Mudanças que o século XX experimentou no que diz respeito ao comportamento

 

O século XX ficou marcado por profundas mudanças comportamentais que marcam profundamente os nossos dias.  Depararmos-nos com tais transformações e as confrontamos – sejam inovações ou reelaborações de hábitos antigos - em todas as esferas da vida, seja ela sócio-econômica, política ou cultural - provocando rupturas de hábitos e pensamentos, definindo-se assim uma nova trajetória do homem em seu cotidiano público e privado. Esses novos comportamentos criados pelo processo de industrialização e urbanização crescente vieram a acarretar em transformações culturais ligadas ao universo da personalidade e os movimentos de massa passaram a reivindicar direitos civis, como cidadania, liberdade de expressão e direitos humanos, influenciados pela psicanálise e pelo existencialismo (cernes teóricos da contracultura).

A política (partidos), a religião (seitas e movimentos religiosos), a cultura, os esportes e o sexo tiveram papel fundamental na mediação dos avanços e retrocessos nos costumes. Mas foi a Globalização o evento histórico de maior força e importância para as modificações do comportamento. Começava-se a questionar as relações familiares, os dogmas, o uso do corpo e a desigualdade social. O avanço tecnológico e a influência do capitalismo gerados no pós Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria juntamente com a crise econômica e a expansão do estilo de vida consumista marcam a lógica do período a partir de então. Uma das mudanças mais significativas diz respeito a participação da mulher no mercado de trabalho, assumindo importância  inclusive nos cargos que historicamente eram ocupados pelos homens. O novo papel da mulher na sociedade iria transformar de forma significativa a estrutura familiar e com a participação delas em novos papéis políticos, econômicos, sociais e culturais os modos de se vestir e de se portar na sociedade foram alterados. O Filme “Ou Tudo ou Nada” (1997) irá mostrar muito bem a mudança dessa nova forma de comportamento feminino. Com o abandono da estrutura patriarcal, o papel do homem será posto em cheque. A mulher passa a ter o direito de escolher seu parceiro, independentemente de ter uma relação fixa ou não. O casamento passa ser visto não mais como uma obrigação, meio para se chegar a determinada finalidade. O tal “sexo frágil” passa a ter o direito de escolher sobre a sua vida sexual, rompendo com o tabu da virgindade, inclusive optar pelo sexo por prazer e sem compromisso.

 Nessa nova realidade, a mulher pode ser ao mesmo tempo pai e mãe, assim também como esses papéis podem ser desenvolvidos somente pelo homem, visto que “em relação aos homossexuais, as mudanças nas famílias e nas formas de relacionamento foram mais radicais” (COELHO, 2004, p.331). Todavia, com os novos espaços de trabalhos ocupados pelas mulheres o que restava eram cargos que eram dispensados e depreciados pelos homens por acharem que não eram dignos de seu patamar e por não possibilitar a manutenção de seu padrão de vida (o assunto é bem destacado no filme). Na verdade o que percebemos na segunda metade do século XX é uma onda de privatizações numa conjuntura de crise econômica, onde as pessoas, principalmente os homens incomodados com a emancipação feminina e com a falta de alternativa, ficavam sem perspectiva – a nudez social representada pela nudez corporal do filme. Podemos caracterizar o desemprego da época como uma forma aguda de desafetivação social.

Outra mudança refere-se a nova concepção de beleza que busca fundamentos na indústria da moda. Vê-se um verdadeiro “culto ao corpo”, “o físico esculpido, magro e sem defeitos deveria ser a moldura natural de qualquer ser humano moderno” (COELHO, 2004, p. 336).  Vende-se a ideia que para promoção pessoal, o indivíduo tem que estar à frente de seu tempo e isso representa o aumento do controle social sobre o próprio corpo, símbolo do prazer e realização pessoal. Surgem assim, novos parâmetros estéticos que impulsionam a indústria da beleza (cosméticos, vestimentas, academias etc e tal). “O principal nesse tempo é ver os outros e poder ser visto pelos outros” (p. 342). Nesse ponto a obra de Cattaneo faz uma crítica ao desejo humano da busca da perfeição corporal, quando um dos personagens não se sente à vontade para de despir por não se encontrar inserido nos padrões estéticos vigentes. Também mostra o quanto o ser humano passou a ser consumista, preconceituoso e com a preocupação com a “saúde” levada ao extremo, onde os que não se enquadrassem nos padrões tornava-se um problema. Dessa forma, o pensamento humano radicaliza a postura daquele que não segue padrões impostos pelo meio social ao qual está inserido.

            Poderíamos aqui citar outros exemplo de mudança de comportamento como os ligados ao campo religioso, às mídias, ao avanço tecnológico, a descrença na racionalidade científica e a massificação cultural relacionada à transformação da informação em bem de consumo. Em síntese, as drásticas mudanças comportamentais do século XX provocaram rupturas de hábitos e costumes que radicalizaram posturas e promoviam rupturas nas formas de pensamento arraigadas. Emerge agora um discurso a favor das minorias e onde o corpo desponta como lugar de preocupação por excelência. Tanto o texto de Coelho quanto a película de 1997 são importantes, pois mostram o processo que se desenvolveu para que a humanidade chegasse a essa revolução comportamental que lança um novo olhar sobre a sociedade no século XX e continua apontando seus resultados na contemporaneidade.

 

Referência Bibliográfica

COELHO, Frederico Oliveira. Revolução Comportamental no século XX. In: O Século Sombrio: Guerras e Revoluções no Século XX. Francisco Carlos T. da Silva (coord.)... [etal]. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Filme: Ou Tudo Ou Nada de Petter Cattaneo, 1997. Duração 1h e 32 min.