MUDANÇAS CLIMÁTICAS: A CHEIA DO RIO NEGRO E SEUS IMPACTOS NA VIDA DA POPULAÇÃO MANAUARA

 

Tiago Silva de Almeida*

 Alex Pereira Marques **

 

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Curso/Habilitação: Geografia Tuma 0134 – Prática Módulo 04

06/11/2014

 

 

RESUMO

Este estudo visa analisar as causas da cheia do rio negro e os principais impactos gerados à população Manauara no âmbito socioeconômico e ambiental. As mudanças climáticas a cada dia que passa está ocorrendo de forma contínua e acelerada em todo mundo. Elas geram elevação da temperatura do ar e mutações nos regimes de chuvas, que se tornam mais intensas e frequentes, causando desse modo a cheia dos rios. Como metodologia utilizou-se a prática real a fim de entender o problema e torna-lo mais explicito. A pesquisa realizada foi de cunho qualitativo e para coleta de dados foram utilizados vários instrumentos, tais como: entrevistas, diário de campo, observação participante, além de levantamentos bibliográficos em livros e artigos científicos especializados. A pesquisa mostrou que a cheia do Rio Negro acarreta inúmeros prejuízos à população manauara que reside às margens dos igarapés e na orla do rio, transtornos estes, atrelados à saúde e as questões socioeconômicas ambientais.

 

 

 

Palavras-chave: Cheia, Rio Negro, Transtornos.

 

 

 

 

 

 

 

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*Autor. Acadêmico do curso de Geografia da UNIASSELVI

**Orientador. Profº. do curso de Geografia da UNIASSELVI. Graduado em Geografia - UFAM . Especialização em Metodologia  do Ensino Superior - Gama Filho.

INTRODUÇÃO

 

            Este trabalho teve como objetivo identificar  as causas da cheia do rio negro e os principais impactos gerados à população Manauara no âmbito socioeconômico e ambiental. Assim, buscou-se Analisar os fatores antrópicos e naturais que contriuem para a cheia do Rio Negro, bem como descrever os impactos da cheia nas áreas comerciais no Centro de Manaus e nas localidades as margens do rio e igarapés que cortam a cidade.

As mudanças climáticas oriundas de fatores naturais e de agentes antrópicos  tem se intensificado nas últimas décadas. Na cidade de Manaus essa metamorfose pode ser evidenciada pela cheia do Rio Negro que ano após ano vem ocorrendo acima da média normal.

Esse fenômeno traz consigo inúmeros problemas sociais, principalmente a população que reside na orla do rio e nas margens dos igarapés, que formam as micros bacias, uma vez que têm suas casas invadidas pela água contaminada e poluída, ficando vulneráveis a doenças, tendo que se adaptar a uma dura realidade.

As consequências da cheia do Rio Negro também são evidenciadas no centro da cidade que tem suas ruas alagadas e uma queda significativa nas vendas dos comércios, acarretando demissões.  

            Justifica-se estudar essa temática, devido ser um assunto pouco analisado pelos pesquisadores, fato este comprovado pela escassez de produções científica sobre o problema. Acreditamos que este trabalho será de grande relevância por elucidar o fenômeno das cheias que ocorrem em Manaus e suas peculiaridades as pessoas não conhecedoras do mesmo.

            Como estratégia metodológica, adotou-se neste trabalho a prática real, do qual visa investigar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real, desvelando sua realidade de forma completa e profunda. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, visando assim, obter uma maior aproximação e entendimento sobre a problemática em lócus.

            Para alcançar os objetivos propostos, foram utilizados vários instrumentos para coletas de dados, tais como: entrevistas, diário de campo, observação participante, além de levantamentos bibliográficos em livros e artigos científicos especializados.

            O trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo trata das mudanças climáticas como fator determinante para a cheia do Rio Negro. O segundo capítulo elucida as consequências das cheias na vida da população manauara e o terceiro capítulo mostra os impactos das cheias nas áreas comerciais do centro de Manaus.

 

1 FATORES DETERMINANTES PARA A CHEIA DO RIO NEGRO

 

As mudanças climáticas a cada dia que passa está ocorrendo de forma contínua e acelerada em todo mundo. Elas geram elevação da temperatura do ar e mutações nos regimes de chuvas, que acarretam sérios impactos ao meio ambiente. Na Amazônia, essas mudanças estão causando fenômenos naturais frequentes e cada vez mais intensos, como secas e enchente severas no Rio Amazonas e nos seus afluentes como é o caso do Rio Negro. São eventos assustadores que acarretam prejuízos físicos e materiais, além de mudanças no modo de vida da população.

