Movimentos populares

Hoje em dia, com esse oceano de corrupção nos sufocando, temos a impressão de que somos agredidos por algo novo e que somos os primeiros a nos perceber como vítimas de um sistema de morte. De que estamos falando? Da corrupção que cresce na mesma proporção que cresce o poder do capitalismo e, na mesma proporção inversa, morrem os valores humanos!

Mas a verdade é outra. A corrupção que é expressão da maldade humana vem nos acompanham do há milênios. E a corrupção foi plantada em nosso país com as primeiras mudas e sementas trazidas pelos europeus. Com a ressalva de que a corrupção não foi inventada pelos portugueses e espanhóis colonizadores. Os grandes impérios da história da humanidade caíram porque apodreceram com o vírus decompositor da sociedade chamado corrupção: vimos isso na antiga Mesopotâmia, no clássico mundo grego e no poderoso império romano. A nobreza e o clero medievais foram combatidos pela burguesia e pelos reformadores, entre outros motivos, por causa da corrupção... e as lições da humanidade chegam aos nossos dias: com um modo de produção (o capitalismo) e uma sociedade que se sufoca nesse oceano de desvio moral chamado corrupção o qual tem gerado a atual crise ética, da nosso sociedade.

E o interessante da história, e isso pode ser visto como um dos motores da história, é o fato de que a corrupção e o desajuste moral manifestam-se, principalmente, na alta sociedade e classe dirigente contra os pobres e trabalhadores. E são os mais pobres, marginalizados, explorados e vítimas de todos os sistemas opressores que reagem em primeiro lugar. São os mais pobres os primeiros a sentirem as consequências e as dores da corrupção instalada na sociedade. E essas reações também se manifestam ao longo da história: escravos se revoltaram no mundo grego; gladiadores no mundo romano; o terceiro estado no final do medievalismo...

As revoltas se deram tanto em nível de luta armada como em nível ideológico. Nesse nível é que se aparecem os movimentos sociais de cunho popular. E no Brasil dos anos 1980 os movimentos populares pariram grandes lideranças que acabaram sendo abatidas pelo “poder opressor”; outras, infelizmente, acabaram se corrompendo ao assumir o poder. Naquela época o grande inimigo – que já era o capitalismo – mostrava seus dentes na forma de ditadura militar. Contra essa ditadura os movimentos populares produziram verdadeiras obras de arte de resistência popular. E aqui tomo a liberdade de transcrever a música “PAI NOSSO DOS MÁRTIRES”, escrita pelo padre Cirineu Khun:

Pai nosso, dos pobres marginalizados. Pai nosso, dos mártires, dos torturados.

Teu nome é santificado naqueles que morrem defendendo a vida. Teu nome é glorificado, quando a justiça é nossa medida. Teu Reino é de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão. Maldita toda violência que devora a vida pela opressão.

Queremos fazer tua vontade. És o verdadeiro Deus Libertador. Não vamos seguir as doutrinas, corrompidas pelo poder opressor. Pedimos-te o pão da vida, o pão da segurança, o pão das multidões, o pão que traz humanidade, que constrói o homem, em vez de canhões.

Perdoa-nos quando por medo, ficamos calados, diante da morte. Perdoa, e destrói o reino, em que a corrupção é a lei mais forte. Protege-nos da crueldade do esquadrão da morte, dos prevalecidos. Pai nosso revolucionário, parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos.”

O que essa canção nos mostra? A constatação da marginalidade em que são atirados os “pobres marginalizados” e a sensação de que essa marginalização não é natural, mas produzida pelo “poder opressor”. Poder esse que produz tanto medo nas pessoas que elas quase não reagem mais e por isso pedem perdão: “Perdoa-nos quando por medo ficamos calados, diante da morte”. Entretanto, mesmo com medo, essa multidão marginalizada se compromete com Deus: “Queremos fazer tua vontade. És o verdadeiro Deus Libertador”

A percepção da situação leva à constatação: é possível uma alternativa que é construção de um mundo “de liberdade, de fraternidade, paz e comunhão”. O grito dos movimentos populares dos anos 1980 foi relançado, recentemente, contra a corrupção. O grito, nos dias atuais, já não teme mais o “poder opressor” esse grito quer uma faxina geral no centro do poder, opressor e corrupto. A corrupção tenta nos sufocar, mas o grito de liberdade começa a ser lançado...

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo

Rolim de Moura- RO