem se tornar aliados aos professores de história e língua portuguesa. Os poemas românticos podem ter sido em parte fontes para os compositores bregas, Nelson Ned se emociona no documentário “Eu vou rifar meu coração” quando diz que é um ser humano romântico. Em “Cem Sonetos de amor” de Pablo Neruda, poeta e escritor chileno, caso fosse musicado e inserido no contexto brasileiro dos anos de 1970 receberia a alcunha de música brega?

Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo,

e pelas ruas vou sem nutrir-me, calado

não me sustenta o pão, a aurora me desequilibra,

busco o som líquido de teus pés no dia”

Se ensinar exige respeito aos saberes dos educandos e de sua realidade como afirma Paulo Freire, os trabalhos com literatura e música podem ser incentivados pelos próprios alunos. Muitos deles consomem livros, músicas que podem ser trabalhadas em sala. Por que não trabalhar com Harry Potter? Percy Jackson? As realidades das escolas públicas também são diferentes, trabalhar música sem o som é totalmente possível, a utilização somente da letra já pode gerar uma crítica, apesar de com a sonoridade a aula possa ficar bem mais enriquecida.

Outro aliado dos professores ao ensino da música são os livros didáticos. Criticados por muitos, os livros cada vez mais se utilizam de fontes extras para garantir a atenção e curiosidade dos alunos. Poemas, fontes iconográficas e músicas são frequentes nos livros adotados por instituições públicas e particulares. No manual do professor geralmente no final do livro há uma série de indicações de como utilizar “outros documentos” nas aulas de História. Um dos exemplos é o livro “Jogos da História” da editora Léya, que no ensino fundamental traz músicas como “Comida” do grupo do Titãs, “Eu nasci há dez mil anos atrás” de Raul Seixas nos seus textos complementares e algumas dicas na área do professor, como “Todo dia era dia de índio” de Jorge Ben Jor. Se nos livros já existe uma letra, uma atividade proposta, por que não se utilizar dele? O livro didático é uma das poucas fontes que os alunos possuem hoje em dia, além da internet e seu cotidiano, no momento em que se investe tanto em educação no Brasil e se pede tanto em troca dos alunos e professores, buscar a crítica social nas mais diversas fontes é um dos papéis do professor atual, pesquisador. Seria então o processo de libertar.

Em suma, a fonte Genival dá margem para as mais diversas atividades que são tão buscadas nos novos currículos, cabe ao docente e aos alunos se apropriar não só dele, mas tudo que está ao redor e que a História é capaz de dialogar. Como diz um parceiro de curso Elvio Franklin, a profissão Historiador é a mais legal do mundo, “eu posso estudar o que eu quiser”, medicina, quadrinhos, idade média, direito, brega ou qualquer coisa do mundo e em diferentes tempos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Considerações Finais

Nas linhas que correram no seguinte trabalho buscaram colocações, práticas e caminhos para se trabalhar com o popular nas salas de aula. O popular está manifestado nas mais diversas fontes como a música, cinema, teatro, futebol, ou seja, no dia a dia do aluno seja de escola pública ou de escola particular. Essa cultura popular como situa Peter Burke:

Quanto a cultura popular, talvez seja melhor de início defini-la negativamente como cultura não oficial, a culta da não elite, das classes 'subalternas', como chamo-as Gramci”

Apesar de que boa parte da música brega ter sido divulgada e consumida pelas classes subalternas como aponta Paulo César de Araújo, ela é uma fonte riquíssima para se trabalhar em sala de aula nos mais diversos contextos e épocas. Estudar a cidade, a mulher, as disciplinas escolares da época, tudo isso pode ser trabalhado nas canções de Genival Santos com suas indumentárias coloridas e poemas que deixariam Pablo Neruda arrepiado.

As adversidades aparecerão nesse ensino ligado ao popular, ao chulo. Muitas instituições torcerão o nariz já que a corrente que analisa e trabalha a canção brega mostram valores diferentes. Certamente as escolas buscarão textos informativos, coleções de livros para tratar de alcoolismo, um verdadeiro tapar o sol com a peneira, visto que a realidade dos alunos com a inclusão digital que se deparam com as mais diversas fontes. A música brega é diferente, é única.

Concluindo, se o trabalho do historiador é demasiado laborioso, o professor-historiador tem carga dupla de responsabilidades e preocupações. Não seria levar a história da academia aos alunos, não seria formar “mini-historiadores” nas escolas públicas do Ceará e do Brasil, seria o caso de formar cidadãos críticos, voltados ao trabalho e ao mundo. Os homens não se libertam sozinhos, se libertam em comunhão.

 

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iEntrevista concedida de Genival Santos. O compositor relata que poucos autores conseguiram um bom dinheiro nos anos de 1970, um dos exemplos que conseguiram foi o cantor Goiano Lindomar Castilho, que virou fazendeiro no Estado de Goiás por conseguir uma carreira estrangeira. inSANTOS, Genival. Entrevista. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=riALIPeMFgA . Acesso em 21 nov. 2013.

iiNAPOLITANO, Marcos. História e Música. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. P.14

iiiPaulo César de Araújo na obra “Eu não sou cachorro não” destaca diversas vertentes da música brega ou “cafona”, porém este trabalho focará no que ele chamará de balada romântica.

ivEntrevista postada no canal público YouTube. Acesso em 26/11/2013. https://www.youtube.com/watch?v=UTT93tsOv30

vSINATRA, Frank. Let me try again. In Ol Blue Eyes is Back. Londres: Warner Bros. 1990.

viROSSI, Reginaldo. Leviana. In: Cabaret do Rossi, Brasília: Emi. 2011.

viiARAÚJO, Paulo César. Eu não sou cachorro não: música popular cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. P. 48

viiiXAVIER, Ismail. Cinema Brasileiro Moderno. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. P. 79

ixFURTADO FILHO, João Ernani. In Futuro do pretérito: escrita da história e história do museu. Fortaleza: Instituto Frei Tito de Alencar, 2010. P. 118

xRIEPER, Ana. Eu vou rifar meu coração. Brasil: Microservice, 2013

xiSANTOS, Genival. Entrevista. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=riALIPeMFgA . Acesso em 21 nov. 2013.

xiiA discografia completa do cantor está disponível no domínio: letras.mus.br/genival-santos/discografia

xiiiBRASIL. MEC. Secretária da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade cultural. Brasília: MEC/SEF, 1997. P, 133.

xivGALENO, Bartô. Entrevista cedida ao canal Keke Isso na TV. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vPduNGrrl1E . Acesso em 16 nove. 2013.

xvGALENO, Bartô. Entrevista cedida ao canal Keke Isso na TV. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=vPduNGrrl1E . Acesso em 16 nove. 2013.

xviTodas as entrevistas citadas já fazem referência anteriormente. As de Genival, Bartô, Reginaldo Rossi e Odair. O documentário que se faz referência é “eu vou rifar meu coração”

xviiARAÚJO, Paulo César de. Eu não sou cachorro não: música cafona e ditadura militar. Rio de Janeiro: Record, 2005. P.64

xviiiBITTENCOURT, Circe. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.

xixBRASIL. MEC. Secretária da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Pluralidade cultural. Brasília: MEC/SEF, 1997. P, 157