Marengo (2006), nos leva a compreender que os fenômenos que ocorrem na natureza, tais como o aumento acima do normal das ondas de calor, as cheias dos rios em níveis recordes e as estiagens prolongadas, são comprovações que o planeta vem passando por mudanças climáticas drásticas.

Um dos fatores que contribuem para a ocorrência desses fenômenos naturais é a emissão desenfreada de gases poluentes na atmosfera, emitidos por fontes antropogênicas, que faz com que aumente consideravelmente o efeito estufa no planeta, do qual altera o equilíbrio dos sistemas climáticos, devido o aquecimento global.

O aumento da temperatura da atmosfera faz com que sua disposição de reter vapor d’agua se amplie consideravelmente, o que implica diretamente na evaporação das águas dos oceanos, rios e lagos. Isso acarreta duas consequências importantes: a quantidade de água torna-se maior na atmosfera, e em determinadas regiões, quando essa água se transforma em vapor a tendência é a ocorrência de chuva com mais intensidade devido o fato da nuvem ter mais água para descarregar.

Devido chuvas intensas, as alterações no nivelamento das águas em toda a extensão do rio Amazonas e seus afluentes aumentam consideravelmente, em curtos espaços de tempo e de forma repentina, aumentando os riscos de enchentes. Nesse sentido, segundo Marengo (2006), quando ocorrem chuvas no Alto Amazonas e nos Andes, as savanas de alta altitude na cordilheira, as florestas de nuvens abaixo e a floresta das terras baixas, mesmo as mais longínquas, tendem a absorver grande parcela da umidade e a libera de modo continuo ao longo do tempo, ajustando efetivamente os níveis de agua até a bacia amazônica. Contudo, devido às chuvas intensas decorrentes das mudanças climáticas, essa capacidade de absorção é perdida contribuindo para as enchentes em todo o rio Amazonas e seus afluentes como o Rio Negro.

Sendo assim, pode-se afirmar que as chuvas descarregadas em Manaus não têm influências significativas nas cheias que invade todos os anos a cidade e sim as intensas precipitações ocorridas na região da margem direita do rio Amazonas, como é o caso do Rio Solimões.

As inundações estão atreladas ao ciclo hidrológico, que no geral inicia-se na bacia hidrográfica, sendo esses fenômenos similares a praticamente todos os rios, estejam eles em sua condição natural ou mediante  intervenção antrópica. Segundo Silveira (1993), a bacia hidrográfica é uma região que capta água das chuvas e faz seu escoamento convergir para um ponto fixo de saída, denominado de exutório. Este é formado basicamente por um conjunto de superfícies, vertentes e de uma rede de drenagem composta por cursos d’agua que confluem ate formar um único leito no exutório.

O acréscimo no volume de agua de um rio e, por conseguinte seu transbordamento tem vários conceitos populares, como cheia, inundação, enchente, alagamento, enxurrada, etc. Contudo, a denominação enchente é mais utilizada para mencionar que a água do rio teve seu volume aumentado porem continua dentro do leito menor ou dos limites da calha principal do rio. Por outro lado, a expressão inundação é usada para explicar os casos em que o volume de agua ultrapassa sua calha principal e acontece um transbordamento.

Conforme apontam Amaral e Ribeiro (2012, p.41), “as inundações são eventos naturais que ocorrem com periodicidade nos cursos d'agua, frequentemente deflagrados por chuvas fortes e rápidas ou chuvas de longa duração."

De acordo com Tucci (2005), as inundações são fenômenos que derivam de precipitações intensas, ocasionando aumento além do normal do escoamento superficial que rapidamente atinge os cursos d’agua. Todavia, algumas inundações integradas com desastres naturais ocorrem ou são potencializadas pela influência do próprio homem.

Na Amazônia esses condicionantes antrópicos são causados principalmente pela impermeabilização do solo decorrente do desmatamento, para servir de pastos para criação de bovinos, e pela urbanização que além de devastar a vegetação cobrem totalmente o solo com asfalto e concreto. Sem cobertura vegetal o solo não absorve a água da chuva o que aumenta seu escoamento na superfície, contribuindo para elevar gradativamente o volume do rio Negro.

