Considerações iniciais:

Nos primeiros meses do ano de 2008 os professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro receberam um laptop em regime de comodato e se comprometeram a utilizá-lo para a melhoria da qualidade de suas aulas, dentro do projeto denominado Conexão Professor sem que houvesse qualquer análise sobre a urgente adequação da escola e, em especial, as habilidades e competências necessárias a esse docente para que ele possa incluir novas tecnologias em sua prática pedagógica. Este artigo apresenta alguns dados recolhidos junto a alguns desses profissionais e nos serve para a defesa de que o crescente uso de novas tecnologias pode facilitar e ampliar o trabalho pedagógico, tornando-o mais colaborativo; mas é imprescindível que seja oferecida a esse docente a capacitação para a utilização de forma crítica e autônoma desses recursos. Como exemplos de inovação para a prática pedagógica através do uso de novas tecnologias, são destacados dois projetos desenvolvidos por professores de matemática que lecionam na rede fluminense.

Um processo histórico de evolução
Ao buscarmos as origens dos vínculos entre conhecimento, poder e tecnologia, poderemos verificar que desde o início dos tempos, a boa utilização de determinados tipos de tecnologias e informações, distingue os seres humanos entre si. Porém, adaptar-se ao frenético e complexo movimento do mundo atual requer uma agilidade maior que em tempos passados, uma vez que as inovações tecnológicas nos chegam de forma cada vez mais rápida, apresentando quase sempre modificações que tornam as tecnologias anteriores também rapidamente ultrapassadas.
Embora se concorde que "a tecnologia não determina a sociedade" (CASTELLS, 2007, p.43), devemos reconhecer que hoje é parte indissociável dela, mas para não tendermos à demonização ou à panaceia, não podemos esquecer que qualquer tecnologia não é apenas fruto da inteligência do homem, mas parte também de um processo histórico-evolutivo, político e econômico constante da sociedade na qual este homem está incluso. As chances que temos para conseguir acompanhar o movimento do mundo estão diretamente ligadas ao adaptar-se à complexidade que os avanços tecnológicos impõem a todos, indistintamente. Desta forma, é possível afirmar que o momento sociocultural em que vivemos é distinto de momentos anteriores da nossa civilização, pois é certo que as mudanças tecnológicas têm ocasionado mudanças em praticamente todas as esferas de nossas vidas, e, estando o processo pedagógico inserido nessa dinâmica de transformações sociotécnicas, é importante inseri-lo também nas reflexões que envolvam mudanças na sociedade. Tais análises nos levam a verificar que estamos diante de um duplo desafio para a Educação: ela também se orientar por esses avanços ao mesmo tempo em que ofereça orientações de caminhos para que seu trabalho seja de fato inclusivo e amplo. Estas reflexões impulsionaram nosso estudo para o novo papel de uma escola em que caiba esse novo mundo tecnológico e o profissional que irá atuar nesse ambiente, sua formação e sua contínua adaptação a esses novos tempos.

Um projeto pioneiro e polêmico

Na busca de entendermos de que forma os atores envolvidos direta ou indiretamente no processo de ensino-aprendizagem podem ser afetados a partir da utilização das novas tecnologias, desenvolvemos a pesquisa, que teve como um dos objetivos centrais analisar as possíveis mudanças na prática pedagógica dos professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro que receberam um laptop com acesso à internet da Secretaria Estadual de Educação (SEEDUC-RJ) em regime de comodato, para uso na sala de aula e fora dela. Esse projeto, denominado de Conexão Professor, foi implementado a partir de fevereiro de 2008 e contou com a entrega inicial de 31.000 máquinas aos docentes da rede.
Atendendo a aproximadamente 55% de todo o alunado do estado fluminense por meio de quase 1600 escolas a rede de ensino estadual reconhece que nem sempre consegue fornecer os meios pedagógicos necessários à realização plena das tarefas de seus professores, ficando estes profissionais compelidos a buscar, então, por seus próprios meios as formas de requalificação. De acordo com Evaldo Bittencourt (2008), Superintendente de Planejamento da SEEDUC-RJ, a derrubada do medo das novas tecnologias foi um dos principais objetivos traçados para o Conexão Professor, e a rotineira utilização dessas novas tecnologias pode facilitar a geração da confiança e posteriormente o uso do computador em sala de aula. Tais palavras apresentam um projeto pioneiro (que passou a ser seguido por outros governos com algumas adaptações) e em envolto em grandes polêmicas, devido em grande parte ao obscuro processo de licitação da compra, origem dos recursos e valores pagos pelas máquinas (FREITAS, 2009).

