MOVIMENTOS POPULARES E AS DIFICULDADES DA ADVOCACIA POPULAR NO BRASIL

Uma abordagem sobre as funções da advocacia popular como meio facilitador de acesso à justiça

                                                         Patrícia Nunes Guimarães1

                                                         Mariana Moura Borba2

 

Sumário: 1- Introdução; 2-Advocacia pro bono ; 3-Movimentos populares ;4-Renap e o Acesso à justiça ;5-Conclusão;



                                                        RESUMO

Realiza-se um estudo sobre a origem da advocacia pro bono, seus efeitos na sociedade e os demais aspectos relacionados ao assunto. Desenvolve-se uma reflexão baseada na dificuldade de acesso à justiça, enfatizando o que há de mais específico na advocacia popular. Destacam-se os movimentos populares e sua associação com a advocacia popular.



                                                   PALAVRAS-CHAVE

                                            Advocacia. Sociedade. Justiça.

 

As práticas jurídicas alternativas na América Latina se desenvolveram como reação a uma negligência do Estado.

Luiz Otávio Ribas

 



1 Acadêmica do 3° período do curso de Direito da UNDB([email protected])

2 Acadêmica do 3° período do curso de Direito da UNDB([email protected])

1-INTRODUÇÃO:

Advocacia popular é a prática jurídica insurgente desenvolvida por advogados na representação judicial de grupos e movimentos sociais. Não se limita a assistência jurídica tradicional, mas é voltada para trabalhos comunitários e lutas coletivas por direitos, vinculada a expressões como serviços jurídicos inovadores, alternativos, insurgentes e etc. A advocacia popular tem como objetivo superar o modelo de juridicidade formalista, tendo o Estado como um ente auxiliador nesse processo. A respeito dos objetivos dos serviços legais inovadores, Celso Campilongo também afirma que eles “enfatizam a organização popular, as ações coletivas, as demandas de impacto social e a ética comunitária.3

2-ADVOCACIA PRO BONO:

Advocacia pro Bono é a advocacia para o bem, fazendo referência ao patrocínio gratuito de causas judiciais e consultas jurídicas por parte de advogados dispostos a atuar sem receber honorários advocatícios. Este tipo de atuação de advogados, também chamada de advocacia gratuita, é uma das formas possíveis de se ampliar o acesso a justiça por parte da população carente, que não tiver condições de pagar os serviços dos advogados e, se for o caso, as custas processuais.

A advocacia pro Bono não deve ser confundida com a assistência jurídica gratuita, prevista na Constituição Federal. Esta última se refere a prestação de serviços jurídicos pelo Estado a população carente, na maior parte das vezes através da atuação das defensorias públicas e por meio de convênios entre esses órgãos e a OAB.

Porém, entre todos os profissionais liberais, o único que não pode deixar de cobrar pelos seus serviços é o advogado. E caso decida atender pessoas carentes de graça, pode ser suspenso e até mesmo ter o seu registro cassado e ser impedido de advogar. Diante disso, a advocacia pro Bono só pode ser realizada se o advogado for cadastrado no rol de advogados voluntários.

De um contexto histórico Ruy Barbosa foi o primeiro advogado pro Bono do Brasil. Ele defendeu escravos na época da abolição. Em 1914, aderiu a causa dos marinheiros que se revoltaram e fizeram a revolta da chibata. Atualmente a advocacia pro Bono só é acessível ao Estado de São Paulo e ainda assim, não é permitida para pessoas físicas, só jurídicas.

3-MOVIMENTOS POPULARES:

Nas últimas décadas do século XX, houve uma crescente coletivização dos conflitos sociais, como as greves, ocupações de terra, manifestações coletivas por moradia, desobediência à lei, movimento de resistência à devastação do meio ambiente, a organização das nações indígenas pela demarcação de suas áreas. Esta coletivização foi fruto da contradição da sociedade capitalista, pois o aumento da exploração alarga a faixa de marginalizados e excluídos e a concentração de riquezas.

A intensificação do conflito e a possibilidade de utilização do direito como instrumento de luta pelos movimentos sociais levaram a advocacia popular a se preparar para esta nova realidade social, onde os juristas estejam voltados para os marginalizados, contrapondo o projeto conservador.