Além das precipitações intensas, outro fator que contribui para que ocorram enchentes em Manaus implica no represamento que as águas do rio Solimões causam nas águas do Rio Negro.  Ou seja, o volume de água do Solimões é bem superior a do rio Negro, isso faz com que se forme uma barreira que impedi as águas do Negro de seguir caminho, sendo assim a tendência  é o rio Negro subir, causando enchente em toda sua extensão. Morais (2009) elucida ainda mais essa questão e afirma que:

 

A água flui por toda a extensão do rio Negro, passando pelo sítio urbano de Manaus e chegando até a confluência com o rio Amazonas, onde há represamento proveniente da diferença entre ambos os rios em fatores como densidade, acidez, temperatura, entre outros, o que controla o fluxo da sua vazão. Estas ações somadas implicam na elevação do nível de suas águas inundando as áreas de várzea, onde existem moradias sem infraestrutura para suportar as enchentes, o que aumenta as ocorrências de alagações. (p.5)

 

Em Manaus o nível da água do Rio Negro é medido desde o ano de 1903 pela estação hidroviária, situada no porto fluvial da capital, que integra a Rede Hidrometeorológica Nacional sob responsabilidade da Agência Nacional de Águas  - ANA. A  respeito das medições Marengo (2006), afirma que:

 

Desde que os registros tiveram início em 1903, as enchentes que ocorreram na Amazônia brasileira em julho de 2009 atingiram os níveis máximos, desalojando milhares de pessoas em toda a região. Os níveis de água chegaram a 29,75 m em uma estação no Rio Negro, em Manaus, a maior cidade do Amazonas, ultrapassando o recorde anterior de 29,69 m estabelecido em 1953. As enchentes de 2009 vieram apenas cinco anos após a intensa seca de 2005, quando os níveis do Rio Negro baixaram em Manaus (p.23).

 

O monitoramento da ANA é de suma importância, pois acompanha as alterações hidrológicas dos principais rios do Brasil e por meio de suas análises é possível identificar possíveis episódios críticos, como cheias e secas, e desenvolver ações preventivas para tentar minimizar impactos mais drásticos. Conforme apontam os registros do quadro da estação hidroviária as maiores cheias do Rio Negro em Manaus foram registradas nos seguintes anos:

 

Cota máxima de enchente

Data

Ano

29,97m

29/mai

2012

29,77m

01/jul

2009

29,69m

09/jun

1953

29,61m

14/jun

1976

29,42m

03/jul

1989

29,35m

18/jun

1922

29,33m

14/jun

2013

29,30m

24/jun

1999

29,24m

29/mai

2014

10ª

29,17m

14/jun

1909

 

                         

 

 

 

 

 
 

 Fonte: Nível do Rio Negro Adaptado do Porto de Manaus.

 

 

 

 

 

A cheia recorde do Rio Negro mais recente ocorreu em 29 de maio de 2012, onde alcançou a cota de 29,97 metros, deixando a área baixa da cidade de Manaus inundada. (Figura 1)

 

 

 

 

 

 

 

 

                Contudo não é só em cheia recordes que a população de Manaus sofre com a elevação das águas. Todos os anos quando o rio Negro tem sua vazão acrescida em cerca de quatro vezes a sua média normal, o rio transborda e o seu canal atinge toda a área urbana da cidade que está alojada próxima à margem do rio e leitos dos igarapés.

 

2. CONSEQUÊNCIAS DAS CHEIAS NO COTIDIANO DA POPULAÇÃO MANAURA

As cheias são eventos naturais que acontece devido o aumento do volume d’agua de um rio. Esses fenômenos são similares no Brasil e em todo mundo e acaba acarretando impactos danosos à sociedade, causando prejuízos a população e até mesmos vitimas fatais.

Na capital do Amazonas as cheias são fenômenos sazonais que interfere no cotidiano da população, gera inúmeros problemas sociais e de saúde, além de deixar famílias que moram as margens do rio e igarapés desabrigadas.

            No cenário atual, um assunto bastante discutido pelos pesquisadores, dos quais tem suas linhas de pesquisas baseadas nos fenômenos urbanos, é a compreensão dos riscos ambientais, dentre estes as enchentes. Em especial nas cidades brasileiras, existe a percepção dominante de que as ocupações dos espaços urbanos, visualizados nas grandes metrópoles, são os principais responsáveis por grandes problemas socioambientais.