Novas habilidades e competências para a inclusão das novas tecnologias nas práticas pedagógicas

Mesmo diante de inúmeras dificuldades citadas pelos professores que entrevistamos, muitos indicaram ter dado início à utilização de novas tecnologias em diversas atividades pessoais e pedagógicas a partir do recebimento do laptop. A partir da análise sobre quais habilidades e competências esses profissionais julgavam mais desejáveis para que isto acontecesse, elaboramos a seguinte lista: a) buscar o aperfeiçoamento constante no uso das novas tecnologias; b) saber utilizar estratégias que envolvam computador e internet que possibilitem a construção de conhecimentos; c) buscar compreender as possibilidades de uso pedagógico das novas tecnologias; d) atuar como mediador entre os conhecimentos proporcionados pela internet e o seu aluno; e) acompanhar o desenvolvimento de novos softwares pedagógicos em sua área.
Em nosso estudo e acompanhamento de algumas atividades verificamos que tais afirmativas acabam se complementando na prática do professor, ou seja, para que uma ocorra, quase obrigatoriamente uma outra também deve ocorrer. Verificamos também que as habilidades listadas relacionadas a algumas características do professor, como boa vontade, destemor e esperança, facilitam o êxito nos trabalhos realizados com as novas ferramentas tecnológicas. A qualidade da perseverança foi citada por um professor de matemática (Prof. R.), argumentando que é importante aprender com os próprios erros e conservar-se firme no desejo de mudanças, pois a opção de incluir novas tecnologias em sua prática está quase sempre relacionada ao fato de que trabalhar num campo de grandes novidades gera uma maior imprevisibilidade sobre como se desenvolverá o trabalho docente dentro e fora de sala de aula. É necessário um tempo de maturação para que as mudanças sejam encaradas de forma rotineira.
Em nosso estudo mantivemos contato com docentes que, em grande parte, tiveram sua formação apoiada em tecnologias do tipo mimeógrafo e máquina de escrever. Para esse profissional, um laptop pode representar uma máquina ainda envolta em muito mistério e da qual ainda guarda receios. Estivemos também com profissionais que denunciaram que ainda não desenvolveram algumas habilidades relacionadas ao uso de novas tecnologias pelo simples fato de não terem tempo para uma maior dedicação. Ouvimos também muitas queixas relacionadas aos baixos salários, ao número de alunos em sala e, à falta de infraestrutura. Reconhecemos que são pontos cruciais para que o desempenho do docente seja afetado pelo sentimento de insatisfação com seu trabalho e ao mesmo tempo desestimulado para efetuar mudanças.

A busca por caminhos e projetos inovadores

Muitos docentes que receberam a máquina relataram que passaram a buscar apoio junto aos colegas de trabalho e até mesmo em alguns de seus alunos. Aqueles que passaram a utilizar o computador e a internet com certa regularidade, indicaram o fato de sentirem necessidade de estudar cada vez mais as possibilidades oferecidas por estas tecnologias, até o ponto de sentirem-se seguros para utilizá-las como substitutas para algumas práticas pedagógicas já consagradas. Essa é, portanto, mais uma das mais importantes características dos profissionais consultados que declararam sentirem-se à vontade com tais recursos: tornaram-se pesquisadores das novas tecnologias e das possíveis maneiras de integrá-las à sua prática pedagógica. Não falamos aqui de uma pesquisa acadêmica, de cunho científico, mas sim de uma pesquisa que se apresente como parte do próprio trabalho do professor. Como nos ensina Freire (1996, p.29), referindo-se às características essenciais do bom professor: "pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade".
Outra significativa mudança a ser analisada, é um novo olhar destes profissionais sobre o seu trabalho, a percepção de que o uso de novas tecnologias pode facilitar, de modo que o processo de ensino aprendizagem passe a ter um caráter mais colaborativo, onde podem ser criadas redes de conhecimento. Nesse caso, o professor passa a assumir papéis diferentes do que está acostumado até então: de detentor e transmissor do conhecimento, a agente mediador entre o aluno e as possibilidades de construção de conhecimento, uma ponte que pode unir os dois.
Em nosso estudo, 100% dos docentes consultados indicaram que já utilizam o ciberespaço para realizar pesquisas e 92,6% utilizam rotineiramente o sistema de envio e recebimento de e-mails, o que nos leva a concluir estarmos diante de um grupo de profissionais que, por diversos caminhos, está se inserindo em um novo mundo tecnológico. Entretanto, a utilização no ambiente escolar dessas novas tecnologias ainda faz-se muito tímida. Pouco utilizado em sala de aula, em geral o será para apresentação de slides preparados em programas do tipo Power Point e exibição de filmes e documentários, como forma de substituir outras antigas tecnologias, tais como o videocassete ou o retroprojetor. Ao buscarmos utilizações para as novas tecnologias na sala de aula que se apresentassem de forma diferenciada, deparamos com inovadores projetos desenvolvidos por professores de matemática, dentre eles, destacamos dois que são apresentados a seguir.

1)A aquisição de um quadro digital sempre teve como um dos grandes obstáculos o seu alto custo, porém, após uma pesquisa na internet, o professor R. verificou possibilidades de construir o seu próprio quadro digital utilizando-se do laptop e outros recursos disponíveis em qualquer loja de equipamentos eletrônicos, conseguindo desta forma, baratear em mais de 500% esta ferramenta e ter em mãos a possibilidade de utilizar ao mesmo tempo os recursos da internet e diversos programas para as sua aulas de geometria.