Atualmente, os movimentos sociais vêm se apropriando do direito e dos instrumentos jurídicos como estratégias de luta, assim, o direito deixa de ser um benefício do qual só as classes dominantes são portadoras. E pode, inclusive, ser comparado a “um agente revolucionário” a serviço do homem, que abre caminho para união dos juristas populares com os movimentos sociais.

A distinção entre a luta dos movimentos sociais pelo direito e a luta dos advogados populares pela justiça é que os movimentos sociais fazem da sua luta, uma luta antijudiciária, usando algumas das vezes do vandalismo e destruição do patrimônio público, o que facilita a denúncia de arbitrariedades, impunidades e omissões do Estado. Já os advogados populares usam da luta judiciária. Fazendo com que os direitos dos envolvidos no movimento sejam respeitados legalmente.

4-RENAP E O ACESSO À JUSTIÇA:

A partir da necessidade de associação entre a advocacia popular e os movimentos sociais, surge em 1996, a Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), que inicialmente se propunha a ser uma articulação autônoma, descentralizada, horizontal, de nível nacional, de advogados e advogadas, com o objetivo de prestar assessoria jurídica aos movimentos sociais.

A criação da Renap quebrou o isolamento dos advogados, que exerciam sua profissão de forma isolada, restrita a questões locais, apartada de uma visão ampla e geral do Direito e seus desafios. Com a Renap, os advogados tiveram a compreensão política do papel desempenhado pelos movimentos sociais e passaram a utilizar este elemento político essas suas ações.

Em seguida o que seria uma articulação de advogados e advogadas, ampliou-se de forma a se tornar uma articulação de todos os operadores do Direito, incluindo também magistrados, promotores, procuradores, professores e acadêmicos. O Renap tem como único requisito, identificar e assumir os compromissos e princípios da Rede:

Amar e preservar a terra e os seres da natureza;

Aperfeiçoar sempre nossos conhecimentos sobre a ciência jurídica com

vistas à construção de um Direito que respeite o ser humano;

Praticar a solidariedade e revoltar-se contra qualquer injustiça, agressão e

exploração contra a pessoa, a comunidade e a natureza;

Lutar contra o latifúndio, contra a submissão dos seres humanos ao

capital, lutar contra o espírito individualista, competitivo, excludente e

dominador;

Transformar o direito em um importante instrumento dos movimentos

sociais, na busca de novas e transformadoras fórmulas de acesso à

justiça;

Praticar a solidariedade, tendo sempre como guia superior a vontade de

transformar a sociedade, abstendo-se de motivações de ordem

meramente financeiras;

Estar sempre atento aos acontecimentos da sociedade, buscando

compreende-la cada vez mais profundamente, para inserir-se nessa

realidade de maneira consciente e engajada com o compromisso de

construir uma humanidade onde esteja assegurado a todos o direito de ser

feliz, já que todos os homens nascem livre e iguais em dignidade.

(Cadernos da Renap, 2001)

Mauro Cappelletti em sua obra Acesso a justiça diz:

O acesso não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica.4

O que Cappelletti quis dizer com isso é que o acesso a justiça além de ser um direito fundamental de todos os indivíduos, também cumpre seu papel de aproximar a sociedade da ciência jurídica. O acesso a justiça através dos advogados populares representa a possibilidade que as pessoas tem para obter algo.

De um ponto de vista histórico, Cappelletti também afirma que o primeiro momento em que se despertou efetivamente esse acesso a justiça foi por meio do código austríaco de 1895, que conferiu ao Juiz um papel ativo para igualar as partes. E como diz o Juiz José Renato Nalini:

O movimento do acesso à justiça é uma solução de compromisso. O aspecto normativo do direito não é renegado, mas enfatizado como elemento de extrema importância. É condição necessária ao conhecimento do fenômeno jurídico, mas não suficiente à sua compreensão total. O direito é norma, todavia não se contém todo na positividade.

Mauro Cappelletti mais uma vez afirma que:

O direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. 6

Com isso, Cappelletti explicita que quando não há meios para se atingirem os fins, estes se tornam puramente utópicos.



3 CAMPILONGO, Celso.PRESSBURGER, Miguel. Assistência jurídica e realidade social: apontamentos para uma tipologia dos serviços legais. in: Discutindo a assessoria popular. Rio de Janeiro: Apoio jurídico popular: Fase, 1991.

4 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

5 NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça.2ª Ed. São Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 2000.

6 Ibdem.