            Segundo Tucci (2005), as enchentes são fenômenos naturais que acontecem em todos os rios, porém as cidades são construídas muito próximas das margens dos corpos d'águas, não obedecendo ao limite de transbordamento o que acarreta graves problemas a população e se torna muito perigoso.

            Nesse sentido Morais (2010), afirma que a cheia do Rio negro causa um impacto muito grande a população pelo  fato da cidade possuir inúmeros canais com suas atinentes micro bacias, áreas insalubres as margens de igarapés que abrigam famílias pobres, com pouca ou nenhuma condição de morar em locais com infraestrutura. Todos os anos esses bairros que se localizam a margem do rio e cortados por canais são os mais afetados pela enchente.

            Em Manaus essa ocupação desordenada poder ser vista nas margens do rio e igarapés da cidade através das palafitas sendo moradores dessas residências as famílias pobres que não possuem condições financeiras para habitar em outra localidade mais segura e digna. (Figura 2)

            O nível da água do rio Negro é um grande moderador da dinâmica econômica e social, com o qual a população manauara aprendeu a conviver. A permanência de palafitas[1], na cidade, como opção de moradia tradicional e de menor custo, ratifica essa questão de adaptação das famílias ribeirinhas as mudanças climáticas frente às constantes cheias do Rio Negro.

            Pinheiro (2008), nos leva a compreender que o surgimento e expansão das palafitas nos leitos do rio e igarapés de Manaus estão diretamente relacionados com o crescimento econômico da cidade desde a época áurea da extração da borracha, até o surgimento da Zona Franca de Manaus. A migração populacional oriunda de todas as regiões do Brasil, principalmente do Nordeste, gerou um crescimento desordenado na capital, contribuindo para o caos urbano.

 
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

            Muitas famílias desempregadas, sem ter como voltar para suas cidades natais, foram pouco a pouco construindo seus barracos em localidades de riscos e nos leitos dos igarapés, provocando sérios danos ambientais. E tal situação ainda permanece até hoje e as pessoas que vivem nessas áreas enfrentam inúmeros transtornos dos quais podem ser visualizados no depoimento da Sra Aparecida Pereira, 58 anos, moradora da comunidade ribeirinha do bairro Educandos:

 

Aqui é caramujo, rato, cobra, mosquito, tudo que não presta, além do cheiro horrível de lixo podre e quando o rio enche a nossa situação piora, porque a água entra na nossa casa e todo lixo que está lá fora vem parar tudo aqui dentro... As crianças ficam doentes, tem diarreia, vomito, ate doença de rato já pegaram aqui a gente sofre muito. (Pesquisa de campo, 2014)

 

            A cheia do rio que ocorre anualmente em Manaus aumenta os riscos à saúde da população devido às doenças de veiculação hídrica, como Leptospirose, malária, dengue, hepatite A, amebíase, febre tifoide, dermatites e diarreia. Além dos problemas ambientais causados pelo acumulo de lixo nos igarapés. (Figura 3). A respeito dessas mazelas causadas pela cheia do Rio Negro, Pinheiro (2008) ressalta que:

Em época de cheia (período de abril a julho) ou quando o igarapé transborda com as grandes precipitações de verão, as condições de vida dessas famílias se agravam ainda mais, principalmente para as crianças que, tendo nas pontes o único espaço para brincarem, frequentemente, estão em contato com águas poluídas e, consequentemente, ficam mais vulneráveis às contaminações. (p.88)

 

            Podemos perceber que além das doenças causadas pela água contaminada, o perigo atrelado à segurança das crianças aumenta, visto que quando o igarapé transborda o risco de cair das pontes que ligam uma palafita a outra e causar afogamento torna-se constante.

 
   

 

 

 

 

 

 

 

Figura 3 - Acumulo de lixo trazido pela água aumenta a proliferação de doenças.  Autor: Pedro Martinelli, 2011

 

           

 

            Segundo Pinheiro (2008), as casas erguidas sobre palafitas simbolizam uma intima relação entre a população ribeirinha e as águas do Rio Negro. A extensão dos pilares que servem de alicerce para as moradias ratifica uma tolerância a variabilidade natural do rio. A altura que é construída o piso destas residências marca o limite máximo tolerável das águas do rio, para assim dar continuidade as atividades diárias desta população em tempos de cheia. Acima deste nível, as casas são desocupadas ou os moradores ficam inviabilizados de utilizar o abastecimento de água, coleta de lixo e a própria habitação.