2)O projeto do professor G., foi desenvolvido com alunos da turma de 30 ano do ensino médio em formato de uma empresa que recebe encomendas de toda a equipe de professores do colégio para o desenvolvimento (por parte dos próprios alunos) de novos programas que possam facilitar a compreensão de determinados assuntos trabalhados nas aulas, como por exemplo, jogos que ajudam a desenvolver a habilidade do cálculo mental dos alunos das primeiras séries do ensino fundamental. Este projeto tem recebido diversos prêmios, inclusive o Microsoft Educadores Inovadores 2009.

Quando questionados do por que os docentes da equipe de matemática serem os grandes expoentes de formas de bem utilizar as novas tecnologias, ouvimos os argumentos de que é uma área do conhecimento que tem grandes possibilidades de expansão a partir do uso destas ferramentas, inclusive no que se refere à facilitação do entendimento e ampliação e aprofundamento dos conteúdos, através da apresentação de gráficos e figuras geométricas, por exemplo. Além disso, torna-se uma forma de atrair a atenção dos alunos para uma disciplina em geral considerada mais "pesada", como na fala destaca a seguir:
É fácil notar que as pessoas são atraídas pela tecnologia, mas, principalmente por conta da interatividade, existe uma fatia especial dessa tecnologia que os nossos alunos não só apenas gostam, mas são completamente fascinados. Como professor, me senti na obrigação de tentar canalizar essa energia para o processo de ensino-aprendizagem. (Prof. G.)

A apresentação destes projetos, porém, foram percebidos como casos isolados do espaço amostral consultado, em que uma grande maioria declarou ainda a necessidade de caminhos para adotar significativas modificações em sua prática para a integração das novas tecnologias disponíveis. Ressaltamos também que encontramos diversos profissionais dispostos a implementar mudanças, e que muitas vezes se questionam até quando sustentarão o modelo educacional de transmissão de conhecimentos considerado por Silva (2003, p.13) como obsoleto, principalmente com o advento da cibercultura. Afinal, ao nos depararmos com 77,8% dos professores concordando sem ressalvas que o computador pode ampliar as possibilidades do seu trabalho, entendemos que muitas mudanças que estão por vir serão bem-vindas.

Uma escola em que caiba o mundo

Nossas escolas estão em tempos de testar a utilização de recursos tecnológicos, mesclando o tradicional com o novo. Esperamos que essa realidade signifique uma fase de transição rumo a um futuro onde os medos e as inquietações de nossos dias tenham definitivamente cedido espaço a uma escola competente no que diz respeito à utilização da tecnologia, integrada à sociedade contemporânea e às novas possibilidades comunicacionais, que produz, ou seja, uma escola em que caiba o mundo.
Verificamos que não é o simples fato de entregar uma máquina de grandes recursos ao docente que o fará, de um momento para outro, sentir-se seguro para sua utilização. Muitas vezes o medo do novo pode se apresentar em proporções maiores que a sua vontade de ser um profissional melhor. Afinal, estamos falando de algo a que seus alunos podem já estar acostumados, mas, passar a utilizar novas ferramentas para alguns docentes da geração do mimeógrafo e da máquina de escrever significa um grande desapego ao que já dominam e ao que lhes traz segurança. É necessária ao professor então, dentre outras características e habilidades descritas, muita disposição e a percepção de que educar para a nova sociedade significa cada vez mais fazer acontecer nos espaços pedagógicos a aprendizagem baseada na troca e na cooperação, no enfrentamento dos riscos, na aceitação do argumento do outro, na aceitação da diversidade, na elaboração de hipóteses e no reconhecimento de sua própria falibilidade.
Por fim, verificamos que existem pioneiros projetos envolvendo as novas tecnologias por parte de alguns professores que se tornam referências de trabalho e postura pedagógica, despontando como possíveis caminhos para as meta de melhorar não apenas índices estatísticos, mas também a qualidade do processo de construção do conhecimento realizado dentro e fora das salas de aula.

BIBLIOGRAFIA

BITTENCOURT, Evaldo. Política de tecnologia Educacional do Governo do estado do Rio de Janeiro. Palestra proferida no 400 Seminário Brasileiro de tecnologia Educacional, 18 de junho de 2008 no Rio de Janeiro.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: A era da informação: economia, sociedade e cultura. 10. ed. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2007. 698 p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36a. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 148 p.

FREITAS, Adriano Vargas. Com giz e laptop: O projeto Conexão Professor e a prática pedagógica. 2009. 194 f. Dissertação - Curso de Mestrado em Educação, Departamento de Faculdade de Educação, Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, 2009.

SILVA, Marco. Reinventar a sala de aula na cibercultura. Revista Pátio, Porto Alegre: Artured, Ano VII, n.26 , p.12-16, mai/jul 2003.