            Porém, mesmo com as casas completamente alagadas, muitas famílias por não terem para onde ir permanecem nas mesmas, sendo que para não ficar exposta a água contaminada vão construindo marombas[2] conforme demanda o nível do rio. Muitas dessas estruturas ficam tão próximas ao teto da casa que as pessoas precisam andar completamente agachadas. (Figura 4)

 
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

 

            Apesar de não ter conhecimentos sobre os fenômenos das mudanças climáticas os moradores dessas localidades percebem que está acontecendo algo diferente no clima, fato este que pode ser evidenciado pelo depoimento do Senhor Juarez Albuquerque, 62 anos, morador do bairro São Raimundo, do qual afirma que:

 

A cada ano que passa a água do rio sobe cada vez mais, antes ela não chegava a alagar nossas casas, ficava lá embaixo. Hoje em dia a água entra e temos que suspender nossos moveis pra não molhar, mas enche muito e o jeito é levantar o assoalho. Em 2012 foi o ano mais terrível, o rio encheu tanto que não teve como levantar o assoalho que já estava chegando quase no teto, o jeito foi sair daqui e pedir ajuda pros parentes. (Pesquisa de campo, 2014).

 

            As palafitas foram construídas baseadas na lógica do nível das águas em Manaus, que antigamente atingia níveis bem menores que os atuais, o censo comum da vizinhança norteavam a altura dos alicerces das moradias que basicamente tem as mesmas medidas. Contudo, sem a preocupação e o conhecimento de eventos extremos, como as mudanças climáticas, as cheias passaram a gerar transtornos a população ribeirinha.

 

3 OS IMPACTOS DA CHEIA NAS ÁREAS COMERCIAIS DO CENTRO DE MANAUS

 

            O centro de Manaus está situado à margem do Rio Negro entre os igarapés do bairro de Educandos e São Raimundo. É uma região predominantemente comercial devido conter um enorme quantitativo de lojas, bares, feiras, restaurantes, hotéis e também histórico, com a presença de casebres e construções antigas do período colonial, que passaram a serem patrimônios tombados pelo município.

            O aumento do nível da agua do Rio Negro acima da media gera uma paralisação do fluxo de esgotamento sanitário na área central, tanto no sistema geral de coleta do esgoto, quanto na coleta dos sistemas menores dos esgotos comerciais ou residenciais.

            Morais (2010), após realizar uma análise dos impasses urbanos na cidade de Manaus, concluiu que a área central da cidade abrange um sistema de drenagem atrelado a galerias pluviais construídos pelos ingleses no final do século XIX para escoar a água da chuva e também o esgoto doméstico. Contudo, a cidade foi crescendo, o número de moradores e comerciantes que utilizam esse sistema de esgotamento também e hoje não atende mais as necessidades da população.

            Devido à cheia do Rio Negro, estas galerias tornam-se um sério problema para os comerciantes do centro, uma vez que a água do rio invade a rede de drenagem contribuindo para o alagamento das ruas. Além do mais essa água misturada com os dejetos do esgoto torna o odor insuportável e sua água parada contribui para a proliferação de doenças.

            Com a rede de esgoto totalmente cheia, não tem como a água escoar o que acarreta refluxo de dejetos para dentro dos imóveis, que contribuem para o alagamento interno das residências e comércios.

            As ruas e acessos localizados próximos à margem do rio são os mais afetados, pessoas ficam impedidas de circularem nessas áreas, o fluxo de veículos é interrompido, as residências e comércios são inundados. Todos esses transtornos geram grandes prejuízos materiais e consequentemente econômicos, pois os comerciantes perdem mercadorias e tem que fechar seus estabelecimentos devido o avanço da água e da falta de consumidores. (Figura 5). Tais prejuízos podem ser evidenciados através do depoimento da Senhora Rafaela Reis, 48 anos:

 

 

Quando a cheia é muito grande fica uma situação muito ruim para os comerciantes que tem loja por aqui, pois alaga tudo e perdemos mercadorias e principalmente clientes, pois ninguém quer andar no alagado pra comprar algo. Eu que trabalho vendendo produtos para agricultura e pecuária, tenho um prejuízo enorme pois da ultima vez não teve como levantar os fardos de ração e molharam todos e não serviu mais pra nada só ficou o farelo. (Pesquisa de campo, 2014)

 

                                                         

A defesa civil do município para minimizar as perdas dos comércios improvisam pontes de madeira sobre as águas, mas mesmo assim inibe as pessoas de se deslocarem ao centro para fazer suas compras. Uma vez que o tráfico na região é interrompido, não tem local para estacionar e as paradas de ônibus ficam distantes.

Outra ação da defesa civil municipal, vista pela primeira vez neste ano, foi o trabalho de descontaminação das áreas alagadas. No Centro da capital foi realizada através do derramamento de cal nas águas paradas para eliminar o mau cheiro, bactérias, vírus e consequentemente a incidência de doenças como leptospirose, hepatite, amebíase, febre tifoide, dermatites, dentre outras.

 
   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A principal causa da elevação do nível da água do Rio Negro está associado principalmente as intensas e constantes precipitações na bacia hidrográfica do Rio Amazonas, esse fenômeno  tem como consequência o aumento do seu volume. O efeito dessa ordem natural causa impactos nos bairros situados nas proximidades do rio, sendo suas ações mais sentidas no centro de Manaus, devido o fator comercial e nas margens dos igarapés, onde a uma predominância de palafitas.

Percebe-se que quando ocorre à cheia a população manauara enfrenta diversas situações caóticas capazes de gerar a interrupção de ruas e do acesso ao transporte. Também impedi a livre circulação de pessoas e mercadorias, acarreta prejuízos materiais e financeiros, deixa famílias desabrigadas, além de contribuir para surtos de doenças de veiculação hídrica.

As cheias que ocorrem periodicamente em Manaus, deveriam levar a sociedade em geral a questionamentos sobre o modelo de ocupação urbana usada como moradia para uma parcela da população. Mas, pelo contrário, as enchentes são utilizadas como justificativas para respaldar investimentos que reforçam o cenário vigente sem que maiores indagações sejam feitas. O olhar mais direcionado na situação de caos urbano que as cheias causam, pode ser utilizado como tática de atuação política para explicar o adiamento de obras em certas áreas da cidade para priorizar a situação emergencial do momento.

 As enchentes em Manaus são fenômenos que sempre existiram na cidade e os problemas que causa a população é antigo. Contudo, os investimentos em infraestrutura, apesar de acontecerem de forma tardia, não acompanham a dinâmica do crescimento  desordenado da cidade. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

AMARAL, R.; RIBEIRO, R,R. Inundação e Enchentes. In: TOMINAGA,L.K.; SANTORO, J.; AMARAL, R. Desastres Naturais: conhecer para prevenir. 2 ed. São Paulo: Instituto Geológico, 2012.

 

MARENGO, José. Mudanças climáticas globais e seus efeitos sobre a biodiversidade: caracterização do clima atual e definição das alterações climáticas para o território brasileiro ao longo do século XXI. Brasília: MMA, 2006.

 

MORAIS, Diego. A cheia do Rio Negro em Manaus e seus impactos no Centro e na Ponta Negra em 2009. In: Encontro Nacional dos Geógrafos – ENG, Porto Alegre, Anais XVI, 2010. Disponível em <www.agb.org.br/evento/download.php?idTrabalho=737> . Acesso em 09 de setembro de 2014.

 

PINHEIRO, Lady Mariana Siqueira. As mulheres do Prosamim: ambiente, gênero e cidade. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2008.

 

SILVEIRA, André. Ciclo Hidrológico e Bacia Hidrológica. In: TUCCI, Carlos. Hidrologia: ciência e aplicação. 1 ed. Porto Alegre: Editora da Universidade: ABRH: EDUSP, 1993.

 

TUCCI, Carlos. Gestão de Águas Pluviais Urbanas. Ministério das Cidades – Global Water Partnership - Wolrd Bank – Unesco. Brasília, 2005



[1] Tipo de habitação construída sobre troncos ou pilares. Esse tipo de construção é comum em áreas alagadiças, pois deixa a casa em uma altura que a água não alcança.

[2] Assoalho construído acima do piso normal, onde o mesmo só é desmontado após o termino da cheia.